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Aceleramos o Hyundai que usa hidrogênio feito do etanol

Primeiro posto de hidrogênio com base no etanol no mundo fica na USP faz 100 kg/dia do combustível que pode ser a chave da descarbonização

13 ago 2025 - 12h15
(atualizado às 17h06)
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Parece coisa de filme. Num futuro não tão distante, você poderá abastecer o carro com hidrogênio em poucos minutos em um posto de combustível tal como conhecemos.

Para ser mais preciso, levará 5 minutos para encher os cilindros com o gás H2. O veículo funciona por bateria elétrica (sem ser enorme), "filtra" o ar ao redor e emite vapor d'água pelo escape.

Ficção?

Agora o ponto alto da tecnologia: o hidrogênio será produzido nos próprios postos de abastecimento a partir do etanol de segunda geração, mais eficiente e feito dos restos da cana-de-açúcar, aproveitando o bagaço e até as raízes da planta.

Ou seja, um etanol renovável, sustentável, mais limpo e já disponível hoje, com infraestrutura de produção, transporte e distribuição.

Nexo é um dos dois carros que usam o hidrogênio feito de etanol da USP
Nexo é um dos dois carros que usam o hidrogênio feito de etanol da USP
Foto: Diogo de Oliveira/Estadão / Estadão

Visitamos o campus da Universidade de São Paulo (USP) para conhecer o Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI, na sigla em inglês).

Conversamos com o professor Julio Meneghini, diretor científico do laboratório, para entender em que pé está o estudo que pode conduzir o Brasil à liderança na transição da matriz energética dos veículos.

Universidade de São Paulo inaugurou em fevereiro de 2025 a primeira estação do mundo que produz hidrogênio a partir da reforma a vapor do etanol da cana
Universidade de São Paulo inaugurou em fevereiro de 2025 a primeira estação do mundo que produz hidrogênio a partir da reforma a vapor do etanol da cana
Foto: Diogo de Oliveira/Estadão / Estadão

Como funciona a estação de hidrogênio da USP

A primeira estação de produção de hidrogênio a partir do etanol no mundo foi inaugurada em fevereiro deste ano com um investimento de R$ 50 milhões.

Funciona assim: um grande reformador faz a conversão do etanol em gás hidrogênio, e uma "bomba" (dispenser) abastece os veículos que participam do projeto. São três coletivos municipais que circulam na Cidade Universitária, um Toyota Mirai e um Hyundai Nexo, que aceleramos.

A planta-piloto produz 100 kg de hidrogênio a partir do etanol utilizando o processo de reforma a vapor. O combustível derivado da cana-de-açúcar reage com a água em altas temperaturas (cerca de 750°C) a partir de um catalisador.

O processo quebra as moléculas do etanol e libera o gás H2 e outras substâncias, como dióxido de carbono (CO2), que, neste caso, é biogênico, ou seja, tem a emissão compensada no próprio ciclo de cultivo da cana.

Professor Julio Meneghini é diretor científico do Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) da Universidade de São Paulo (USP)
Professor Julio Meneghini é diretor científico do Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) da Universidade de São Paulo (USP)
Foto: USP/Divulgação / Estadão

Entretanto, o processo químico não é o único foco do estudo no RCGI, mas a viabilização econômica da produção e oferta em larga escala desse hidrogênio.

A proposta da pesquisa liderada por Meneghini é desenvolver um reformador mais compacto, que possa funcionar nos postos de combustíveis aproveitando a infraestrutura de abastecimento já disponível no País e, assim, eliminar os altos custos para transporte e armazenamento de H2.

"Por produzi-lo no próprio local onde se abastece o carro, isso resolve uma parte crucial relacionada à logística, pois não vai precisar transportar o hidrogênio pressurizado em caminhões-tanque, o que encarece muito o custo. Ou seja, transporta-se o etanol e produz o hidrogênio onde vai ser consumido", resume Meneghini.

Dispenser de abastecimento de hidrogênio é quase como um plugue de gás natural
Dispenser de abastecimento de hidrogênio é quase como um plugue de gás natural
Foto: Diogo de Oliveira/Estadão / Estadão

Quais as vantagens do hidrogênio feito de etanol?

Do ponto de vista prático, o uso do hidrogênio como combustível nos veículos tem desafios de logística e de custo. O transporte do gás é caríssimo e ainda não há uma tecnologia no mercado que torne a sua produção viável em larga escala.

Entretanto, os primeiros resultados da pesquisa na USP mostram que é possível oferecer um hidrogênio acessível e de fonte sustentável.

"Números preliminares mostram que vai ser competitivo. E será ainda melhor, porque o processo de produção se tornará mais eficiente. A estação de produção será mais compacta e vai diminuir o custo. Isso faz parte do desenvolvimento tecnológico. Não se trata de provar cientificamente que o processo é viável [a partir do etanol], mas que é comercialmente factível. Ainda há uma série de questões. Por exemplo, não pode usar metais raros, como platina e ouro, que são excelentes catalisadores, mas jogam o custo para cima. Tem que otimizar o processo do ponto de vista técnico e da exequibilidade financeira", detalha Meneghini.

Bocal de abastecimento do Hyundai Nexo tem um bico para receber o hidrogênio pressurizado
Bocal de abastecimento do Hyundai Nexo tem um bico para receber o hidrogênio pressurizado
Foto: Diogo de Oliveira/Estadão / Estadão

Segundo o chefe do RCGI, atualmente mais de 90% do hidrogênio produzido no mundo é feito de gás natural (H2 "cinza") ou de carvão (H2 "negro"). Ambas são fontes de energia com maior pegada de carbono.

"O carro pode ter emissão zero, emitir vapor d'água pelo escape, mas, se pegar todo o processo, a pegada de emissões é maior. O carro puramente elétrico alimentado na matriz elétrica brasileira, que é 90% sustentável, ainda não bate o carro flex híbrido. O hidrogênio feito do etanol vai ter ao longo da vida útil uma pegada menor que o do flex híbrido", pontua.

Aliás, o professor da USP explica que o hidrogênio feito de etanol não é o chamado "hidrogênio verde". Na graduação de cores, seria o "musgo". Porém, é um combustível sustentável e de baixa intensidade de carbono na produção.

"Ipsis litteris, seguindo a nomenclatura, o 'verde' significa que ele é obtido a partir de energia eólica ou solar [por meio de eletrólise]. O H2 feito de biomassa, como etanol ou biometano (que é utilizado pela Hyundai na Coreia do Sul em uma planta que produz 500 kg de H2 por dia), nós chamamos de sustentável", explica o cientista da USP.

Sistema de célula de combustível (FCEV) gera a eletricidade que alimenta o motor do carro
Sistema de célula de combustível (FCEV) gera a eletricidade que alimenta o motor do carro
Foto: Diogo de Oliveira/Estadão / Estadão

Como é acelerar um carro a hidrogênio?

Dirigir um carro a hidrogênio pode parecer algo fora da realidade, mas, na prática, é uma experiência bem próxima (ou quase igual) à de se estar ao volante de um veículo elétrico a bateria (BEV).

Nos dois casos, temos um motor a eletricidade que traciona as rodas e proporciona rodar silencioso, com a entrega imediata de torque, o que se traduz em acelerações rápidas.

A grande diferença entre um elétrico puro e um carro a hidrogênio, tal como o Hyundai Nexo, é que o primeiro traz uma bateria enorme acoplada ao assoalho, enquanto o segundo traz cilindros de H2.

Com o gás, gera a eletricidade a partir do sistema de célula de combustível, sem o ônus de ter uma bateria pesada e demanda horas para recarregar - o abastecimento de H2 é feito em minutos.

Reestilização deixou o painel do Hyundai Nexo mais moderno, com duas grandes telas no topo
Reestilização deixou o painel do Hyundai Nexo mais moderno, com duas grandes telas no topo
Foto: Diogo de Oliveira/Estadão / Estadão

Feito na Coreia do Sul e lançado em 2018, o Hyundai Nexo é, portanto, um carro elétrico que não precisa de recarga. Nele, o hidrogênio é combinado ao oxigênio do ar na célula de combustível, que gera a eletricidade que alimenta o motor. Para que esse ar chegue limpo, o sistema filtra a maior parte das micropartículas, como poeira, pólen e outros impurezas.

Esta eletricidade, por sua vez, alimenta o motor elétrico, que traciona as rodas. Não há combustão, nem emissão de poluentes. Pelo escapamento, sai água.

Segundo a Hyundai, o motor do Nexo tem 163 cv de potência e um torque máximo de 40,18 kgfm. A entrega é instantânea, ou seja, responde prontamente ao acelerador. A aceleração de 0-100 km/h leva 9,2 segundos, com velocidade máxima de 176 km/h.

Com os cilindros de H2 cheios do gás, Hyundai Nexo tem autonomia para até 660 km
Com os cilindros de H2 cheios do gás, Hyundai Nexo tem autonomia para até 660 km
Foto: Diogo de Oliveira/Estadão / Estadão

O tanque de combustível - neste caso, os cilindros de H2, ficam instalados na traseira e têm capacidade para armazenar 6 kg do gás. A autonomia chega a 660 km, conforme o ciclo europeu WLTP - é mais que a maioria dos elétricos puros com a carga completa. Para abastecer, bastam cerca de 5 minutos.

Cilindros de hidrogênio ficam instalados sob o assoalho na traseira do Hyundai Nexo
Cilindros de hidrogênio ficam instalados sob o assoalho na traseira do Hyundai Nexo
Foto: Diogo de Oliveira/Estadão / Estadão

Ao volante, o Hyundai Nexo é moderno e lembra a linha de elétricos Ioniq, já à venda no Brasil. O crossover tem duas telas Full HD unidas no topo do painel e muitos botões físicos na parte central e no console.

A cabine é bem construída, com materiais agradáveis e que transmitem alta qualidade, mas sem luxo - afinal, o modelo preza pela sustentabilidade. O espaço a bordo é bem amplo.

Em movimento, o carro a hidrogênio da Hyundai mostra diferença principalmente em relação ao peso e ao centro de gravidade. Como não há um grande pacote de bateria instalado no assoalho, o Nexo apresenta um rodar mais leve e maleável, sem um lastro na parte inferir. Isso é sentido principalmente em curvas. A direção, por sinal, é leve e direta. De resto, lembra o elétrico Ioniq 5.

Hyundai Nexo utiliza um sistema de célula de combustível que combina o hidrogênio (H2) com o oxigênio do ar para gerar eletricidade
Hyundai Nexo utiliza um sistema de célula de combustível que combina o hidrogênio (H2) com o oxigênio do ar para gerar eletricidade
Foto: Hyundai/Divulgação / Estadão

Hyundai aposta alto no hidrogênio

Atualmente, a Hyundai é a montadora que mais investe em veículos a hidrogênio no mundo. A sul-coreana começou a desenvolver a célula de combustível em 1998.

O plano da empresa é ser neutra em carbono até 2045. Para isso, investe não só na produção de veículos, o que incluí bondes, embarcações, ônibus e caminhões, mas também no próprio combustível, com geradores de energia.

Por tudo isso, a Hyundai aposta alto na reforma do etanol como solução para o Brasil e a região da América do Sul.

Além da produção sustentável e da cadeia de distribuição de etanol já estabelecida, a pesquisa no Brasil se tornou foco por oferecer a possibilidade de reformar o etanol diretamente nos postos, o que será revolucionário caso o projeto se torne realidade.

Hyundai também testa no exterior o caminhão Xcient Fuel Cell a hidrogênio
Hyundai também testa no exterior o caminhão Xcient Fuel Cell a hidrogênio
Foto: Hyundai/Divulgação / Estadão

Além da sul-coreana, participam do projeto do hidrogênio feito de etanol as empresas Shell Brasil, Raízen, Hytron (agora parte do Grupo Neuman & Esser), Senai CETIQT e a própria USP, por meio do RCGI, além da Toyota, Marcopolo e da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU).

"O que estamos produzindo aqui é mais do que uma escala laboratorial. É o que chamamos de escala piloto, de demonstração. Produzir 100 kg por dia é muito hidrogênio. Daria para abastecer diariamente quatro ônibus e quatro carros. O tanque de um carro tem, em média, 5 kg", finaliza o professor Meneghini.

Estadão
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