Script = https://s1.trrsf.com/update-1742912109/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE
Alaíde Costa   Foto: Divulgação

‘Mãe’ da bossa nova, Alaíde Costa revela ter sofrido racismo velado na música: ‘Demorou para cair a ficha’

Aos 89 anos, ela reconhece que foi deixada de lado pelo setor, mas chegou ao seu ápice musical recentemente

Imagem: Divulgação
  • Redação Terra Redação Terra
Compartilhar
6 mar 2025 - 20h01
(atualizado em 8/3/2025 às 04h59)

“Eu era de uma ingenuidade aflorada, né? Demorou para cair a ficha”, diz a cantora e compositora Alaíde Costa, de 89 anos. Ela, que só recebeu seu merecido reconhecimento há poucos anos, revela ao Terra que manteve a essência em meio ao racismo velado que sofreu durante toda a sua carreira, e seguiu cantando o que queria.

Alaíde Costa começou a cantar aos 13 anos
Alaíde Costa começou a cantar aos 13 anos
Foto: Divulgação

Dona de uma pele preta retinta, um sorriso de alegrar por onde passa e de uma voz doce, ela foi finalmente reconhecida como a criadora da bossa nova antes mesmo do ritmo se chamar assim. Mas só agora, o Brasil faz a devida reparação histórica e admite que a bossa nova tem mais do que uma mãe, uma verdadeira rainha.

“Se eu sou a mãe, eu não sei, dizem agora que eu sou a mãe. Eu comecei, lá no comecinho de tudo, participando das reuniões, fazendo shows em colégios faculdades, antes da bossa nova ficar famosa. Mas eu não fiquei só nessa coisa de bossa nova, eu canto de tudo. Eu canto Ivan Lins, Milton Nascimento, muitos compositores modernos", afirma.

Ela começou muito novinha, aos 13 anos. Vivia cantarolando pela casa, até que seu irmão mais novo, na época com 11 anos, a inscreveu em um programa de calouros no circo. “Eu falei: ‘mas num vou mesmo’. E ele falou: ‘se você não for, a polícia vem te prender’. Eu fui, né? Fui e ganhei um prêmio”, relembra.

A partir disso, tudo o que acontecia em seu bairro relacionado à música, as pessoas a levavam. Aos 16 anos, quando começou a trabalhar como babá de três crianças, a patroa a ouvi e sugeriu que fosse ao programa de rádio de Ary Barroso.

“Eu ouvia e não falava nada. Na época, era só rádio. O Silvio Caldas tinha um programa semanal, na Rádio Clube do Brasil, e ele cantava uma música que me chamou atenção. Já era mais moderna, chamava Noturno em Tempo de Samba. Cada vez que ele cantava, eu escrevia a letra, ia memorizando a letra e quando eu aprendi, eu fui em uma casa que vendia partituras e me inscrevi no programa do Ary Barroso, de tanto a dona Vanda falar”.

Alaíde foi e recebeu a nota máxima. Ficou muito animada e passou a participar de tudo quanto era programa desse tipo que havia na época. No entanto, mesmo pontuando muito bem, ouvia que tinha que escolher músicas “mais fáceis” ou mais “animadinhas”, como samba.

“Eu até canto Paulinho da Viola, Elton Medeiros, mas esses sambas que eles queriam que eu cantasse eu não sei”, esclarece. Depois de 4 anos indo em programas, ela foi chamada para integrar uma orquestra, e teve seu primeiro trabalho profissional no Dancing Avenida.

"Se eu fizesse o que queriam que eu fizesse, eu ia ficar muito triste e não ia dar certo, eu tenho certeza, porque não tinha nada a ver comigo o que queriam que eu cantasse" -- Alaíde Costa

Excluída da bossa nova

Quando começaram as reuniões da bossa nova, ela era a única profissional da turma. Ali, os músicos viram uma oportunidade de ter uma cantora interpretando as músicas deles. Ela era muito bem recebida, afinal, tinha talento e muita facilidade em aprender. O problema eram as gravadoras.

O primeiro trabalho profissional de Alaíde Costa foi no Dancing Avenida
O primeiro trabalho profissional de Alaíde Costa foi no Dancing Avenida
Foto: Divulgação

“Quando eu tive chance de gravar, as gravadoras não acreditavam na bossa nova. Aí o João Gilberto começou a fazer muito sucesso e eu me lembro muito bem que eu consegui que o João fosse comigo na RCA Victor, onde eu estava gravando. Lá, o diretor artístico não deixou o João fazer o violão, era só ele que sabia e os meninos que frequentavam as reuniões”, explica.

Alaíde conta que as gravações pareciam de rumba, porque o violonista da gravadora, embora fosse maravilhoso, não sabia tocar bossa nova. Ela revela ainda que, muito tempo depois, ficou sabendo que na sua ausência perguntavam se “a ameixa” não vinha. Para ela, se falassem cara a cara, acharia que era uma coisa carinhosa.

“E a bossa nova ficou famosa, vieram os festivais de bossa nova, e euzinha? Nada! Não era chamada”, relembra. Ela não percebia que se tratava de uma questão racial, pois era muito ingênua.

“Eu cantei músicas de pessoas que foram para o primeiro show no Carnegie Hall [em novembro de 1962, em Nova Iorque] e quando eu soube, já estava todo mundo lá. Eu fiquei decepcionada mesmo. Participei de tudo aquilo, mas enfim, passou. E eu estou aqui, onde eles estão”, celebra apesar de tudo.

A reviravolta

Projeto Pérolas Negras, em que Alaíde Costa participou
Projeto Pérolas Negras, em que Alaíde Costa participou
Foto: Divulgação

No entanto, mais de 60 anos depois, Alaíde pisou no palco do Carnegie Hall, onde apresentou músicas de seu mais novo disco e único solo, O Que os Calos Dizem Sobre Mim, produzido pelo Marcos Preto, Pupillo Oliveira e Emicida. O álbum ganhou como melhor lançamento fonográfico na categoria MPB, na 30ª edição do Prêmio da Música Brasileira, em 2023.

“Foi fantástico. Fui muito bem recebida, e a saída também muito boa. Isso é gratificante demais, ser reconhecida assim. Eu ainda falei: Eu não estive aqui há 60 anos, e hoje estou muito feliz por estar aqui’. Foi muito bonito”, relembra.

Inclusive, ela destaca que esse foi um dos momentos mais bonitos de sua carreira, no qual o público levantou para aplaudi-la de pé enquanto cantava a música Onde Está Você. “Foi muito emocionante”. Quando questionada sobre o que diria para a Alaíde do passado, ela sequer titubeia: “Não mude nada”.

Fonte: Redação Terra
TAGS
PUBLICIDADE