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Denise Taynáh Leite, hoje com 75 anos  Foto: Arquivo Pessoal/Denise Taynáh Leite

De transfóbica a ativista: ela decidiu fazer a transição após os 50 anos e sete filhos

Denise Taynáh Leite, de 75 anos, é mulher trans ativista que dedica sua vida à luta pelos direitos LGBTQIA+

Imagem: Arquivo Pessoal/Denise Taynáh Leite
  • Isabella Lima Isabella Lima
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22 jun 2025 - 04h59
(atualizado em 23/6/2025 às 14h08)

Desde os seis anos de idade, Denise Taynáh Leite, hoje com 75, demonstrava fascínio por roupas femininas. Na infância no bairro do Irajá, no Rio de Janeiro, onde morava com a família, sua mãe costureira trabalhava com peças do universo feminino, despertando na criança uma admiração que ainda não compreendia. Esse despertar, no entanto, foi marcado pela violência quando, alguns anos depois, seu pai a agrediu ao perceber sua diferença em relação aos outros meninos. 

Denise é secretária executiva do Conselho Estadual dos Direitos da População LGBT+ do Rio de Janeiro
Denise é secretária executiva do Conselho Estadual dos Direitos da População LGBT+ do Rio de Janeiro
Foto: Arquivo Pessoal

Só após os 50 anos, em um ato de coragem, Denise concretizou a transição de gênero. A história ganha especial relevância com o tema da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo 2025: "Envelhecer LGBT+: Memória, Resistência e Futuro", que acontece neste domingo. O Terra conversou com a ativista carioca, hoje referência no movimento social.

"Entre meus 5 e 6 anos, morávamos em São Cristóvão antes de nos mudarmos para o conjunto habitacional em Irajá", recorda Denise. "Minha mãe, costureira, trabalhava bastante com roupas femininas. Eu me encantava vendo aquelas peças e imaginava como ficariam em meu corpo. Já tinha essa admiração pelo universo feminino, mas na época não entendia direito o significado daqueles sentimentos."

Se entender como mulher

A vida de Denise seguiu adiante, e, como ela mesma relata, foram "muitos anos vivendo seu lado masculino" --jogando futebol, frequentando bailes e carnavais, e tendo sete filhos, cada um com uma mãe diferente. "Vivi muitos anos dentro do armário, mas passava pelas vitrines, via aquelas roupas femininas e ficava olhando", conta.

Por volta dos 50 anos, durante um curso de informática, os alunos tinham direito a uma hora de internet aos sábados. "Um dia, vi um colega em uma sala de bate-papo fingindo ser um idoso para conversar com outra pessoa. Ele disse que era só brincadeira", lembra.

Curiosa, Denise decidiu entrar em um desses grupos. Foi assim que descobriu uma comunidade LGBT,  algo até então novo para ela, e resolveu se cadastrar com um nome feminino, Denise, para não ser identificada. Essa experiência a levou a fazer novas amizades e, mais tarde, a se juntar ao Brazilian Crossdresser Club, um grupo online que organizava encontros presenciais onde os participantes se vestiam com roupas femininas.

No entanto, os looks permaneciam restritos aos momentos dos encontros. Essa fase evoluiu quando Denise descobriu o Turma OK, histórico clube LGBT+ considerado o mais antigo ainda em atividade, onde começou a se apresentar profissionalmente, homenageando artistas como Zezé Motta e Elza Soares. "Me senti incrivelmente acolhida. Era um espaço onde todos podiam se expressar livremente durante as apresentações, retomando depois suas rotinas cotidianas", relembra.

Apesar desse importante passo, Denise ainda mantinha sua identidade feminina confinada ao ambiente artístico. A virada decisiva só ocorreria no final de 2008, quando finalmente deu início ao seu processo de transição de gênero.

O medo da transição

A decisão definitiva pela transição surgiu quando Denise foi convidada para uma campanha contra a dengue que exigia participação em uma capacitação diurna. "O desafio era que eu teria de ir como Denise durante o dia, algo que nunca havia feito antes. Sempre me apresentava à noite no clube, me arrumava, fazia o show e depois voltava para minhas roupas habituais. Aquela foi uma experiência de adrenalina pura", relata.

Naquele dia histórico em sua trajetória, Denise descreve ter hesitado repetidamente antes de sair de casa.

"Coloquei a mão na maçaneta várias vezes, recuei, olhei pela varanda para conferir o movimento na rua. Tudo por medo de como seria ser vista publicamente como realmente me entendia: uma mulher" ---- Denise Taynáh Leite

"Minha rua é extremamente movimentada, tem o IBGE, o Tribunal Regional do Trabalho... Num momento de coragem, pensei: 'É isso que você quer? Então vá!'. Fui mesmo com medo de não conseguir. O momento mais marcante foi quando, tentando acender um cigarro em frente a um prédio, uma moça me ofereceu ajuda dizendo: 'Pera aí, querida, deixa eu te ajudar'. Aquele 'querida' foi tudo para mim. Saí dali saltitante, ela me reconheceu como uma mulher", emociona-se, ao recordar.

Durante o processo de transição, Denise descreve a experiência como muito gratificante e acredita que tenha ocorrido no momento certo. Embora já tenha questionado por que não tenha feito a transição mais jovem, ela compreende que as circunstâncias de seu passado eram diferentes. Seu pai, como relata, era machista, controlador e chegava a proibir até mesmo sua mãe de usar calça jeans, por considerar que era "roupa de homem".

"Quando eu tinha cerca de nove anos, meu pai achou que eu tinha desmunhecado [agir de forma afeminada]. Como era carpinteiro, mandou que eu colocasse a mão sobre uma superfície e deu uma martelada no meu dedo. Passei anos fazendo fisioterapia por causa disso" 

Denise explica que o processo de assumir publicamente sua identidade como mulher foi gradual, devido ao medo inicial das reações alheias. No entanto, surpreendeu-se com o amplo acolhimento que recebeu de toda a família --apoio que considera fundamental em sua jornada.

Ativismo e preconceito

Atualmente secretária executiva do Conselho Estadual dos Direitos da População LGBT+ do Rio de Janeiro, vinculado à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, Denise tornou-se ativista após ingressar no clube Turma OK, onde conheceu diversos militantes da causa. Também participou da ASTRA-Rio (Associação de Travestis e Transexuais do Rio de Janeiro), consolidando sua trajetória na defesa dos direitos trans.

Apesar do apoio recebido de familiares e amigos, Denise já enfrentou diversas situações de preconceito: desde ser chamada pelo pronome masculino em espaços públicos até ser seguida por seguranças ao entrar em lojas. "Certa vez, fui fazer exames e a atendente insistia em chamar por Celso [seu nome de registro quando criança]. Só respondi quando usou meu nome social, Denise. Em outra ocasião, um vendedor gay me tratou por 'senhor', deixei claro que aquilo era discriminação", relata.

"Meu eu de anos atrás era transfóbico, porque reprimia Denise. Mas eu me libertei dele. Nós, pessoas trans, passamos por um processo de aceitação complexo até nos descobrirmos. Quando comprei minha primeira saia e meias, foi deslumbrante. Hoje me considero uma mulher não biológica e fiz minha cirurgia de redesignação há dois anos"

Denise alerta para os desafios da população trans no Brasil: "Vivemos no País que mais mata pessoas trans no mundo. Ainda ouvimos 'olha lá o traveco' nas ruas. Faltam políticas públicas efetivas de acolhimento, capacitação e oportunidades para nossa comunidade."

A poucos dias de completar 76 anos, ela afirma viver seu melhor momento: "Penso muito nos idosos como eu e nos jovens que, como eu no passado, precisam de orientação. Poder ajudá-los através do meu trabalho na Secretaria me realiza e me faz feliz. Acredito que vamos conquistar cada vez mais espaço."

Fonte: Redação Terra
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