
Elza
Monerat, 86 anos
A
Velha comunista de guerra
A
militante escalou um morro no Rio só para escrever o nome de Stálin,
usou codinome na Guerrilha do Araguaia e ficou contra Luís Carlos
Prestes no racha do PCB
Luís
Edmundo Araújo
Leandro
Pimentel |
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Na
Guerrilha do Araguaia, Elza Monerat usou codinomes de Velha
e Dona Maria. Ela é uma das integrantes mais antigas do PC
do B
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Foi
através do jornal, que o pai fazendeiro assinava, que a menina Elza
de Lima Monerat inteirava-se dos acontecimentos. Dentre eles, a
saga da Coluna Prestes, a Revolta do Forte de Copacabana e a Revolta
Constitucionalista de São Paulo. Interessado em saber o preço do
quilo do café, Luiz de Deus Monerat recebia diariamente um exemplar
de O Jornal, dos Diários Associados de Assis Chateaubriand.
As notícias chegavam com dois dias de atraso em Sapucaia, no interior
do Estado do Rio de Janeiro. Mas eram suficientes para levar as
primeiras informações da história do País a Elza. Hoje, aos 86 anos,
solteira, ela é uma das integrantes mais antigas e membro do Comitê
Central do Partido Comunista do Brasil (PC do B). Elza relembra,
com orgulho, da sua participação na Guerrilha do Araguaia, durante
a ditadura militar. A militância continua sendo sua vida.
A atividade
política de Elza começou antes mesmo de seu ingresso no Partido
Comunista. Em 1936, o presidente da República, Getúlio Vargas, ainda
não havia se definido em relação ao apoio aos aliados na Segunda
Guerra Mundial. Os rumores de que o mandatário da Nação simpatizava
com os fascistas e nazistas foram suficientes para desencadear movimentos
por todo o Rio de Janeiro, a capital federal naquela época. “Nos
reuníamos no Largo da Carioca e fazíamos fogueiras com carvão”,
relembra Elza, que trabalhava como funcionária do Instituto de Aposentados
e Pensionistas da Indústria (IAPI). “Naquele tempo, o carvão era
barato. A gente levava de casa. Fazíamos manifestações diárias contra
o nazismo.”
Um
ano antes, ela colocara em prática seu aprendizado de montanhismo
na Serra dos Órgãos, Região Serrana do Rio, para fazer política.
Munida de uma lata de tinta branca, a militante escalou a parte
menor do Morro Dois Irmãos, um dos mais conhecidos da Zona Sul carioca,
e escreveu o nome do Josef Stálin – líder da então União Soviética
– no topo, num ato inimaginável para as moças da época. Toda a aventura
foi realizada durante a noite. Precavida, tratou de levar na bolsa
uma saia. “Precisei trocar a calça comprida por uma saia na descida
do morro”, conta. “Nenhuma mulher usava calça naquele tempo. Se
me vissem daquele jeito, iriam saber que eu tinha subido o morro.”
Em
1945, Elza filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). A agremiação
acabava de sair da clandestinidade. A legalidade durou somente dois
anos, até que Dutra voltasse a decretar a prisão dos líderes comunistas.
Apesar das dificuldades, a militante manteve a fidelidade ao partido.
Elza jamais concorreu a uma eleição para cargo público. Durante
a década de 50, ela ainda trabalhava no IAPI, mas arrumava tempo
para escapar até o Centro do Rio e espalhar alguns panfletos – única
forma de comunicação do partido na época. “Era um bocado de papel
escrito que a gente distribuía”, recorda-se.
A militante
conheceu Luís Carlos Prestes e não esconde a admiração pelo líder
comunista. Mas, em meio à crise que dividiu o partido, em 1962,
ficou ao lado de João Amazonas. Prestes apoiava as reformas do presidente
soviético na época, Nikita Kruchev, e ficou no PCB. A corrente de
Amazonas se rebelou com essa orientação e fundou o Partido Comunista
do Brasil (PC do B). Elza mantém suas convicções até hoje.
A partir
do racha entre os comunistas começou o período de maior atividade
política para Elza. Por determinação do partido, ela viajou pela
Europa e chegou a passar um período em Pequim, na China. “Fazia
o que me mandavam. Viajava para cursos sobre assuntos do partido”,
diz. Na volta da viagem de três meses de duração, a militante estava
pronta para participar da Guerrilha do Araguaia, movimento armado
desencadeado na década de 70, que acabou sufocado pelo governo militar.
Elza
só foi presa uma vez, em 1976, no final daquele conflito, e ficou
detida por três anos, em São Paulo. Foi libertada pela Anistia.
A missão
de Elza, ou Velha ou mesmo Dona Maria, como era conhecida por alguns
de seus codinomes, era levar e tirar guerrilheiros das áreas de
concentração, nas regiões Norte e Centro-Oeste do País. Para isso,
ela perdeu a conta das viagens que fez, de avião, carro e até de
canoa. Eram 12 horas de avião de São Paulo até Imperatriz, no Maranhão.
De lá, o restante do trajeto era feito de carro ou barco, até Marabá
ou Tocantinópolis. “Viajávamos durante dias.” A comunicação entre
os militantes era feita praticamente pelo boca-a-boca. “Carta era
muito perigoso”, conta a comunista, que apostaria em um novo fim
para a luta, se ela fosse desencadeada nos dias de hoje. “Seria
mais fácil, pelo menos para nos comunicarmos, com a tecnologia de
hoje.”
Fotos:
Reprodução/João Bittar |
As
viagens políticas
da militante
Em
1947, Elza e os amigos Carlos e Elizabeth, na serra de Itatiaia,
quando aplicava suas técnicas de montanhismo (1). Dois anos
mais tarde, com amigos no cume do Dedo de Deus, durante a
Semana Santa (2). Em 1977, numa reunião do PC do B (3).
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