Ele
voltou a fumar um ou outro cigarro por dia. Toma uma dose de uísque
de vez em quando, apesar de o guaraná ser a bebida mais consumida
ultimamente. Não estou sem beber álcool, só
não estou enfiando o pé na jaca, afirma. Baiano
de Itaparica radicado no Rio de Janeiro, João Ubaldo Ribeiro
não consegue se livrar totalmente de alguns vícios.
O da escrita é um deles. Aos 61 anos, ele está em
primeiro na lista de Gente com Diário do
Farol, o 18º livro da carreira. Com o livro concluído,
o tempo livre aumenta. Ubaldo costuma acordar cedo, lá pelas
7h, 8h. Duas horas mais tarde vai até o calçadão
do Leblon, onde caminha por 20 minutos. Detesto andar. Faço
isso todos os dias porque sou chantageado por médicos e pela
família, diz. Dizem que vou ter morte horrorosa
se não andar e que terei uma qualidade de vida terrível
no ápice da velhice, se é que existe tal coisa.
Precavido,
ele já tomou uma providência para diminuir o sofrimento
da via crucis diária que vem encarando: comprou um relógio
com o qual marca os 20 minutos que é obrigado a caminhar.
Não passo um segundo disso, diz ele, que reconhece
a falta de condição atlética e nem se importa
mais em ser ultrapassado na rua por senhoras gordas.
Depois
de se exercitar, o escritor trabalha um pouco, almoça e dorme
entre as 14h30 e 18h. Ao acordar, volta a escrever até as
2h da madrugada. As visitas ao botequim Flor do Leblon não
têm hora certa, mas elas acontecem pelo menos uma vez ao dia.
Apesar do aparente bom humor, Ubaldo confessa a dificuldade em conviver
com a velhice e cita o amigo Jorge Amado para explicar o que sente.
O Jorge dizia que já tinham lhe falado muito das alegrias
da velhice, mas não lhe apresentaram nenhuma. Comigo é
a mesma coisa. Só conheço a preguiça de me
abaixar, me cansar para botar sapato, diz.
Testemunha
da amizade entre Ubaldo e Jorge Amado, a escritora Zélia
Gattai lembra de uma história ocorrida em Lisboa, nos anos
80, quando Ubaldo morava em Portugal. Os três amigos foram
às compras e, numa loja, Zélia notou que a vendedora
olhava fixamente para o autor de Gabriela e Capitães
de Areia e perguntou no ouvido de Ubaldo se aquele não
era Jorge Amado, escritor das novelas brasileiras. Na época,
a novela Gabriela, baseada no romance de Jorge, era sucesso em Portugal.
João Ubaldo não só confirmou como disse
que às vezes o Jorge escrevia com o pseudônimo de Janete
Clair (novelista autora de sucessos como Irmãos Coragem
e Selva de Pedra), contou Zélia. A moça
achou que o Jorge escrevia as novelas brasileiras e, graças
ao João Ubaldo, deve estar achando até hoje.
Membro
da Academia Brasileira de Letras desde 1993, o imortal que, por
preguiça, raramente vai à ABL não opina sobre
a possível entrada de Paulo Coelho na academia. Quanto às
eleições presidenciais, pensa em Lula, mas não
declara voto. O novo livro é o que ocupa seus pensamentos.
Para Ubaldo, a história do padre que chega às raias
da crueldade, sem qualquer senso moral, não é tão
inverossímil quanto possa parecer. Tanto que compara o personagem
que pensa em cortar o pai em pedacinhos com um dos crimes cometidos
pelo traficante Fernandinho Beira-Mar, no Rio. Ele dizia no
telefone aos comparsas: Corta um pedaço da orelha,
agora um dedo. Então não é uma coisa
tão incomum.
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