Música - Latina
Ares de Havana
Selma Reis surpreende cantando boa música
cubana
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Música
é mania nacional em Cuba, talvez só superada pela
política. A cantora brasileira Selma Reis, em seu disco Ares
de Havana, se permitiu essa expressão sonora de "cubanía",
como se diz na ilha. Assessorou-se de músicos locais seletos
- entre eles o pianista Frank Emílio, um dos grandes do afrojazz
cubano - e fez um belo disco, o melhor de sua carreira em 12 anos
de altos e baixos. Os ritmos não explodem: o que prevalece
é sutileza. Todo o repertório sugere um filtro por
certa linha de interpretação cultivada em Cuba a partir
dos anos 50, quando eclodiu o "fílin", um gênero
do qual o lendário cantor Bola de Nieve (1911-1971) foi precursor
e Adolfo Guzmán, presente em duas faixas e autor da intensa
"Libre de Pecado", um dos principais compositores.
Para o cubano, "fílin" (do inglês "feeling")
quer dizer isso mesmo: sentimento em estado puro, sem sentimentalismos.
É estilo de música, e também de vida. Não
mais boleros sofridos, mas uma expressão intimista, sustentada
por harmonias complexas de acordes suspensos e letras que cantam
a delicadeza das paixões sublimadas.
Selma Reis juntou-se
à confraria, e à maneira dos autênticos "filineros"
deu leitura nova a temas que perpassam décadas - de um velho
mambo de Benny Moré - cantor e band leader conhecido nos
anos 40 como "el barbaro del ritmo"- à incisiva
"música de emergência" de Pablo Milanés
e Sílvio Rodriguez - ainda hoje militantes da Nueva Trova
cubana que brotou ao calor da Revolução.
Do repertório
imortalizado na voz castiça e inimitável de Bola de
Nieve - esse intérprete único que fez do canto a arte
de "falar" música -, Selma vence "Ay Amor"
(dele mesmo, Ignacio Villa), "No Puedo Ser Feliz" (de
Guzmán) e "Drume Negrita" (Grenet). E se consagra
sem vestígios do ídolo em "Babalu" (Lecuona),
tema afro aqui revestido de modulações sofisticadas,
com súplicas ingênuas de um ser apaixonado a um preto
velho de terreiro.
Bons ares da ilha
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