Irreverente eco
dos Palmares


por Gilson Oliveira

Uma das vencedoras do Sharp 99, cantora tempera com malícia um ritmo cujas origens remontam ao mais famoso quilombo brasileiro.


Dona de uma irônica e contagiante risada, Selma do Coco começou a sentir um gostinho de fama há cerca de três anos, QUANDO LANÇOU A MÚSICA "A ROLINHA", que se transformou em surpreendente sucesso, sendo muito cantada até no Carnaval de 97 e regravada por vários artistas e grupos.

Mas o registro que alcançou repercussão nacional, abrindo espaços em programas como Jô Soares Onze e Meia e Domingão do Faustão, foi feito pela própria Selma, que, por ser mulher e, principalmente, idosa, deixou muita gente boquiaberta com os versos da música: "Oi pega, pega, pega, / pega, pega a minha rola".

Uma das ganhadoras do Prêmio Sharp 99, com música "Minha História", Selma do Coco é hoje a mais conhecida representante de uma vertente meio satírica, meio maliciosa, de UM RITMO CUJAS ORIGENS REMONTAM AO QUILOMBO DOS PALMARES, NO SÉCULO XVII.

Naquela época, ao saírem para apanhar os frutos dos coqueiros, os negros reuniam-se em grupos na hora de quebrá-los - colocando-os sobre uma pedra e batendo neles com outra – e terminaram criando o que se poderia chamar de um dos primeiros "naipes" de percussão do Brasil. E como a música estava na alma e no corpo dos africanos e descendentes, sempre havia durante os "cocos" pessoas dispostas a dançar. O resultado é que o trabalho sempre terminava em festa. Nas senzalas, o ritmo, antes marcado pelas batidas das pedras nos cocos, passou a ser assinalado por palmas.

Nascida em Vitória de Santo Antão, a cerca de 60 quilômetros do Recife, Selma Ferreira da Silva começou a dançar e cantar coco ainda criança, seguindo uma tradição familiar iniciada há gerações e gerações. "Eu ia junto com meus pais e meus avós dançar o coco em lugares às vezes distantes de casa. Mas valia a pena, porque todo mundo gostava muito", diz ela, assumindo um ar brincalhão ao lembrar que a festa normalmente acontecia em frente a "uma casa velha coberta e palha de coqueiro e toda arrudiada de candeeiro de pavio".

Atualmente com 64 anos e vibrando com o sucesso que vem experimentando o Coco de Roda – assim chamado porque os pares de dançarinos formam um círculo -, Dona Selma do Coco, no entanto, já "ralou" muito, como diz uma gíria atual significando que a pessoa enfrentou dificuldades. No caso dela, a palavra ralar tem um sentido literal, porque ralou muito coco para produzir as tapiocas que, durante anos, vendeu no Alto da Sé, no Varadouro, na Ribeira e noutros pontos de Olinda, cidade onde reside desde 1958.


Nesse locais, Selma procurava "vender" um outro produto cujo nome também está associado à tapioca: o coco, mas precisamente, o Coco de Roda. O interessante é que, sem que a própria cantora suspeitasse, um dia ela iria servir o produto "a domicílio" àquelas pessoas que constituíam o seu principal público: os turistas que visitavam Olinda.

O fato é que a artista - cujo conjunto formado por filhos e netos mostra que o coco é um verdadeiro e eterno membro da família - há pouco tempo fez extensa excursão por palcos internacionais, se apresentando na Suíça, Portugal, França e Alemanha. Nesse último país participou, a convite do Instituto Cultural de Berlim, do disco "Herdeiros da Noite", dividindo o CD com grupos africanos e de outros países. Foi também na Alemanha, no studio Ufa Fabrik (por onde já andou o Maracatu Nação Pernambuco), que ela mixou e prensou mil exemplares do seu último disco, Cultura Viva.

Praticamente emendando a cheia agenda junina com a apresentações em Brasília, onde realiza uma série de shows nessa primeira quinzena de julho, Selma do Coco já está se preparando para, ao chegar, iniciar um nova "viagem": a gravação do seu quinto disco. Ainda sem nome, o CD será gravado no Recife. Mas, EMBALADA PELA CONQUISTA DO SHARP, ELA ESTÁ PLANEJANDO VOLTAR A VENDER SEU PRODUTO A ALEMÃES E POVOS DE OUTROS PAÍSES. SÓ QUE, AO CONTRÁRIO DO QUE ACONTECIA EM OLINDA, ELA MESMA É QUE SERÁ A "TURISTA".