O futuro é plano
Nunca um lançamento da Apple foi precedido por tanto hype, especulações e boatos quanto o novo iMac, apresentado em 7 de janeiro, na abertura da Macworld de San Francisco. Grande parte do barulho foi criada pela própria Apple, em sua home page. A cada dia, uma frase de efeito deixava os macmaníacos mais ansiosos para saber o que o tio Steve iria tirar da cartola. Depois da má impressão das poucas novidades da Macworld de Nova York, em julho, era natural que todos esperassem produtos estonteantes desta vez.
É bom não esquecer que Jobs, além de gênio dos negócios e do Mal, é antes de tudo um gênio do marketing. Resolveu dar uma pilha no tradicional buxixo que acontece antes de cada Macworld e até adiantou seu keynote speech (discurso de abertura) em um dia para poder ser capa da revista Time no mesmo dia (quase vendo seu feitiço virar contra o feiticeiro).
A grande pergunta é: será que vale a pena atiçar a curiosidade da mídia, cutucar os sites de boatos com vara curta e estimular tanto a imaginação dos usuários antes de lançar um produto? Isso não é correr um risco muito grande de ver um lançamento revolucionário ser recebido com comentários do tipo "Ah, mas é SÓ um G4 minúsculo com tela plana que grava DVDs e três vezes mais barato do que o modelo do ano passado"?
O fato é que a Apple decidiu correr o risco, e quem não botou muita fé nos boatos que precederam o evento não acreditou no que viu. Sim, um iMac de tela plana não é nada "muito além dos sites de boatos": pelo contrário. Todo mundo já previa que esse era o caminho natural a ser seguido pela Apple. Afinal, há mais de um ano ela vem pregando a morte do monitor de garrafão de vidro. Só que ninguém conhecia a capacidade dos designers da Apple em criar algo tão diferente. Ninguém - repito, ninguém - jamais imaginou um computador com a forma e funcionalidade do novo iMac.
Simples e natural
Não, ele não se chama "iMac Flat Screen", "iMac G4" nem "iMac II". Seguindo as diretrizes da Era Jobs, o nome é simplesmente iMac, e o anterior passou a ser "o velho iMac".
Não é preciso chegar perto para perceber que ele é um prodígio do design, da engenharia e da absorção de custos. Reza a lenda (ou melhor, o marketing) que ele foi concebido por Jobs e seu designer-chefe, Jonathan Ive, em um passeio pela horta da mulher de Steve, onde eles cultivam suas refeições vegetarianas. Ive vinha tentando criar um iMac com um monitor LCD gordinho, unindo a CPU à tela plana numa peça só. Steve não ficou contente.
O design era óbvio, mas não suficientemente óbvio. Eles decidiram que cada componente deveria seguir sua vocação natural. O drive óptico deveria permanecer horizontal, para não comprometer o seu desempenho. A CPU ficaria na base, com seu peso dando equilíbrio ao conjunto. A tela permaneceria livre, fina e flutuante, e ligada à base por um braço móvel articulado para aproveitar toda a sua nova liberdade. Estava criado o "computador-girassol", ou melhor, o "computador-luminária".
A Apple conseguiu radicalizar sua idéia de computador pessoal: economia de espaço, ergonomia, facilidade de uso e cara de objeto de decoração ou eletrodoméstico futurista. Tudo isso junto.
Esse iMac pede para ser tocado e usado. Ergonomicamente falando, não há nada mais próximo do natural do que sua tela móvel com um "pescoço" capaz de se movimentar 180 graus para os lados e 90 graus na vertical. Ela pode ser colocada quase acima do teclado, mais perto dos olhos, e acaba com o velho problema da tela muito baixa ou muito alta que causa problemas na coluna. O LCD é de excelente qualidade, permitindo um ângulo de visualização de 120 graus na horizontal.
O hemisfério branco com a maçã cromada na frente (apelidado por aqui de "pão de batata") lembra uma base AirPort e ocupa pouco espaço em cima da mesa: 27 cm de diâmetro de área ocupada, menor até que a de um PowerBook. A fonte de força está embutida na base - um salto de concepção em relação ao Cubo, que precisava de uma fonte-tijolo extra que destruía a magia do design compacto. O teclado e o mouse óptico agora são brancos para combinar.
Segundo Jobs, foram dois anos de pesquisa para se chegar ao formato do novo iMac. Com ele, a Apple volta a ficar a anos-luz do resto da indústria de informática. De uma hora para outra, todos os PCs do mercado (incluindo o iMac roxinho que tenho aqui na minha frente) viraram, literalmente, coisa do século passado.
Mas não é só no design que o novo iMac é diferente e interessante. Por dentro, um processador G4 de 700 ou 800 MHz (dependendo da configuração escolhida) leva potência para o usuário doméstico, antes preso aos processadores G3. O chip acelerador de vídeo GeForce2 não é a última palavra em tecnologia gráfica, mas coloca o iMac em pé de igualdade com os consoles de jogos do momento. Com essa configuração, o desempenho do iMac ficou bem próximo ao dos modelos profissionais, mas não chega a empatar. Um Power Mac G4 de mesa com o mesmo clock ainda fica 10 a 20% mais rápido, pois o iMac não possui o backside cache de 2 MB e o bus (barramento) é de 100 MHz em vez de 133 MHz.
O único verdadeiro ponto negativo é o uso da memória RAM padrão SO-DIMM (a mesma do iBook, do PowerBook Titanium e dos primeiros iMacs) em vez da PC-133, muito mais barata, utilizada nos iMacs da geração passada. Ele também tem um slot para a memória PC-133, mas não é facilmente acessível e já vem preenchido por um pente de 128 MB ou 256 MB, dependendo do modelo. Ou seja, se você pretende levar seu iMac ao limite de 1 GB de RAM alardeado por Jobs, vai ter que levá-lo a uma assistência técnica para que troquem o pente de memória original.
Jobs confundiu um pouco a platéia ao afirmar que o novo iMac possuía cinco portas USB. Na verdade, isso só acontece se você contar as do teclado. Ou seja, após plugar mouse e teclado, sobram três portas livres (duas na base, uma no teclado). Há também uma saída de vídeo SVGA idêntica à encontrada nos novos iBooks (mas só para espelhamento).
O que realmente liga é o SuperDrive (o gravador e leitor de CDs e DVDs), disponível no modelo topo de linha. Finalmente a autoria de DVD chega ao usuário comum. Agora, mais de um ano depois de seu lançamento, o iDVD começa a fazer sentido. O SuperDrive é o drive dos sonhos de qualquer macmaníaco, não só pela capacidade de criar filminhos que passeam em qualquer DVD player, mas também por gravar becapes em disquinhos de 4,5 gigas. Não é à toa que o modelo com SuperDrive foi o primeiro a chegar ao mercado, no final de janeiro (aportando no Brasil provavelmente em março). Existem duas outras configurações (uma com drive Combo e outra com CD-RW), que serão lançadas respectivamente em fevereiro e março. Até lá, o iMac antigo ainda será vendido.
A vida digital como ela é
Steve Jobs voltou a falar da estratégia do "Hub Digital", apresentada pela primeira vez na Macworld de San Francisco do ano passado (quando foram lançados iTunes, iDVD e iMovie 2). Considerado "o futuro do computador pessoal" pela Apple, o Hub Digital foi explicado como sendo composto de quatro áreas: áudio (iTunes), vídeo (iMovie), DVD (iDVD) e fotografia digital. Essa foi a deixa para apresentar o iPhoto, um programa para importar, editar, catalogar, imprimir e compartilhar fotos digitais. Quem tem uma câmera digital e o Mac OS X deve ir imediatamente ao site da Apple e baixar o iPhoto. É de graça e, de longe, a maneira mais fácil de organizar as centenas de fotos que você provavelmente possui em seu HD.
O iPhoto segue uma metáfora que Steve chamou de "caixa de sapatos digital": cada descarga da câmera vira um "rolo de filme virtual". As fotos são baixadas automaticamente ao plugar a câmera e colocadas em uma biblioteca (library), onde são representadas por ícones cujo tamanho é ajustável em tempo real na janela de visualização. Você associa palavras-chaves às fotos (família, viagens, amigos etc.) para depois poder selecioná-las por assunto. É possível também criar álbuns, semelhantes às playlists do iTunes, ou criar livros com várias fotos e textos compostos em páginas para impressão posterior.
O iPhoto traz também ferramentas básicas de correção de imagem, como rotação, crop (corte) e redução de olhos vermelhos. Para um tratamento mais sofisticado, você pode escolher um programa de edição de imagens como "auxiliar". Um grande momento da demonstração foi quando Steve comentou que não tinha "Photoshop para OS X" para editar as fotos, fazendo a platéia vir abaixo.
Mas o grande lance do iPhoto é sua capacidade de compartilhar fotos de três maneiras:
Slide Show: com um clique, você mostra um dos seus álbuns na tela do Mac, com suaves transições e a trilha sonora de sua preferência.
Álbum na Web: Mais um clique: boom! Suas fotos são carregadas diretamente para uma página pessoal na Web, via iTools (ferramentas de Internet grátis da Apple).
Livros e fotos impressas: Com alguns cliques e algumas tecladas, você cria álbuns que podem ser enviados a um serviço via correio da Kodak que "revela" suas fotos em papel fotográfico, podendo montar um livro de capa dura com elas. Infelizmente, esse serviço só está disponível para entrega nos EUA e Canadá.
O iPhoto também é utilizado pela Apple para demonstrar as capacidades de integração de seus programas com o AppleScript. Na página iPhoto Scripts (www.apple.com/applescript/iphoto) há scripts que acrescentam funções como criar cartões virtuais com fotos e músicas ou colocar fotos como papel de parede (fundo de tela).
Embora seja intuitivo e muito útil, o iPhoto é nitidamente um "produto 1.0". Detectamos algumas limitações em poucos dias de uso:
Falta um ajuste de brilho e contraste para consertar fotos muito escuras ou muito claras.
O número de imagens na library é limitado. Segundo a documentação, cabem alguns milhares de fotos, de acordo com a RAM disponível. Isso é muito pouco em se tratando de fotografia digital e não há como criar uma segunda library.
Não há como escolher onde a library vai ser armazenada.
Não há como mover ou alterar o tamanho das fotos em um livro.
Diferentemente do iTunes, se você importa fotos já existentes ele faz uma cópia em vez de guardar um alias dela na library.
Ou seja, há muito o que melhorar. Mas isso não quer dizer que a versão atual não cumpre seu objetivo de tornar mais agradável o hobby da fotografia digital. Muito pelo contrário. Não existe nada parecido com o iPhoto. Ele é uma ótima desculpa para você comprar uma câmera digital, se você tem um Mac, ou comprar um Mac se você tem uma câmera digital.
iBook tamanho família
Steve Jobs passou como um rolo compressor sobre o anúncio da nova linha de iBooks, que trouxe uma bela novidade, não prevista por nenhum site de boatos: um modelo maior, com tela de 14 polegadas e drive Combo (que grava CD e lê DVD). Para dar um pouco mais de motivação para as pessoas adquirem o iBook, a Apple abaixou em US$ 100 o preço do modelo básico (que passa a custar US$ 1.199). O modelo com tela de 14" chega com preço de US$ 1.799. Junto com as mudanças recentes na linha de PowerBooks (cujos modelos de 550 e 667 MHz vêm agora com drive Combo), a Apple demonstrou que não pretende deixar cair a peteca da relação custo/benefício dos portáteis. As duas linhas vêm recebendo updates trimestrais com melhorias de capacidade e velocidade. A grande pergunta agora é quando irá sair o primeiro portátil com SuperDrive.
Um bom começo
Nem só de iMac foi feita a Macworld de San Francisco. Steve Jobs começou divulgando várias estatísticas para provar o crescimento da plataforma. O iPod, que não é um Mac mas ajuda a vender Macs, foi um sucesso: vendeu-se 125 mil deles em pouco mais de um mês. A Apple abriu 27 lojas de varejo nos EUA, com uma visitação de 800 mil pessoas somente no mês de dezembro; esta Macworld teve 80 mil pessoas cadastradas para os três dias. 40% das pessoas que compraram nas lojas Apple não eram usuários de Mac. Outro número impressionante foi a venda de 36 mil iBooks para o governo do Estado do Maine, nos EUA - a maior venda até hoje de computadores para o mercado educacional.
A apresentação de Jobs também originou um número mastodôntico: mais de 160 mil pessoas assistiram à sua transmissão pela Internet via QuickTime Streaming - um novo recorde para transmissões ao vivo pela rede.
Sobre o Mac OS X, Jobs não adiantou nada sobre qualquer novo update. Preferiu falar sobre a quantidade de programas lançados para o sistema (são quase 2.500) e chamou para o palco vários desenvolvedores. Shantanu Narayen, vice-presidente executivo da Adobe, falou do lançamento oficial do After Effects e do GoLive e fez uma rápida demonstração do Photoshop 7 para o OS X, mas sem revelar o principal: quando ele chegará ao mercado.
E para provar que a transição para o Mac OS X está chegando ao final, Jobs anunciou que a partir de agora todo Mac fabricado vai "bootar" diretamente pelo OS X e não mais pelo 9. Isso ainda não quer dizer que o sistema antigo foi abandonado (o Mac OS 9.2 vem instalado também), mas é um aviso: daqui pra frente, só o OS X importa.
Descontado o hype, os lançamentos da Macworld foram bem consistentes. A estratégia do hub digital "pegou no breu". O novo iMac traz para o consumidor doméstico grandes vantagens comparativas, que colocam o iMac em uma categoria bem diferente do da concorrência Wintel.
Heinar Maracy
Achou o novo iMac lindo, maravilhoso e revolucionário, mesmo com cara de pão de batata.
Colaborou Sérgio Miranda
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