Desde
cedo, Moacyr Scliar deduziu que, para conciliar as profissões
de médico e escritor, dois trabalhos que exigem muita dedicação,
teria de se organizar e usar todo o tempo disponível. Isso
significou, por algum tempo, abdicar de qualquer lazer. Durante
anos, não teve nem tevê em casa. “Não
podia me dar o luxo de olhar a televisão”, lembra.
O
esforço valeu a pena. Casado e pai de um rapaz, o gaúcho
de 66 anos atuou como médico sanitarista durante décadas
e dirigiu o Departamento de Saúde Pública da Secretaria
de Saúde e Meio Ambiente do Rio Grande do Sul. Autor de O
Exército de um Homem Só e Sonhos Tropicais,
Scliar tem
62 livros publicados, ganhou três vezes o prêmio Jabuti
e é conhecido e lido em vários países.
No
momento, Scliar também é o mais novo candidato a imortal.
Nos próximos meses, estará em campanha para ocupar
a cadeira que foi, até o mês passado, do romancista
Geraldo França de Lima, na Academia Brasileira de Letras.
Em
entrevista à Gente, o escritor falou da candidatura,
de sua origem judaica e do episódio ocorrido no ano passado,
quando o canadense Yann Martel, vencedor do prestigiado Booker Prize
com Life of Pi, foi acusado de plagiar nesse romance um conto
do brasileiro, “O Jaguar no Escaler”.
Por
que se candidatou à Academia Brasileira de Letras?
Respeito a Academia. Acho que ela tem uma tradição
importante neste país, foi fundada pelo Machado de Assis
e raramente instituições culturais duraram um século
no Brasil. Da minha geração, tem membros importantes,
como o João Ubaldo Ribeiro e Nelida Pinõn, muitos
com os quais eu convivo, como Lygia Fagundes Telles, Zélia
Gattai e Carlos Heitor Cony. Por isso, tenho laços afetivos
com a ABL. E tem a questão da relação da Academia
com o Rio Grande do Sul. Tivemos um escritor, uma figura adorada,
que foi o Mário Quintana. Ele se candidatou duas vezes e
não foi eleito. Isso foi um grande trauma para o Estado,
e até hoje é lembrado. Depois disso, o poeta Carlos
Nejar foi eleito, mas acho que o Rio Grande do Sul pode ter mais
representantes.
Acha
que o Luis Fernando Verissimo também deveria
se candidatar?
Conheço-o bem, e acho que não é seu estilo.
Ele não é dado a essa coisa de instituições.
O Érico não quis entrar para a Academia. E a carreira
do pai é uma referência para ele. Mas acho que a Academia
ganharia muito.
Como
um médico se tornou um ficcionista?
Meus pais são imigrantes judeus russos. Chegaram a Porto
Alegre há quase um século. Eram muito pobres. Na minha
infância, minha casa não tinha banheiro e era infestada
de ratos. Meu pai mal sabia ler e escrever e mal ganhava para sustentar
a família. Minha mãe, com sacrifício, se formou
professora. Ela me introduziu na literatura. Uma vez por mês,
me levava para comprar um livro. Eu ficava absolutamente deslumbrado,
mas com medo de gastar muito. Ela sempre dizia que livro não
podia faltar em casa. Isso me influenciou muito, mas, ao mesmo tempo,
eu tinha uma vocação médica que nasceu de uma
forma curiosa. Tenho medo de doença. Não de ficar
doente, mas, quando meus pais e meus irmãos adoeciam, eu
entrava em pânico. Comecei a ler sobre o assunto.
Então,
as duas profissões surgiram ao mesmo tempo
na sua vida?
Sabia que seria médico e escritor. Publiquei meu primeiro
livro quando estava na faculdade de medicina. O que foi fundamental
na determinação da minha vocação literária
é que meus pais eram grandes contadores de histórias.
Na minha infância, como não havia televisão
e a diversão era muito cara, a maneira de convívio
era se reunir de noite,
tomar chá e ficar contando histórias. Meu pai tinha
prazer nisso e fazia uma verdadeira encenação.
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