Tim Vickery: Fazer do mundo um aeroporto gigante dificilmente vai parar o extremista disposto a morrer
Para colunista da BBC Brasil, tecnologias como o controle de torcedores em estádios via biometria não são suficientes para garantir a segurança, além de serem uma arma em potencial na mão de governos autoritários.
Aperto o botão e avanço rápido 26 anos, e lá estava eu na bancada do Redação SporTV, com o programa debatendo uma medida tecnológica a ser aplicada no jogo do futebol entre Atlético Paranaense e Coritiba. Pela primeira vez no Brasil, para entrar em qualquer setor do estádio seria preciso passar por uma confirmação de identidade.
Como escreveu o site da ESPN Brasil, "no momento em que o espectador colocar sua digital no leitor biométrico, um conjunto vai informar se a pessoa é a titular do cartão ou ingresso e também se há contra ela mandado de prisão em aberto ou restrição para entrada no estádio, devido a alguma pena".
Os meus colegas na bancada achavam isso uma maravilha, um avanço tecnológico capaz de diminuir a violência e ajudar em várias investigações. Não discordo. Mas fui o único lá a mostrar alguma preocupação com as implicações dessa tecnologia.
Temo que o mundo possa ser transformado num aeroporto gigante, e, já que é muito difícil parar o extremista disposto a morrer, vamos ter mais perdas do que ganhos no processo.
Vivemos num mundo caracterizado pela desigualdade - o que acontece no Brasil é uma versão extrema de uma tendência mundial. E o modelo atual, com a dominância do capital financeiro, tende a reproduzir mais ainda tal desigualdade.
Uma consequência óbvia disso é a corrida para soluções autoritárias. De condomínios fechados até governos raivosos. Isso é cada dia mais claro no Brasil, onde um general até fala em intervenção militar para colocar ordem na casa, e tem quem ache isso uma ideia razoável. E não há dúvida de que esse tipo de tecnologia biométrica favorece um governo autoritário, de qualquer lado ideológico, buscando impor controle total.
Entre os meus pesadelos pessoais é o sumiço do dinheiro físico. O fim de cédulas e moedas seria triste. Com o dinheiro totalmente digitalizado, o acesso a ele pode ser cortado por uma autoridade central.
A desculpa inevitável seria que o elemento tem ligações com o extremismo, então qualquer medida contra ele é válida. Mas, na medida em que o poder corrompe, não é fácil confiar que um Estado autoritário vai saber diferenciar um extremista de uma voz contestadora - uma coisa que é saudável em qualquer sociedade, mas que sempre incomoda os manda-chuvas.
A grande verdade é que a liberdade sempre tem um preço. Nunca vem de graça - tem que ser conquistada. Tem um preço para ganhá-la, que pode ser pago em anos de luta e com o sangue de mártires. E tem um preço para mantê-la, que pode ser pago na vigilância do poder e a briga para não cair em armadilhas autoritárias.
Muito tempo atrás, no que parece agora uma outra vida, eu era gerente de um teatro no centro de Londres. Na época, o início dos anos 90, houve uma série de atentados na cidade organizados pela IRA, o grupo irlandês que lutava por independência.
Um dia, junto a outras pessoas de cinemas, museus e teatros na área, assisti a uma palestra da polícia sobre como lidar com esse tipo de incidente. Aprendi que uma bomba com grande poder destrutivo cabia dentro da caixa de um Big Mac. Cheguei a uma conclusão - é muito difícil parar o extremista disposto a morrer.
*Tim Vickery é colunista da BBC Brasil e formado em História e Política pela Universidade de Warwick.
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