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'Gay escrito na testa': como Diego Martins transformou homofobia de ex e de vizinha em 'boa vingança'
Em entrevista exclusiva ao Terra, o ator relembrou a trajetória profissional, episódios de homofobia e o apoio que sempre teve da família
Diego Martins começou a carreira artística na televisão com “gay” escrito na testa. Pelo menos, essa é a definição do próprio artista ao lembrar que a sua primeira aparição foi de salto, maquiagem e roupas femininas durante o reality show X Factor Brasil, da Band, em 2016. Anos depois, essa exposição alcançaria ainda mais gente com o sucesso do casal Kelvin e Ramiro, em Terra e Paixão, exibida no horário nobre da Globo em 2023.
- 28 de junho é o Dia do Orgulho LGTBQIA+. Apesar dos avanços, a comunidade ainda luta para ter seus direitos reconhecidos pela sociedade e até pela Justiça.
"Medo eu não senti, acho que sempre fui meio cara de pau e devo isso à minha família. Como nunca tive medo em casa, nunca aprendi a ter medo fora. Levei essa coragem para tudo que eu fazia", comenta. "A gente tem artistas muito conceituados e renomados que lutaram muito, tipo o Ney Matogrosso, mas, naquela época, em 2016, drag queens eram muito da noite".
“Ao aparecer maquiado com 19 anos, sofri muito hate, muito preconceito, muita homofobia, inclusive dentro do programa. Então, foi um passo, mas me preparou. Quando vim fazer a novela, estava sem medo nenhum de fazer um casal LGBT na novela das 21h. Já conhecia crítica, já conhecia hate, já conhecia tudo isso, então nada me assustou”, afirmou.
Por mais que não tenha sofrido preconceito da família, Diego relembra casos de homofobia do então namorado, que não gostou quando soube que o artista iria se apresentar maquiado, com acessórios e roupas extravagantes. "Era tão difícil explicar para ele que ele, sendo gay, estava sendo homofóbico. Era tão difícil e cansativo falar isso. Como iria explicar para cara que me namora e dorme comigo que ele está sendo homofóbico e que não era que eu iria parecer uma bichinha em rede nacional, eu já era uma bichinha e ele também", relembra Diego. Ele terminou o relacionamento na época, mas hoje mantém uma relação de amizade com o ex, que agora já mudou a forma de pensar.
Lidar com a homofobia da sociedade é algo com o que Diego Martins aprendeu cedo. O artista se reconheceu como gay aos 16 anos e teve o primeiro relacionamento amoroso nessa mesma época, quando os pais dele precisam mover um processo por homofobia contra uma vizinha.
"Esse menino ia me visitar em casa e, quando ele ia embora, ia levar ele no portão e a gente sempre dava tchau como qualquer casal faz, com um selinho, um abraço, um afeto. Tinha uma vizinha que passava o dia na janela. Lembro que, nesse dia, ela estava lá como de praxe e dei até oi para ela. No dia seguinte, a gente recebeu uma carta endereçada a meu pai e minha mãe para alertar que o filho deles estava cometendo atos libidinosos na área comum do prédio", recorda.
"Eu era menor de idade e foi uma exposição muito grande. Meu pai e minha mãe viraram leões e falaram que a gente ia para a Justiça, porque queriam entender que ato libidinoso era", completa Diego. Os pais do artista perderam o processo, pois a Justiça não entendeu a situação como um caso de homofobia.
Tanto os pais de Diego quanto a vizinha ainda moram no mesmo prédio, e o ator considera uma boa vingança ele ser abertamente gay e estar na televisão da vizinha.
"A melhor vingança do mundo foi essa. Ela liga a TV no horário das 21h eu tava lá, de tarde eu tava lá, no sábado eu estou lá. A neta dela com certeza me segue. Ela vai assistir a um filme com a neta dela, e eu estou dublando. Essa é a melhor vingança" -- Diego Martins
Uma estrela na TV conservadora
Antes de ter que conviver com a vizinha homofóbica e virar uma celebridade conhecida nacionalmente, Diego Martins passou boa parte da infância em Maceió. No começo da pré-adolescência, foi quando ele mudou com a família para Osasco, na região metropolitana de São Paulo.
O ator fez faculdade de artes cênicas na Universidade Estadual de São Paulo e chamou a atenção de Walcyr Carrasco para interpretar Kelvin, em Terra e Paixão, após vencer o Queen Stars, reality show da HBO, com a performance da sua drag queen, também chamada Diego.
Cerca de uma semana após o teste, o artista já estava se mudando para o Rio de Janeiro para o trabalho que transformaria sua vida. "Foi tudo muito grandioso, muito bonito. O tema, o Kelvin e o Ramiro, a minha parceria com o Amaury, o texto do Walcyr, a direção que a gente teve. Foi tudo muito cuidadoso e resultou no casamento de dois homens no último capítulo de uma novela das 21h, com direitos a muitos beijos", diz Diego.
Entretanto, o ator não vê essa cena se repetindo na televisão, pelo contrário. "Demorou para ter o beijo, mas, depois que teve, a gente conseguiu colocar beijo em tudo quanto é lugar. A gente fazia questão que fosse beijo de língua. Não vai ser técnico, não, vai ter língua, a gente queria que o Brasil inteiro visse a língua desses dois homens que se amam. A gente tinha esse espaço, teve esse casamento e, após essa novela, não vi acontecer de novo".
Bate uma tristeza porque não queria que as pessoas estivessem vendo só meu trabalho como ator, queria que estivessem vendo evolução, as coisas indo para frente. Parece que a gente dá dois passos para frente e dez para trás
Para Diego Martins, o trabalho na novela de Walcyr Carrasco também foi importante pelo fato dele ser um homem abertamente gay interpretando um personagem homossexual. "As representações de homens héteros para homens gays foram muito superficiais, muito no mesmo lugar, sempre só um único tipo de gay. Que representação mais vazia é essa? Tem essa discussão de dar espaço para pessoas que não têm espaço representarem os seus", diz.
O ator ainda vê uma luta para artistas LGBTs conseguirem espaço na TV aberta, por isso muitos preferem não falar da própria sexualidade.
“É uma tristeza, mas entendo quando vejo atores não falando sobre suas verdades. As pessoas evitam falar, às vezes são muito reservadas. E elas não são reservadas porque querem, são reservadas porque sabem que vão perder trabalho, não vão ser cogitadas para papéis”
"Cada um escolhe suas lutas. Eu, desde o início, escolhi passar por isso. Tanto que, após o Kelvin, fiquei esperando que pudesse ter alguma novela para um papel diferente e não veio. E eu fiz um trabalho grande, uma novela grande e fiz muito bem aquele papel", completa.
Vida como drag queen
Após o X Factor, Diego participou do Canta Comigo, da Record, e mais uma vez apostou em um visual ousado mesmo em uma emissora conservadora. Hoje em dia, ele considera que já fazia drag naquela época, mas passou a se dedicar de fato à arte da montação após comprar uma peruca e começar a gravar vídeos para as redes sociais.
Ao contrário do que muitas outras drags fazem, Diego decidiu usar o próprio nome para a persona feminina que incorpora nos palcos. É montado de drag que o artista toca a carreira musical e se prepara para lançar o primeiro álbum, chamando Tanto, no segundo semestre. Mas, se Diego já sofreu preconceito quando se maquiava e usava salto, isso continuou a acontecer após entrar de vez no mundo drag.
"Vejo que rola um desinteresse muito grande por mim quando a pessoa descobre que eu sou drag", diz. Após a fama com a novela, ele vê esse tipo de situação acontecer com menos frequência, pois as pessoas já sabem quem ele é, mas ainda sente que o fato de usar peruca, salto e maquiagem impede alguns flertes.
“A gente não aprendeu a amar. Quando a gente era criança, os beijos eram escondidos, eram atrás de cortinas, todo mundo falando que era errado e não pode. A gente não cresceu com a possibilidade do amor. A gente tem a solidão já na nossa cabeça. Aí tem a solidão da drag também, do cara que tem até medo de falar que faz drag. É uma tristeza”
Não só a vida profissional do artista mudou com o sucesso na TV, como a vida amorosa também passou por transformações. Diego ainda usa aplicativos de relacionamento e não tem medo de ter um nude vazado. "Não tô nem aí. Se a foto estiver boa, falo que é meu. Se estiver ruim, falo que não reconheço", brinca.
Porém, ele tem dificuldade de começar um relacionamento amoroso hoje dia, pois tem uma rotina instável e com muitos compromissos de trabalho, o que dificulta conhecer pessoas novas. "Sou uma pessoa que transa muito menos hoje em dia e transa quase sempre com as mesmas pessoas, porque virou uma coisa confortável. Não uso muito mais aplicativo de fato, já usei muito mais. Depois da novela ficou bem mais difícil."
Parceria com Belo
Para seu primeiro álbum, Diego gravou uma música com Belo, que conheceu quando participou do The Masked Singer, da Globo. A parceria dos dois cantores ainda não foi lançada, mas o pagodeiro convidou a drag queen para cantar com ele em um especial no Altas Horas, e um vídeo desse programa chegou a pessoas que não são da comunidade LGBTQIAPN+.
"Muita gente que não me conhecia veio comentar ‘meu Deus, mais uma drag’. Você vê que está furando a bolha, é gente que não está acostumada com isso. É um perigo porque mexe com a cabeça, mas é legal também, porque faz com que eu leve a minha arte para outras pessoas e outros lugares. É sempre legal sair da minha bolha e da minha zona de conforto, é um treino também para a minha cabeça. Estou sempre acostumado a ser muito elogiado por aquele nicho de pessoas. Aí, furo a bolha e vou receber outros comentários, vou ter que lidar com outras coisas boas e ruins", conta.