É no terceiro andar de sua aconchegante casa
na Gávea, no Rio, que o autor Marcílio
Moraes se refugia para escrever os capítulos
de Vidas Opostas, da Record. Lá, mergulhado no
universo da guerra urbana que a trama retrata, ele é
constantemente interrompido pelo barulho de tiros na
favela da Rocinha, ali perto. “Assim como na novela,
favela e asfalto são mundos muito próximos”,
constata. Foi apostando na identificação
do público com a realidade das grandes cidades,
que Marcílio superou a audiência da Globo
no horário nobre. Por três vezes este ano,
sua história bateu os jogos dos campeonatos regionais
exibidos pela concorrente. Aos 62 anos, casado com a
professora Violeta Quental, pai de três filhos,
o escritor amargou dois anos de desemprego ao ser dispensado
pela Globo, em 2002. Nesse mesmo ano sofreu o segundo
enfarte. Para manter a saúde abandonou o cigarro,
diminuiu a bebida e passou a nadar diariamente. Mas,
por causa de Vidas Opostas, está longe das piscinas.
“Quando se escreve novela, a vida pessoal vai
para o espaço. A compensação é
o sucesso”, diz.
Como explica o sucesso
de Vidas Opostas?
Acredito que seja uma boa história,
uma história de amor, de Cinderela. E está
bem armada. O que chamou a atenção do
público foi incorporar a favela ao universo ficcional,
uma coisa que não faziam. É a questão
da estética da exclusão. A economia exclui,
a teledramaturgia também. Ao invés de
fazermos aquele pobre folclórico, mostramos o
pobre que vive realmente nas favelas.
Foi uma estratégia
usar a favela para alavancar a audiência?
Não foi pensado. Eu propus
várias histórias e uma das hipóteses
era tratar da guerra urbana, do tráfico, luta
de facções, corrupção policial.
A emissora apostou nisso, embora com certo medo. Comercialmente
falando, lidar com o universo pobre não é
uma boa estratégia. Mas a novela é estruturada
com todos os elementos da novela clássica. Então,
também tem o lado glamouroso, de ricos.
Sofreu algum tipo de censura
pelo fato de a Record pertencer ao bispo Edir Macedo?
Não. Eles sabem separar muito
bem o profissional do pessoal. A Record é completamente
independente da Igreja. Isso é um grande acerto.
Na Globo também. O grande segredo da Globo foi
que o Roberto Marinho nunca teve idéias para
novelas.
Essa novela teria espaço
na Globo?
Seria difícil. Pode ser que
eu esteja enganado, mas pelo que conheço da Globo
depois de 18 anos lá, não seria um projeto
aprovado por vários critérios. Critérios
escritos e não escritos que existem lá.
Se bem que agora, depois do sucesso, poderia até
ser.
Esperava todo esse sucesso?
Esperar a gente sempre espera. Mas
não imaginava essa repercussão toda. Só
achava que iria bem, escrevendo eu sentia que tinha
muita força.
Você tinha uma receita?
Se falar isso, vou parecer presunçoso.
Mas a receita é a competência de saber
fazer e armar uma história. Sabia fazer novela,
criar uma história com a qual o público
se identificasse. Você tem que saber o que está
escrevendo porque uma novela custa cerca de US$ 20 milhões,
quando ela vai ao ar já gastou uns US$ 10 milhões.
Se não der certo, afunda a emissora. É
um investimento alto, não se pode errar.
Dá medo?
Sempre dá. Quando a sinopse
é aprovada, já começa a movimentação.
Contratação de gente, produção,
e você lá escrevendo. No terceiro ou quarto
capítulo, você se pergunta: será
que eu sei? No capítulo sessenta você se
pergunta a mesma coisa: será que vai dar certo?
Dá um tremendo vazio. Só depois do centésimo
que começa a relaxar. Se for sucesso, é
lógico.
Já passou por algum
fracasso?
O momento mais difícil foi
em Mandala, uma novela muito complicada. O Dias (Gomes)
fez os primeiros 20 capítulos, depois passou
para mim. Se eu tivesse mais experiência, não
teria aceitado. Tinha aquela história de incesto,
censura em cima, crítica, foi infernal. Ficou
marcada como a novela da separação da
Vera Fischer. A censura não deixava contar a
história e a novela ficou sem história.
Comemorou quando bateu
a Globo?
Imagina, se tomo um porre, como vou
escrever a novela no dia seguinte? Não tenho
tempo para isso, mas teve uma comemoraçãozinha
familiar. Tinha que ter, né? Foi um grande dia,
bater a Globo é um marco.
Essa vitória no
Ibope tem gosto de revanche?
Não. É uma gratificação
profissional de acreditar e dar certo. Meus desentendimentos
com a Globo eram profissionais. O que eles queriam que
eu fizesse eu não queria fazer. E vice-versa.
Aí foi-se criando um clima ruim que acabou com
a não renovação do meu contrato.
Eles não topavam minhas propostas e sugeriam
remake, para não apostar em coisas novas. A Globo
vem se repetindo muito. Não vamos falar de Globo,
deixa a Globo. A Globo hoje é só um numerozinho
no Ibope que eu quero bater.
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