Luiz Gomes: Qual é o time mais brasileiro na final da Copa América?
Peru, dirigido pelo ex-técnico palmeirense Ricardo Gareca, vai entrar em campo com mais jogadores que atuam em clubes brasileiros do que o próprio Brasil
Você já parou para pensar? Qual é o time mais brasileiro que vai disputar hoje à tarde no Maracanã a grande final da Copa América? Depende do ponto de vista, mas pode ter errado quem respondeu que é a seleção de Tite. E a razão é simples: o Peru, dirigido pelo ex-técnico palmeirense Ricardo Gareca, vai entrar em campo com mais jogadores que atuam em clubes brasileiros do que o próprio Brasil.
Nossos adversários têm, entre os titulares, o ex-são-paulino Cueva, hoje do Santos, o lateral Trauco, do Flamengo e têm, principalmente, esse gigante chamado Paolo Guerreiro, o mais brasileiro dos peruanos, o homem que como poucos na história já teve o privilégio de vestir as camisas dos dois clubes mais populares do país despertando paixão e ódio entre flamenguistas e corintianos. Guerrero, hoje no Internacional, de fato é um caso à parte, um fora de série que se tivesse nascido por aqui fatalmente seria, há muito, o dono da camisa amarelinha de número nove. Fred, Firmino, Gabriel Jesus e companhia que me perdoem.
Já no Brasil, dos três jogadores que atuam aqui - Cássio e Fagner do Corinthians e Everton, do Grêmio - apenas o Cebolinha ganhou espaço nessa Copa América.
Esta, digamos, inversão de nacionalidade, encontra sua explicação nas circunstâncias que movem mercado da bola. Não é uma coisa nova, muito ao contrário, vem se consolidando nas últimas décadas. E, para entender esse fenômeno, é preciso recuar no tempo, até os idos de 1990.
Naquela época, o mundo estava em transformação, o globalismo dava os seus primeiros passos e a Europa se reintegrava após o esfacelamento do Império Soviético e da Cortina de Ferro. Mesmo assim, o futebol do Velho Mundo ainda resistia em abrir-se à essa nova realidade. Até que, em 1995, um mediano meio-campista belga chamado Jean-Marc Bosman decidiu desafiar os caciques da Uefa - e, por tabela, os conservadores velhinhos da Fifa -, dando início a uma longa e dolorosa batalha judicial em defesa de seu direito de jogar onde quisesse.
Bosman, que entrou para a história muito mais pela luta nos tribunais do que pelo talento com a bola nos pés, recorreu à Justiça para que, ao final dos contratos, jogadores estivessem liberados para assinar com outros clubes, o que foi na prática o fim da lei do passe. Mais do que isso, sua vitória na Justiça permitiu que, a exemplo do que já ocorria com profissionais de outras áreas, atletas nascidos nos países da União Europeia pudessem atuar livremente em qualquer país do bloco. Assim, com a lei que levou seu nome, os limites estabelecidos pela Uefa e as ligas nacionais para a contratação de estrangeiros deixaram de englobar os jogadores comunitários. E os grandes clubes europeus passaram a preencher suas cotas buscando a baciadas os grandes nomes do futebol sul-americano, asiático e africano, tornando irreversível esse fluxo. Ou seja: o que foi justo, e ótimo para futebol de lá, acabou, contudo, aumentando o abismo técnico para o resto do mundo.
Atacados pelo poder econômico dos clubes europeus, com a manutenção cada vez mais difícil de seus principais jogadores, desde as categorias de base, os clubes brasileiros, assim como os principais da Argentina e do México, principalmente, passaram a buscar nos países onde o futebol tem menos força econômica - como o Peru que enfrentamos hoje - , jogadores de segunda linha que não despertaram o interesse do mercado europeu e, além de melhores salários veem aqui uma possibilidade de mostrar trabalho para, quem sabe um dia, chamar a atenção dos gigantes.
Há quem diga que foi isso, essa europeização da seleção brasileira, a partir dos anos 90, um dos fatores principais para o afastamento do torcedor da camisa amarela. Contraditoriamente, porém, o que se vê hoje em dia é exatamente o contrário. Como a má organização do futebol brasileiro, a CBF insistindo em manter seu calendário jabuticaba, sem respeitar as datas Fifa, o que irrita o torcedor é a convocação de jogadores, até para as seleções de base, que desfalcam seus times por vezes em momentos decisivos de campeonatos como o Brasileirão, a Copa do Brasil e Libertadores ou a Sul-Americana.
Essa Copa América, de ingressos caros e estádios vazios, de jogos em maioria de um nível técnico apenas sofrível, não empolgou a torcida. Nem mesmo nos jogos do Brasil. Hoje, podemos ser campeões. Vai ser bom. Mas amanhã, é a perspectiva da volta dos campeonatos e os clubes de novo em ação que vai mexer de verdade com a galera. Com jogadores de seleção ou não por aqui, isso é o que importa afinal.