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Luiz Fernando Gomes: 'Os hermanos renascem'

Futebol argentino reage com mudança no direito de transmissão e clubes têm se reforçado com grandes nomes. Tevez está de volta ao Boca Juniors e Pratto chegou ao River Plate

14 jan 2018 - 09h02
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Em poucos lugares no mundo, o futebol e o poder cultivam uma relação tão próxima e promiscua como na Argentina. Desde os tempos que antecederem ao peronismo - movimento surgido na segunda metade dos anos de 1940, com a ascensão do general Juan Domingos Perón à presidência da República, e que até hoje norteia o cenário partidário do país - a política marcou a história dos clubes e cooptou a cartolagem, manobrada ao sabor de interesses, ideológicos algumas vezes, eleitoreiros quase sempre.

AFP
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Foto: Lance!

Foi durante a ditadura militar que essa relação viveu o período mais nebuloso. Embora a Argentina tenha conquistado o direito de sediar a Copa de 1978 antes da chegada ao poder da junta liderada pelo general Jorge Rafael Vidella, o Mundial da Fifa foi o que os homens de farda precisavam para ocultar a face macabra de um regime que torturava, sequestrava crianças e eliminava toda e qualquer manifestação de direito civil. Era vencer ou vencer naquela copa, custasse o que que custasse. A controversa vitória de 6 a 0 dos hermanos sobre o Peru - que resultou na eliminação do Brasil - e episódios em torno da final contra Holanda, dentro do campo e nos bastidores, são componentes de uma história recheada de suspeitas.

Os militares caíram mas, anos depois da democratização, o jogo de interesse dos políticos continuou a influenciar os rumos do futebol portenho. Na guerra que travou durante seu governo contra o grupo Clarín, que edita entre outros o diário esportivo Olé, a ex-presidente Cristina Kirchner usou o futebol como uma arma. Numa canetada só, cassou os direitos de TV que a empresa detinha e estatizou a transmissão dos torneios apertura e clausura. Sob a alegação de que o futebol era um bem público - o Clarín privilegiava os canais de TV fechada -, a emissora estatal era a única a passar as partidas. Nos fins de semana, eram jogos sucessivos, um após o outro, de manhã à noite, já que o compromisso era de que todos fossem mostrados.

A medida pode ter rendido votos ao kirchernismo, mas custou caro. Foi desastrosa especialmente para River Plate e Boca Juniors que viram suas receitas desabarem com a distribuição igualitária das cotas de TV, independentemente dos critérios técnicos, da popularidade ou dos investimentos que cada clube fazia. E o resultado se refletiu em campo, com eliminações sucessivas na Libertadores e um abismo que se abriu em relação à capacidade de investimento dos maiores clubes brasileiros, dos mexicanos e até dos colombianos.

Cristina foi sucedida pelo atual presidente Maurício Macri, não por acaso um político que construiu sua carreira a partir do futebol. Entre 1995 e 2007, ele presidiu o Boca, o que lhe deu notoriedade e o levou à câmara dos deputados e à prefeitura de Buenos Aires, antes de chegar à Casa Rosada. Ao assumir o governo, Macri pôs fim ao programa Fútbol para Todos e privatizou outra vez as transmissões. Enfrentou reações iniciais - o rompimento do contrato estatal foi um dos motivos da greve dos jogadores que atrasou o início do campeonato do ano passado - mas os clubes conseguiram, de fato, um valor que praticamente dobrou o que vinha sendo pago pelo governo. A Fox e a Turner ofereceram luvas de 1,2 bilhão de pesos (R$ 243 milhões), e garantiram outros 3,2 bilhões de pesos (R$ 650 milhões) por ano do contrato. As duas emissoras dividem as partidas, de novo centradas nas TVs por assinatura.

O efeito da mudança foi imediato e o futebol argentino reage. Lucas Pratto trocou o São Paulo pelo River e Tévez voltou da China para sua terceira passagem pelo Boca.As contratações caras, algo impensável há dois ou três anos, causaram espanto e surpresa por aqui. Mas são apenas a face mais visível de um novo tempo que começa por lá. Os dois atacantes se apresentaram essa semana com um discurso nacionalista e falando em vencer a Libertadores. Pode não acontecer desse modo, mas, como há anos não ocorria, os gigantes argentinos virão com força total para reconquistar a América. Palmeiras e Flamengo, adversários de Boca e River já na fase de grupos que se cuidem.

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