“E
o Denzel Washington brasileiro!”, disse o cineasta Fernando
Meirelles ao assistir Carandiru, de Hector Babenco. De fato,
Ailton Graça lembra num gesto ou num sorriso o ator americano.
Mas seu primeiro personagem no cinema é inegavelmente brasileiro.
Majestade é um traficante malemolente, que se divide entre
duas mulheres.
O ator
de 38 anos nunca imaginou que conseguiria o papel. Após dez
anos longe do teatro, ele havia voltado a “brincar”,
como se refere a atuar, fazia apenas um. Ficou sabendo dos testes
como outras 2.700 pessoas. “Queria só passar no fundo,
para minha mãe me ver no cinema”, conta, entre risos.
Ganhou um dos papéis de mais destaque do filme. “Ele
é muito generoso, cativante e tem garra”, diz Sergio
Penna, preparador de elenco de Carandiru.
Nascido
no Jardim Miriam, bairro da periferia de São Paulo, desde
pequeno Ailton costumava montar espetáculos para as primas
verem. Descobriu o teatro na adolescência, quando começou
a trabalhar no Hospital do Servidor Estadual. Fazia peças
para os doentes e se apaixonou. Dividia-se entre cursos de circo
e teatro, que não deixavam muito tempo para ele trabalhar
de verdade. “Instaurei o disque-cartão. Ligava para
alguém do hospital e pedia para bater meu cartão e
fazer meu serviço”, diz.
Mais
tarde, com filho para criar, ele abandonou o teatro para conseguir
pagar as contas. Foi palhaço em festas infantis, sacoleiro
que trazia tapetes e roupas do Paraguai e camelô. Virou fiscal
de lotação, quando o serviço ainda era clandestino.
Mas não deixou totalmente a arte. Entrou no Balé Folclórico
de São Paulo, onde dançou maculelê e bumba-meu-boi.
E deu espaço à sua paixão por Carnaval, iniciada
bem cedo – a família tinha uma escola de samba no bairro.
“Nunca gostei de ficar na bateria, meu negócio era
sambar”, diz. Dá aula para mestre-salas e desfilou
na posição na Gaviões da Fiel e na X-9. Essa
ginga foi
determinante
para ele conseguir o papel de Majestade. Depois de Carandiru,
Ailton fez um matador profissional no ainda inédito Contra
Todos, de Roberto Moreira, e ensaia montagem de Othello.
Sonha deixar o emprego de fiscal de perueiro, que ainda o sustenta.
E, se possível, pagar com o trabalho como ator a sonhada
faculdade de medicina para o filho, Vinicius. “Se precisar,
vou ser palhaço e garçom”, diz.
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