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Idoso acusa seguranças do Carrefour de furto e justiça condena mercado

O idoso, que é negro, diz que teve objeto confiscado por seguranças da rede de supermercados após revista; defesa do Carrefour diz ele se vitimiza com história infundada

17 ago 2022 - 10h51
(atualizado às 16h54)
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Imagem mostra unidade da rede de supermercados Carrefour.
Imagem mostra unidade da rede de supermercados Carrefour.
Foto: Imagem: Sir Velpertex di Crantx/Wikimedia Commons / Alma Preta

Carlos* acusa os seguranças do Carrefour de o revistarem e furtarem depois de efetuar uma compra no supermercado no dia 9 de junho de 2020. Os agentes de segurança privada não acreditaram ser do idoso um ferro de solda e confiscaram o item, sob alegação de que o produto pertencia à unidade. O Carrefour nega as acusações.

Homem negro de 60 anos, Carlos processou a rede de supermercados por abordagem irregular, pedido de reparação dos produtos danificados e furtados, e pela rede de supermercados ter o colocado em situação de risco, todos processos fundamentados no Código de Defesa do Consumidor. A ação foi apresentada no dia 19 de janeiro de 2021.

O desembargador de segunda instância, Francisco Casconi, rebateu os argumentos utilizados pelo Carrefour e confirmou a sentença de R$ 20 mil reais por danos morais. Pesou para a rede de supermercados a não apresentação das imagens internas da loja e apresentação de evidências descritas como frágeis pela justiça. A sentença foi publicada no dia 24 de maio de 2022.

"A defesa apresentada pela requerida, calcada em descrições e argumentações genéricas, rasas e padronizadas, é demasiadamente frágil e inaceitavelmente imprecisa e, por isso, imprestável à descaracterização da verossimilhança da perspectiva apresentada pelo autor", explica Francisco Casconi.

No dia 9 de Junho de 2020, Carlos saiu por volta das 21h30 da loja do Carrefour, quando foi parado pelos seguranças do supermercado da unidade de Pirituba, na zona oeste de São Paulo. Ele diz ter sido abordado de maneira truculenta, como registrou no SAC da empresa, no dia 10 de junho de 2020. Ele retornou uma ligação para o serviço de atendimento da companhia, no dia 13 de junho, apresentou o número do protocolo, e o atendente questionou do que se tratava o ocorrido. Depois, o funcionário da rede afirmou que houve uma tentativa de ligação para Carlos, direcionada para a caixa postal.

"Me abordaram acusando de furto de um ferro de solda e mediante violência o subtraíram como se fosse aquele da loja". Carlos conta que, mesmo com a nota fiscal na mochila, não conseguiu provar ser seu o objeto, que os seguranças alegaram ser da unidade de Pirituba.

O Boletim de Ocorrência foi registrado no dia 23 de junho de 2020, no 33 Distrito Policial de Pirituba. Para o delegado Leandro da Silva e o escrivão Antônio Reis, Carlos disse aguardar o "ferro de solda subtraído e o reembolso das despesas, mochila, armação do óculos que está colado e ferro que tive que adquirir para uso".

Ele chegou a pedir o acesso às imagens para confirmar a história apresentada sobre o fato no dia posterior ao primeiro ocorrido, em 10 de junho, no SAC da empresa. Sem sucesso, recorreu à Defensoria Pública, que no dia 23 de junho, 14 dias depois do acontecido, fez um requerimento sobre as imagens.

Não houve retorno do Carrefour, que depois sinalizou apagar as imagens de quinze em quinze dias. Para a juíza de primeira instância, Daiane de Souza, caberia ao Carrefour armazenar as imagens depois da reclamação no SAC da empresa e do pedido da Defensoria Pública. A juíza destaca que todos os pedidos foram feitos dentro do prazo de 15 dias, o que deveria ter assegurado o armazenamento das imagens. Ela também condenou a companhia.

Depois de denunciar e passar pela situação do dia 9 de junho, Carlos diz ter sido acompanhado pelos seguranças da rede de supermercados, que em algumas situações disparavam o alarme de segurança na sua saída.

No dia 22 de Novembro de 2020, ele alega ter sido abordado pelos seguranças do Carrefour, que abriram a mochila do idoso sob acusação de furto. Carlos diz ter ficado 18 minutos sob os questionamentos dos seguranças da loja, o que foi descrito por ele como uma prova da "abusividade" da ação. A defesa do idoso de 60 anos sinaliza que houve uma tentativa de apuração de possível furto, ação descrita como ilícita e fundamentada em posicionamento do Tribunal de Justiça de São Paulo acerca de outro caso.

"Assim, certo é que não houve comprovação da suspeita que levou à abordagem da autora, sendo inquestionável o constrangimento ao qual foi submetida a apelada, uma vez que tal abordagem se deu em frente ao caixa onde acabara de efetuar o pagamento de sua compra, local de circulação de clientes e funcionários", aponta decisão da 36° Câmara do Direito Privado do TJ-SP. A acusação utilizou dessa jurisprudência para endossar as posições de Carlos.

No dia 17 de janeiro de 2020, Carlos diz ter passado por nova situação vexatória. Ele tentou utilizar um cupom de R$ 40 para a compra de lâmpadas, mas argumenta ter sido "destratado" e obrigado a cancelar a compra.

A defesa do Carrefour, feita pelo advogado Maurício Domingues, do escritório Lopes Domingues, sinaliza que no dia 22 de Novembro de 2020 não houve qualquer tentativa por parte da segurança da empresa de abordar Carlos. Houve o movimento para tentar garantir ao idoso o acesso a descontos na loja, o que explicaria o tempo de 18 minutos e a nova passagem com as compras no caixa. Essa possibilidade foi refutada pela vítima.

O Carrefour explica o fato de não ter as imagens da câmera de segurança interna por apagar o acervo com a frequência quinzenal. Os pedidos por parte de Carlos foram feitos dentro do prazo. A defesa da rede de supermercados sinaliza que há uma "narrativa dos fatos confusa sem conclusão lógica e desconexa".

A rede de supermercados nega que o idoso tenha sido acusado de furto e indica que os "funcionários são treinados para que a abordagem de qualquer cliente, em qualquer circunstância, seja a menos traumática possível".

O Carrefour também questiona o fato do idoso acusar a rede de furto e ter ido à delegacia apenas 14 dias depois do primeiro ocorrido. Para a rede, se o roubo tivesse ocorrido, Carlos teria chamado a polícia militar no instante do crime. O Carrefour sinaliza que não houve qualquer documento anexado para comprovar as alegações feitas no dia 17 de janeiro.

Nos recursos apresentados para o julgamento em segunda instância, a defesa do Carrefour, feita pelo advogado Maurício Domingues, sinalizou que o idoso "se vitimiza a ponto de criar uma narrativa de que o repasse de compras teria sido motivado por acusação de furto. Alegação absurda e infundada".

Questionado pela equipe da Alma Preta, o Carrefour sinalizou que "segue avançando no processo contínuo de melhoria e revisão dos procedimentos de atendimento ao cliente. Nosso modelo de prevenção é focado em inclusão e respeito, buscando uma atitude humanizada e acolhedora".

Beto Freitas

O segundo caso envolvendo Carlos, no dia 22 de novembro de 2020, ocorreu 3 dias depois do assassinato de João Alberto Freitas, em uma das unidades do Carrefour em Porto Alegre, quando ele foi espancado por seguranças da unidade e assassinado em frente à loja.

A defesa de Carlos recordou o caso e afirmou que se não fossem as gravações feitas por terceiros e se houvesse necessidade de acessar as imagens internas do Carrefour, o caso poderia ter caído no anonimato.

O caso de Beto Freitas está em fase de audiências de instrução no Rio Grande do Sul. Seis acusados de envolvimento na morte do homem de 40 anos são acusados de homicídio triplamente qualificado. Dois dos réus respondem ao processo em prisão preventiva, uma em prisão domiciliar, e três em liberdade.

O Carrefour não responde judicialmente pelo caso depois de ter firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Rio Grande do Sul, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Defensoria Pública da União, Defensoria Pública do Rio Grande do Sul. O acordo, no valor de R$ 115 milhões, teve a participação da Educafro e do Centro Santos Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo.

*Carlos é um nome fictício utilizado para preservar a identidade do sujeito

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Alma Preta
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