
Educação
O
mestre da bola
Craque das seleções brasileiras de 1958 e 1962, o ex-zagueiro Nilton
Santos dá aulas de futebol às crianças carentes de Brasília por
R$ 2.800
André
Barreto
Felipe
Barra |
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Santos:
“Prejudicava os colegas
porque não fazia exigências. Era o argumento do Botafogo para
baixar os salários de todos” |
Trinta
e seis anos depois de sua última partida como jogador profissional,
o carioca da Ilha do Governador e ex-craque do Botafogo Nilton Santos
vive como gosta: no mundo da bola. Aos 75 anos, o bicampeão
mundial de futebol ensina os truques para roubar a bola do atacante,
driblar o ataque e passar com precisão a bola para o companheiro
do time. Esses segredos preciosos são passados todos os dias
para 80 crianças de famílias que sobrevivem com o
salário mínimo. A garotada gasta horas de seu dia
na escola pública de futebol, batizada com o nome do ex-craque.
Nilton
Santos ganha seu pão de cada dia no cargo de assessor da
diretoria de futebol da Secretaria de Esportes do Distrito Federal.
A ocupação rende ao eterno zagueiro a quantia de R$
2.800 mensais. Entrego sempre o contracheque lacrado para
a Célia. É ela quem administra tudo, conta ele,
referindo-se à mulher.
Com
o dinheiro, mantém o apartamento de dois quartos de onde
sai diariamente às seis da manhã para pegar no batente.
O valor é pequeno, mas a satisfação é
total. Não poderia ser diferente. No tempo em que era o único
jogador da equipe carioca a ser convocado para a seleção
brasileira, recebia um salário de sete mil cruzeiros, o equivalente
hoje a R$ 1 mil. Chegou até a assinar três contratos
em branco com o Botafogo. Era o exemplo que a diretoria do clube
costumava dar aos jogadores que exigiam mundos e fundos para estar
vestindo a camisa alvinegra. Eu prejudicava os colegas porque
não fazia exigências. Esse era o argumento do clube
para baixar os salários dos meus colegas, explica.
A única vez em que lhe pagaram uma porcentagem sobre o contrato
ele foi para casa caminhando com 30 mil cruzeiros no bolso. O diretor
de futebol do Botafogo, que era chefe de polícia, designou
um agente fardado para acompanhá-lo.
Para
um garoto nascido numa vila de pescadores sem energia elétrica,
morar em Copacabana cercado de belas mulheres e ser ídolo
de uma massa de torcedores era o máximo que um homem poderia
precisar. Sob esses ideais, apesar de ter se tornado bicampeão
mundial pela seleção brasileira, Nilton Santos nunca
aceitou propostas de outras equipes. Quando vinham clubes
como Palmeiras e Corinthians querendo me levar para São Paulo,
eu era o primeiro a dizer não. Entrou no elenco botafoguense
em 1948 e de lá, até o fim de sua carreira profissional
em 1964, deu alegrias à torcida da estrela solitária.
Acredito que fui o único que jogou em um só
clube, por 17 anos, reflete. Nunca precisou beijar a camisa
para conquistar a torcida. Saudoso, lembra que na década
de 50 não havia tanta ambição no mundo do futebol
e que os atletas jogavam por amor ao time. Os atuais jogadores
aspiram à seleção apenas para chegar ao futebol
europeu, desdenha.
ENTRE
SARGENTOS Os primeiros toques na redonda aconteceram aos 12
anos, num time chamado Flecheiras. Aos 18 anos, Nilton Santos era
soldado da aeronáutica. Amante do futebol, era o único
que jogava no time dos oficiais e sargentos. O talento lhe rendeu
alguns bons dias de folga. Cada vez que fazia um passe perfeito
para o major, ganhava folga e amanhecia longe do quartel. Às
vezes eu ia dentro do gol e voltava, só para deixar o major
marcar, lembra. Encantado com o domínio de bola do
soldado, o major goleador indicou o craque a um diretor social do
Botafogo que, por sua vez, se relacionava bem com o presidente do
clube, na época Carlito Rocha. Nilton foi fazer um teste.
E embora tivesse explicado que jogava do meio de campo para a frente,
o cartola impôs que ele jogasse atrás. Como eu
estava dando baixa da Aeronáutica e precisava trabalhar,
aceitei a mudança, justifica.
Felipe
Barra |
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Ensinando
futebol aos 80 menores
carentes na escolinha que
leva seu nome |
Sua
primeira partida pelo Botafogo foi no time de aspirantes. O quadro
venceu o São Cristóvão por 2x1 enquanto a equipe
principal perdeu por 4x0. No jogo seguinte vieram as alterações.
Ele passou a titular, ganhou o campeonato invicto e garantiu a vaga
para sempre. Pela seleção brasileira a primeira convocação
veio para o sul-americano de 1949. Nesse tempo, Nilton Santos andava
de bonde. O primeiro carro, um fusca 1949, só comprou quando
já era bicampeão mundial. Em 17 anos de profissão
conquistou 26 títulos dos mais cobiçados pelos atuais
jogadores. Todos os campeonatos que decidi, ganhei,
conta sobre o feito histórico.
Casou-se
duas vezes. Do primeiro casamento com Abigail Teixeira, 68, teve
dois filhos, Carlos Eduardo e Andréia. Subiu ao altar pela
segunda vez com Célia Santos, 45, com quem vive há
15 anos. Há pelo menos dois anos Nilton Santos não
se comunica com os filhos. Diz que houve um mal entendido por conta
da separação de Abigail. Por isso, perdeu o contato
com a parte da família que mora no Rio. A saudade do casal
de filhos e da neta Hanna, filha de Eduardo, é grande. Mas,
orgulhoso, Nilton Santos não desce do pedestal. Gosto
deles tanto quanto gostam de mim, se me procuram eu retorno, se
não..., avisa. Ele não gosta de tocar no assunto
e insiste em afirmar que não traiu a ex-mulher, dando sua
versão sobre a separação de Abigail.
Da
época em que brilhou nos gramados brasileiros, ficaram as
relíquias históricas e as memórias. Nilton
mantém a mania de ser cuidadoso com seus objetos pessoais.
Ultimamente só reclama de uma coisa: quer reaver uma lista
de objetos emprestados a assessores do jogador Romário e
usados para decorar o já fechado Café do Gol. Outra
preciosidade, guarda em seu apartamento, em Brasília. O troféu
que ganhou das mãos de Carlinhos, atual técnico do
Flamengo, em seu jogo de despedida. Nilton Santos abandonou o futebol
aos 38 anos, no Maracanã, num embate entre Botafogo e Flamengo.
Sua equipe ganhou de 1x0. Por ironia do destino, o maior troféu
da minha coleção foi um rubro-negro que me deu,
diz.
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