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Entenda o caos que fez a Conmebol tirar jogos da Colômbia

País, que também abrigaria o duelo entre Junior Barranquilla e Fluminense pela Libertadores, lida com clima de convulsão social

6 mai 2021 - 09h02
(atualizado às 09h09)
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O futebol mais uma vez se viu cercado por problemas sociais que assolam a América Latina. Desde a semana passada, protestos contra uma proposta de reforma tributária enviada pelo governo ao Congresso foi o estopim para protestos nas ruas e conflitos entre manifestantes e policiais em diversas regiões da Colômbia. O clima de guerra, em especial durante a pandemia de covid-19, mudou de local até o momento cinco partidas: três pela Copa Libertadores e duas pela Copa Sul-Americana.

Mesmo após ter desembarcado em Barranquilla, o Fluminense teve de reorganizar sua rota para voar para Guayaquil. Após muito impasse e até a pressão de uma organizada do Junior Barranquilla, o confronto com os Tiburones, válido pela terceira rodada da Copa Libertadores, foi remanejado para a cidade equatoriana.

Os confrontos do Independiente Santa Fe com o River Plate, válido também pelo Grupo D, e do Atlético Nacional com o Argentinos Juniors, pelo Grupo F da Libertadores, "migraram" para Assunção. A capital paraguaia também sediará o confronto entre La Equidad e Lanús, pela Copa Sul-Americana. Já o jogo entre Tolima e Emelec foi transferido para Lima.

As ruas da capital Bogotá e de cidades como Armenia e Barranquilla ecoam a insatisfação da população. As manifestações contra medidas do presidente Iván Duque, convocadas por centrais sindicais e movimentos sociais, vêm ocorrendo desde a semana passada. Os conflitos nas ruas já causaram ao menos 19 mortes (18 civis e um militar) e feriram mais de 800 pessoas.

Professor de Comunicação e integrante do Grupo de Investigação em Comunicação, Cultura e Mudança Social da Universidad del Norte, Jair Vega detalhou ao LANCE! um panorama da situação política do país.

"O governo de Iván Duque não avançou na implementação do Acordo Final de Paz com as Farc (encaminhado pelo presidente anterior, Juan Manuel dos Santos, com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e, na economia, tomou medidas que ajudaram a elite, os bancos... Estes fatores desembocaram em uma mobilização muito forte em 21 de novembro de 2019. A partir daí, o presidente Duque acenou com um acordo para um diálogo nacional. Porém, logo depois, trouxe condutas que não incluíram as propostas sociais e voltaram-se apenas para os temas de seus pares", afirmou.

Uma das propostas que levaram as pessoas às ruas foi com relação aos impostos. Duque enviou ao Congresso uma proposta de aumento de 19%.

Vega não mediu palavras ao expor o que chama atenção na reação vista nas queixas das marchas.

"Hoje, se as pessoas vão para as ruas marchar sabendo que estamos nos picos mais altos da pandemia e com os hospitais cheios é porque as pessoas têm mais medo de ficar em casa, aceitando as reformas políticas do governo do que ir às ruas para marchar, mesmo sabendo que estamos nos picos mais altos da pandemia e com os hospitais cheios", - e foi taxativo:

"Esta sensação de que há mais risco de permanecer no seu lar do que sair e se arriscar a ser infectado pela covid-19 mostra realmente o estado de desespero da população. Principalmente, em um momento no qual estão marchando jovens de universidades públicas, privadas, professores, dos sindicatos. São protestos bem massivos no país", completou.

O país tem 76.015 mortos em decorrência da Covid-19. Até o momento, 93.939 pessoas foram infectadas, enquanto 2.754.940 foram consideradas curadas.

Professor de comunicação da Universidad del Norte, Camilo Perez também apontou outros fatores que acentuaram os problemas da crise na em território colombiano.

"Duque se mostrou ineficaz ao não reconhecer as dificuldades de seu povo e voltar suas atenções para o grupo econômico mais forte economicamente do país. A proposta tributária aumentou impostos de um povo que já não consegue satisfazer suas necessidades básicas, especialmente em um momento no qual há desafios no país em virtude da pandemia", declarou.

As manifestações ocorrem em um país que tem sua história ainda marcada por uma relação complexa em relação a movimentos sociais.

"Ao contrário de outros países da América Latina, a Colômbia não teve um regime ditatorial nas últimas décadas. O que aconteceu foi uma elite que conduzia o poder. As respostas foram os movimentos sociais, como as Farc, que se voltou para a reforma agrária, o ELN (Exército de Libertação Nacional) e o M-19 (Movimento 19 de Abril). Além disto, a Farc criou um partido, a Unión Patriótica, cujas vítimas foram exterminadas. Depois, estes movimentos ficaram muito localizados, uma vez que ficaram associados às guerrilhas e, por isto, muito estigmatizados", disse Jair Vega.

Camilo Perez contou as imagens vistas nas marchas.

"Ao redor da forma como estigmatizaram reações sociais colombianas, havia nas ruas os jovens que se depararam com uma repressão desmedida. E, ao mesmo tempo, ocorreu por parte dos manifestantes o massacre aos policiais, assim como saques ao comércio" - e destacou:

"Há uma situação muito complexa na Colômbia. Além da incerteza causada pela pandemia, algumas pessoas vão a estas manifestações por serem meros vândalos ou até infiltradas por grupos. O objetivo é gerar violência para deslegitimar os movimentos sociais e justificar condutas duras por parte da repressão policial", completou.

JOGADORES SE SENSIBILIZAM COM A SITUAÇÃO

Os tempos de conflitos não passaram batidos por atletas. Téo Gutiérrez foi um dos que se manifestaram.

"Senhor Jesus Cristo, te peço misericórdia por meu país e que sejas o governador desta nação".

Hinestroza se manifestou sobre caos na Colômbia (Reprodução / Instagram @freddy_hinestroza)
Hinestroza se manifestou sobre caos na Colômbia (Reprodução / Instagram @freddy_hinestroza)
Foto: Lance!

O meio-campista Freddy Hinestroza, o lateral-direito Viáfara e o atacante Sandoval também se manifestaram publicamente sobre o assunto.

Entre os que atuam no Brasil, o meia venezuelano Cazares, do Fluminense, e o atacante argentino Germán Cano, do Vasco, também se manifestaram.

O professor Jair Vega avalia o posicionamento dos atletas diante desta situação.

"É uma questão muito pessoal. Aqui na Colômbia vemos a reação um pouco maior e mais contundente entre os artistas. Os desportistas agem de maneira mais neutra, mais autêntica...", disse.

Vega crê que não havia condições das regiões colombianas receberem partidas de competições continentais.

"A escalada da pandemia da Covid-19 já tornava preocupante a realização de partidas de futebol, em especial em Bogotá. Com as manifestações e as ruas tomadas, ficaria ainda mais complicado. O poder público e as equipes teriam de lidar com paralisações e fechamentos", detalhou.

Camilo Perez aponta que os distúrbios podem culminar em medidas de proporções mais drásticas no país.

"Há um temor do governo assumir posturas repressivas. Não dá para descartar que o presidente Iván Duque decreta "conmoción interior" (decrete estado de sítio) e legitime o uso da força militar. Há os desdobramentos da reforma tributária e também a pauta da reforma da saúde, que podem trazer outras consequências nas ruas", disse.

A incerteza tende a rondar também os clubes colombianos e as rotas de partidas válidas pelas competições sul-americanas futuramente marcadas para os estádios locais.

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