"Sou tímido, gago e gordo" diz
João Gordo
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João Gordo fala do medo da rejeição, sobre bizarrices, dinheiro, televisão e os rivais do movimento punk. Leia a seguir a entrevista completa.
MTV
O que dá mais tesão no seu trabalho?
Dá um tesão danado trabalhar uma vez por semana. Realmente quem trabalha pouco ganha bem (risos).
Existe estrelismo na MTV?
Conheço todos que trabalham lá. Todos são gente fina. Desde a Fernanda Lima e a Daniela Cicarelli, que são as duas mais gostosas, até os mais baianos, como eu. Eu sou amigo de todo mundo. Falo com todos, desde o cara que trabalha na iluminação até o mais alto escalão de chefes.
Qual foi a maior gafe que você já cometeu?
Gafe eu faço direto. Outro dia eu chamei a Vanessa Jackson de Wanessa Camargo na cara dura e não me liguei. Todo mundo rindo e perguntando o que aconteceu. Se fosse uma Luciana Gimenez que fizesse isso, ficaria muito feio. Mas comigo é engraçado. É uma escola Didi Mocó: você usa o erro em beneficio próprio.
Você gosta de entrevistar sobre tudo?
O que eu vou saber da Sula Miranda? O que me interessa a vida da Ellen Rocche? E eu quero saber dos Los Hermanos? Não! Sigo um roteiro e tem um diretor que fica apitando na minha orelha. Às vezes eu fico p... com a direção porque não me interessa a vida desses desgraçados. Acho que não conseguiria entrevistar os políticos corruptos. Eu ia chamar o cara de c...
Você gosta do formato do Gordo a Go-Go?
O que melhorou bastante é que tem espaço para banda, como a underground que eu sempre vou dar força.
FAMA E HUMOR
A fama de mal-humorado é verdadeira?
Mal-humorado? Eu sou um mal-humorado muito bem-humorado.
O que tira o seu humor?
Eu não gosto de playboy folgado que pensa ser meu amigo e vai falando um monte de coisa. Trato bens os fãs, mas playboy folgado não tem vez comigo.
Só playboy folgado tira o seu humor?
Não gosto de quem cobra ideologia. Sofro uma certa cobrança porque estou numa banda clássica (Ratos do Porão), trabalho na MTV e faço propagandas. Eu não gosto de trabalhar em fábrica. Como eu não sou trouxa, trabalho na MTV.
Você convive bem com a fama?
Eu não gosto não, sabia? É uma bosta. Eu queria passar batido, mas não consigo porque sou gordo, uso estas roupas e tenho tatuagem. Tem gente que grita e quer pegar em você. Isso irrita!
Você se preocupa com segurança?
Não. Vem pra cima de mim que eu bato. Ninguém invade a minha vida.
Você já brigou com fã?
Já dei uns tapas na cara de um moleque. Ele me xingou de FDP e aí eu mostrei para ele quem era FDP.
Você se acha mal visto pela classe artística?
Eu não sou mal visto. Pra falar a verdade: todo mundo paga o maior pau pra mim. Não pertenço à classe artística e nem à classe do rock nacional. Não faço parte deste povo. É tudo um bando de c...
O que você pensa, por exemplo, da Xuxa, Marcos Mion e Rodrigo Santoro?
A Xuxa é linda, maravilhosa e gostosa. Mion bom ator. Santoro é o melhor ator. Acho que ele queimou o filme dando um beijão na boca do "Sem Chance" (personagem de Gero Camilo no filme Carandiru). É foda beijar o "Sem Chance" várias vezes. Mas ator tem que passar por cima do preconceito.
Mas quem você não admira?
Milhares, mas eu não vou dar nomes. A classe artística é foda. Eles tentam parecer politicamente corretos e justificar a grana que recebem participando de certas paradas como o Teleton (campanha beneficente do SBT em parceria com a AACD). Eles acham que participar do Teleton vai tirar os nomes deles do livrão do inferno. E não é bem por aí. Eles estão mais interessados em ganhar dinheiro do que se preocupar com política e sociedade.
E você se considera um cara politicamente incorreto?
Muito pelo contrário. Sou politicamente correto. Por mais que eu fale muito palavrão e besteira, tenho a minha ideologia que vem do movimento punk. Tenho um senso crítico muito forte e uma base anarquista de enxergar o mundo.
PRECONCEITO E DINHEIRO
Falando no "Sem Chance", você tem aversão a homossexuais?
Eu tenho por criação. O brasileiro tem preconceito. Quem falar que não tem está mentindo. Eu aprendi a conviver com os gays. Teve uma fase da minha vida que eu passei a tomar ecstasy e freqüentar as boates techno. Fiz várias amizades e aprendi a conviver com os gays. Vi que é gente normal. Eu já fui acusado de homofóbico por causa das minhas brincadeiras com o Max Fivelinha. Mas os gays me amam.
E qual é o seu preconceito?
Eu tenho preconceito com playboy folgado.
Mas você foi garoto-propaganda da Volkswagen, digamos que foi de carro de playboy.
Acontece que com o dinheiro comprei meu apartamento.
Então dinheiro é tudo para você?
Não. Mas era uma oportunidade que eu não podia deixar passar por causa de uma ideologia. Eu não sou trouxa. Eu ganho quinze vezes menos que o Marcos Mion. Se fosse por dinheiro eu já tinha parado o Ratos do Porão e montado uma banda pop bem idiota, com uma mulher rebolando. As pessoas vencem pela bunda ou pelo rosto. Não tenho carro e não dirijo. E quem pensa que eu sou rico está muito enganado. Eu não gosto de dinheiro!
SUCESSO
Você sempre foi extrovertido?
Sou tímido, gago e gordo.
Então por que você faz sucesso entre os jovens?
Sei lá. Acho que é a minha espontaneidade. Não tenho papas na língua e falo as coisas na cara. Hoje, estou na MTV e o meu programa é o mais assistido. Não precisei mudar um milímetro para ser o top da MTV. Eu continuo o mesmo cara de 10 anos atrás. Uso as minhas roupas para gravar.
Você já sentiu odiado?
Eu tive uma encanação. Achava que todo mundo me odiava. Hoje, tem medo de mim quem é idiota. Criança me ama e velha também me ama. Eu sou um cara emotivo. Eu choro em filme. Choro às vezes por nada.
Me dá um exemplo.
Eu chorei com o final de X-Men 2. Fiquei chocado. Mas eu odeio romance. Gosto de ET, distorções genéticas, satanismos, explosão atômica e capeta.
Quem são seus símbolos sexuais?
Minha esposa: Viviane Torrico Benedan, argentina e gostosa.
CASAMENTO E FILHOS
Você está casado, desde quando?
Estou casado desde sábado (17). Ninguém sabe ainda. Estou contando agora. Já morávamos juntos desde o começo do namoro. Como ela é argentina, a gente precisava casar para regularizar a situação dela no Brasil.
E filhos?
Eu sempre fui autodestruivo. Nunca pensei que fosse construir família e futuro. Agora eu penso em ter filho. Eu quero deixar um descendente gordinho aí. Filho não é um sonho porque já vou ter.
Então, a Viviane está grávida?
Não. Mas vai ficar porque isso é fácil. A natureza segue seu curso. (risos)
Você consegue se imaginar pai?
Vou ter que dividir meus brinquedos com meu filho. Isso não vai prestar. Não sou egoísta, mas tenho ciúmes. Tenho uma coleção de brinquedos cabulosa. E é obvio que também vai ser do meu filho. Mas eu conheci um cara tão egoísta que ele falava que quando morresse queria ser cremado com todos os brinquedos dele. Aí eu pensei bem e disse: "será que não é uma boa idéia?" (risos). Segundo meus amigos, ser pai é muito mais forte que qualquer droga.
Em algum momento você pensou em adotar uma criança?
Eu acho que eu tenho condições de ter filho. Vou adotar pra quê? Aliás, é uma possibilidade sim. Tem gente que prefere cachorro, não é? Mas eu gosto de criança.
O que você não suporta numa mulher?
O mal-humor da própria. Tem que ter uma paciência de Jó para aturar.
TRAUMA
Você disse que é tímido. Do que, por exemplo, você tem vergonha?
Tenho vergonha de ser gordo. Tirar a camisa em público. É um trauma, desde criança. Quando você é moleque e tira a camisa em público, vem um coleginha e aperta seu peitinho. Hoje, eu mato se alguém fizer isso comigo. Pulo no pescoço.
ocê está vaidoso depois que perdeu 36 quilos com a redução de estômago?
Eu não era. Mas comecei a melhorar isso porque estou emagrecendo. Fico olhando no espelho para ver como é que está. E eu acho o maior barato.
E arrependimento. Você tem algum?
Estou com 39 anos e não tenho arrependimento. Faria todas as besteiras de novo. Tomaria todas as drogas de novo. Fumaria cigarro de novo. Faz três anos que parei de fumar porque sofri um derrame pleural e quase morri.
DROGAS E MOVIMENTO PUNK
E por falar em drogas...
Hoje, elas estão longe de mim.
Você faz algum alerta para seus fãs?
Eu não tenho que passar esta mensagem. Eu vejo um cara com 20 anos detonando ecstasy. Vou falar o quê? Quem sou eu para falar mal de drogas?. Com 20 anos eu era mais louco do que eles. A minha adolescência durou até os 38 anos. Curte aí, agita aí. Se eles conseguirem passar desta fase horrível, boa sorte! Meu pai sempre falava que eu ia para o hospício, cadeia e a sarjeta.
E como foi a sua recuperação?
Eu emergi do fundo do poço sem religião. Eu quase morri, não acreditei e quase morri de novo. E aí em pensei: "bom, é hora de tomar jeito". Parei de beber e automaticamente de usar drogas.
Qual é a sua droga hoje?
Minha droga é jogar videogame.
Você tem medo de morrer?
Eu tinha. Minha perspectiva de vida aumentou para 20 anos. Do jeito que eu tava eu podia morrer a qualquer momento ou nos próximos dois anos. Mas agora não.
Em qual momento da sua vida seus pais perceberam que você tinha uma personalidade diferente?
Eu nunca fui muito chegado à família. Sempre fui brigado com meu pai. Fiquei oito anos sem falar com ele, que não gostava do fato de eu ser do movimento punk, fumar maconha e andar com roupas esquisitas e tatuado. Eles começaram a me aceitar do jeito que eu sou quando viram que comecei a ganhar um troco.
Você está dizendo que dinheiro e fama o aproximaram da sua família?
Não o dinheiro ou a fama, mas a segurança. Eles viram que eu não fui parar nem sarjeta nem no hospício, como pensavam.
Você deu muito desgosto para seus pais?
A vida inteira eu dei desgosto para meus pais. Eu sou campeão do desgosto. Tenho uma irmã que era o oposto de mim. O que eu tinha de maloqueiro e maluco, ela tinha de careta.
O que você pensa em ensinar para o seu filho?
Quero ensinar a jogar xadrez. E não vou forçar nada.
Você uma vez disse: "perdoar é divino e errar é humano". Você perdoou os punks que o criticaram quando você deu a cara na televisão?
Eu perdoei porque estou há 20 anos colocando a minha cara para bater e eu já vi gerações e mais gerações de idiotas aparecerem e sumirem. Esse mesmo punk que me critica vai ser engolido pelo sistema e, um dia, virar pai de família, polícia ou evangélico. E eu estou ainda do mesmo jeitinho, sem mudar nada.
Hoje, você tem alguma crise existencial?
Não tenho muita crise hoje. Estou na expectativa de novos horizontes. Crise de maluco eu não tenho mais. Quando você para de usar droga, como cocaína, muito das suas paranóias acabam. Eu tinha problemas porque era muito louco e gordo. Deixei de ficar louco e estou emagrecendo, então os meus problemas estão acabando. Não faço questão de morrer velho, mas esta perspectiva de montar uma família é uma coisa doida. São novidades extremas pra mim.
