
Solidariedade
Chance
ampliada
Roberto Carlos Ramos, campeão de fugas da Febem/BH, vira sócio de
Carlos Mieli, dono da M.Officer, numa fundação para reforçar a educação
de crianças faveladas
Gustavo
Maia
Nélio
Rodrigues/Ag. 1.º plano
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Roberto
Carlos Ramos ao lado dos ex-internos na casa em Ibirité: “Nessa
casa moram 12 homens de bem. Todos trabalham e estudam”
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Em
junho de 1998, Carlos Mieli, 36 anos, dono da grife M.Officer, levou
de volta às passarelas o modelo Ranimiro Lotufo, que havia
perdido a perna direita num acidente, em 1995. O estilista pregou,
com isso, o fim do preconceito contra os deficientes físicos.
Antenado nas causas sociais, seu próximo passo será
dado no segundo semestre, quando sairá do papel a Fundação
da grife, que vai auxiliar na educação de crianças
faveladas. Para a empreitada, Mieli terá como sócio
o mineiro Roberto Carlos Ramos, 34 anos, ex-interno da Fundação
Estadual do Bem-Estar do Menor
(Febem) de Minas Gerais. É uma grande responsabilidade,
mas darei conta, diz Ramos. É importante alguém
que conheça a realidade das crianças carentes estar
à frente desse projeto, reafirma Mieli.
Roberto
Carlos Ramos foi um dos milhares de rapazes que passaram agruras
por conta de envolvimento com drogas e violência nas ruas
da metrópole. Ramos adquiriu fama como um dos campeões
de fuga da Febem. Passou por lá 133 vezes no início
da sua adolescência. Fiquei sabendo da história
do Roberto e fui a Belo Horizonte para conhecê-lo, lembra
Mieli. Ainda bebê, Ramos morou com a mãe e os dez irmãos
na capital mineira.
Tinha
dois anos, quando a Febem foi criada e ganhou fama como uma espécie
de colégio para crianças pobres. Sob o slogan Disciplina
e educação para as crianças carentes,
a Febem parecia uma boa opção para a numerosa família.
Assim, Ramos foi parar na instituição estadual aos
seis anos. Em dois anos, fugi 12 vezes da Febem, conta.
O rapaz
passou pela unidade Antônio Carlos, interior de Minas, a mais
violenta na era do governo militar. Lá, levou tapas na cara,
enfrentou sessões de eletrochoques e ficou pendurado em um
pau de arara. Entre idas e vindas da Febem, ele era conhecido não
por seu nome, mas pelo número de sua ficha na instituição:
374. Fora de lá, Ramos era consumidor contumaz de cola de
sapateiro e maconha. Roubávamos jóias e dinheiro
para comprar drogas, conta. Para freqüentar as rodas
de usuários, teve de fazer testes como ingerir fezes dos
colegas. Só abandonou o bando quando foi estuprado. Levei
72 pontos pelo corpo, lembra.
A
reviravolta de Ramos aconteceu em 1979. No dia de sua 134ª
entrada na Febem, a pedagoga francesa Marguerit Duvas visitava a
instituição. Indignada com a ficha do rapaz, que o
classificava como irrecuperável, Marguerit levou-o
para casa.
A vida
do garoto mudou. Aprendeu a ler e a falar francês e foi para
a França, onde passou da adolescência para a fase adulta.
Três anos mais tarde, voltou ao Brasil e prestou vestibular
para pedagogia. Não hesitou em estagiar no local que bem
conhecia. Voltei para a Febem como profissional, diz
Ramos. Provei que eu não era irrecuperável.
Marguerit
faleceu em 1986. Ramos decidiu então, seguir os seus passos.
Acolheu o menino Moisés, 9 anos, outro irrecuperável
da Febem. O garoto foi o primeiro dos doze ex-internos que hoje
moram com o pedagogo. Todos estudam e trabalham, conta
orgulhoso. Por conta dessa saga, Ramos hoje conta sua experiência
em escolas e empresas, que lhe pagam um cachê suficiente para
ajudar na renda familiar.
Ciente
do drama de vida de Roberto Carlos Ramos, Mieli organizou, no ano
passado, um evento em que exibiu um vídeo inspirado em sua
história. A partir daí, os laços entre os dois
se estreitaram e agora Mieli tem o companheiro como coordenador
de um núcleo de educadores, que implantará aulas via
internet em comunidades carentes. A primeira empreitada para a realização
da Fundação será a compra de computadores.
Pretendo ceder os micros e levar toda a estrutura para várias
capitais brasileiras, diz Mieli. Na lista já estão
comunidades de Belo Horizonte, São Paulo, Rio e Salvador.
É um gasto inicial de R$ 20 mil no primeiro mês, com
a compra dos micros. Será um dinheiro muito bem investido,
garante Ramos.
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