
Luiz
Caldas Tibiriçá, 87 anos
O
mestre do tupi-guarani
O
geólogo e arqueólogo Luiz Caldas Tibiriçá, um dos maiores especialistas
em línguas indígenas, achou cidades perdidas e participou de revoluções
Fábio
Bittencourt
Piti
Reali
|
 |
“O
Brasil ainda não foi explorado pelos brasileiros”, diz Tibiriçá.
“As grandes descobertas quase sempre são feitas por estrangeiros.”
|
No
verão de 1925, Luiz Caldas Tibiriçá, então com 14 anos, entrou no
Chevrolet apelidado de “cara de cavalo”. Com seu pai, o engenheiro
mecânico Luiz Tibiriçá, ao volante, seguiu para Praia Grande, litoral
de São Paulo. A missão era espinhosa: localizar um terreno de propriedade
da família.
Não
havia nenhum mapa ou indicação. No caminho, os dois toparam com
dois homens de olhos puxados. “Quer apostar que são japoneses ?”,
disse o filho. “Tenho certeza que são índios”, respondeu o pai.
Os dois estavam certos: um era de origem nipônica e o outro indígena.
O terreno jamais foi encontrado. Mas o episódio despertou no menino
uma curiosidade que até hoje cultiva nos rascunhos de seus cadernos.
Luiz
Caldas Tibiriçá é um dos maiores especialistas do País em tupi e
guarani, além de conhecer como poucos as línguas asiáticas e ameríndias,
que totalizam seis dicionários publicados. “Não posso estudar uma
língua só”, afirma. Formado em geologia no início da década de 60,
ele teve contato com variadas nações indígenas. Como conseqüência,
acabou apaixonando-se por arqueologia.
Tibiriçá
nasceu em São Paulo e sonhava em ser músico. Aos seis anos, afastou-se
da escola por três meses, por causa da epidemia de gripe espanhola.
Ficou meses enfurnado em um espaçoso casarão no bairro de Higienópolis,
região central da cidade, local onde sua família morava. Quando
voltou, metade de sua classe havia sido dizimada pela doença. Mesmo
tendo nascido em berço esplêndido, o adolescente era visto como
um arruaceiro de terno bem cortado. Essa fama correu solta entre
os moradores da Alameda Arlete, do bairro de Santa Cecília.
“Éramos
os piores elementos da cidade”, confessa. “Entrávamos nos bares,
comíamos, bebíamos e depois simulávamos uma briga para sair sem
pagar.” Quando parava em delegacia, sua situação era aliviada quando
os policiais descobriam seu sobrenome. O primo de seu pai, Jorge
Tibiriçá, havia sido por duas vezes presidente da então província
de São Paulo no início do século.
Os
arroubos da juventude começaram a ser aprumados em 1932, quando
Tibiriçá colocou-se à disposição das forças paulistas na Revolução
Constitucionalista. Por três meses, serviu no pelotão do setor Sul-Itararé.
“Não dava para saber quem era amigo ou inimigo”, recorda-se. Certo
dia, ele conta que seu pelotão conseguiu o recuo dos gaúchos com
um contigente de apenas 60 homens. Um detalhe: o Exército estava
sem munição.
“Lutamos
com baionetas e eles achavam que havia mais 1,5 mil homens nos dando
retaguarda.” O contato com as armas levou-o a tentar carreira militar.
Em 1935, arriscou-se como soldado da artilharia do Forte Coimbra,
em Mato Grosso do Sul. Além de conhecer indígenas de perto, também
foi envolvido em um levante comunista de oficiais e acabou sendo
preso por três dias. “Até hoje não sei de que lado estava”, diz.
FUGITIVOS
Na volta a São Paulo, em 1937, retomou os estudos e concluiu o científico,
que era o equivalente ao ensino médio dos dias de hoje. Em 1943,
mais uma aventura, desta vez em um garimpo em Goiás. Dois anos mais
tarde, Tibiriçá abraçou o mundo empresarial, logo depois de casar-se
com a professora de letras Josefina Dávila, com quem teve um filho,
Newton. Juntos, eram responsáveis por uma fábrica de sapatos artesanais.
O negócio durou até 1957, quando decidiu cursar Geologia na Universidade
de São Paulo (USP) e separar-se da mulher. “Queria fazer arqueologia,
mas o curso não existia”, recorda. Como não tinha recursos para
financiar suas viagens, Tibiriçá aprofundou seus estudos de lingüística
dos povos indígenas e a influência dos asiáticos em continente americano.
No
final da década de 60, foi consultado por um amigo sobre a possibilidade
de abrigar três estudantes mineiros em sua casa. Os homens eram
fugitivos do Exército e, entre eles, destacava-se o capitão Carlos
Lamarca. Duas semanas depois, todos foram embora e no mesmo dia
Tibiriçá teve de prestar depoimento. Disse que abrigou os rapazes
sem saber de quem se tratava.
Em
1971, fez sua primeira expedição entre as cidades de Laguna, no
Paraguai, e Miranda, em Mato Grosso do Sul. Encontrou canhões, sepulturas,
ossadas e até um canhão francês da marca La Hutt, resultado da guerra
entre Brasil e Paraguai. Acabou descobrindo um caminho calçado com
pedras de origem inca, com 1,8m de largura. “Está tudo registrado
em cartório”, afirma Tibiriçá, que é um dos fundadores do Instituto
Brasileiro de Arqueologia e do Instituto Paulista de Arqueologia.
Em
suas idas e vindas pelo interior do Brasil, Tibiriçá também descobriu
pedras com inscrições celtas e até uma cidade perdida em Igatu,
no sertão da Bahia, que constava nos manuscritos de um frei que
viveu no século passado. “Foram 16 anos de busca”, diz. Em uma de
suas últimas empreitadas, no ano passado, o pesquisador percorreu
o sul do Pará durante um mês com uma sonda na bexiga, resultado
de uma infecção diagnosticada às vésperas de sua partida. Hoje,
Tibiriçá aproveita seu tempo alfabetizando gratuitamente adultos.
Dava aulas também de tupi e guarani. Mas elas foram suspensas por
falta de alunos. “O Brasil ainda não foi explorado pelos brasileiros”,
diz. “As grandes descobertas quase sempre são feitas por estrangeiros.”
|