Estava ofegante. Corria já faziam mais de vinte minutos, porém do que fugia não sabia ao certo, só sei que estava atrás de mim. O campo não parecia acabar mais, as folhas e galhos secos rasgavam minha roupa, passavam por ela como facas na manteiga e atingiam minha pele, fazendo pequenos cortes. Minhas pernas doíam muito, fazia muito tempo que não corria desse jeito.
O desespero derrubou-me no chão, comecei a lembrar do que fugia: corria de mim mesmo, do meu lado negro, dos crimes que cometi. Estava de frente ao espelho do banheiro de meu sítio e senti que ELE me encarava, meu próprio rosto, mas com uma natureza totalmente deturpada, disse que meu medo era seu alimento, ou melhor, eu disse isso, ELE disse isso.
Assustado corri, mas ele corria junto a mim! Estava dentro de meu peito, junto com meu coração, enlaçado com minha alma. Não queria senti-lo, mas ele chamava e, estranhamente, meu pânico aumentava.
Na fuga, cai inconsciente por muito tempo, era dia quando eu começara a correr e já era noite plena. Levantei-me aos poucos e percebi as mão molhadas, a Lua brilhava cheia no céu, pude perceber um líquido pegajoso e escuro cobrindo meu corpo, "Fui EU!" - ELE disse, senti mais medo!
"Prove!" - repetiu ELE. Estranhamente provei aquele líquido e senti um gosto um pouco amargo, lembrando ferrugem, lembrando... SANGUE!!
Olhei melhor a minha volta! Três cadáveres dilacerados me rodeavam, senti-me enojado e vomitei. Era impossível! "Quem matara essas pessoas?" - pensei, mas não tive coragem de responder, pois a resposta poderia fazer com que ELE voltasse!
Sentei e chorei por aproximadamente uma hora, a dor era imensa por meu corpo, sentia milhares de pequenas agulhas perfurarem meu corpo... era ELE! Não podia deixar que fugisse de mim novamente, prendi a respiração, mas não pude contê-lo, fui fraco... fraco... FRACO!
Pânico incontrolável tomou minha mente, os cortes do capim e das toceiras de espinho pareciam pedir clemência, pois latejavam constantemente, minhas mãos pediam água pura para limpar o pecado nelas presente e meu coração implorava por paz. Era impossível deixar de escutar SEUS desejos, era insuportável a idéia DELE fugir e para contê-lo tive que me sujeitar à autoflagelação. Corri novamente e pedi a Deus que me guiasse, mas ELE disse que Deus nunca iria ouvir-me e, enquanto corria, a pele ardia mais, as agulhas aumentavam sua picadas, meus ossos doíam fundo e a metamorfose começava... espinhos ósseos rasgavam minha pele, mas minha alma ainda tomava conta do corpo monstruoso. Cheguei até a beira de um barranco, embaixo havia um espinhal, a única maneira de prendê-lo era a autoflagelação! Olhei para o fundo do buraco e ELE chamou-me novamente, o medo fez com que hesitasse, o pânico fez com que congelasse meus músculos, porém o ódio fez com que pulasse. Enquanto caía pelo barranco, ouvia a SUA voz:
"Você não conseguirá fugir."
Cada giro e concussão com as pedras fazia com que as agulhas diminuíssem seu ritmo, rolei sentindo a pele rasgar nas rochas afiadas, gritei ao impacto com as plantas, chorei com a dor dos espinhos penetrando em minha pele, desmaiei pelo temor provocado por ELE e pelas concussões, cortes e fraturas sofridos durante minha jornada ao fundo do barranco.
ELE não falava mais, não ordenava minhas ações, não impunha sua vontade. Quem era ELE? ELE era o instinto genocida, assassino e cruel do homem, o lado animal e adormecido a milênios, era o mal escondido na consciência humana e estava aflorando em mim.
Fiquei horas, talvez dias desmaiado e sofrendo pelas dores de meus ferimentos, lembro-me vagamente de ser acolhido por uma senhora e seu marido, que me levaram para seu sítio e cuidaram de mim.
Vivi naquela casa por algumas semanas e fiz amizade com os quatro filhos do casal, tornei-me parte da família. Um dia cortei-me fazendo a barba, ELE voltou e gritou em minha mente: "OLHE-SE NO ESPELHO". Inconscientemente levantei-me e olhei minha face no espelho e percebi quem ELE realmente era, peguei a faca que estava em cima da mesa da cozinha e fui até o quarto de meus anfitriões, lá defini seu nome, ELE é meu instinto assassino. ELE, sou eu!!
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