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Brasileiro supera dificuldades, brilha no MMA e disputa título na Rússia

De origem humilde no interior do Amazonas, brasileiro supera série de dificuldades através do MMA e fala de expectativa para disputar título de um dos maiores eventos do mundo

30 out 2019 - 14h11
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* A história de grande parte dos lutadores de MMA está diretamente relacionada com casos de superação, sérias dificuldades e acontecimentos que os tornam prontos para encarar todo e qualquer desafio que apareça dentro do cage. Com Francisco de Assis, não é diferente. Nascido no interior do Amazonas, o lutador partiu para Coari ainda na adolescência e, através do MMA, viu sua vida mudar completamente.

De Assis brilhou no MMA nacional e agora vai em busca do cinturão do ACA (Foto: Divulgação)
De Assis brilhou no MMA nacional e agora vai em busca do cinturão do ACA (Foto: Divulgação)
Foto: Lance!

A caminhada, no entanto, não foi nada fácil. Desde as dificuldades na infância, De Assis, como é conhecido, sempre trabalhou com os pais, mas a ida para Coari mostrou os dois lados da moeda. Se a caminhada foi repleta de "espinhos", com trabalhos voltados para a agricultura e um emprego em uma loja de materiais de construção, o início promissor no Jiu-Jitsu e a ida para o MMA foram o alicerce para uma vida mais confortável.

Hoje aos 31 anos e com um cartel de 15 vitórias e três derrotas no MMA, o amazonense mora no Rio de Janeiro e faz parte do plantel do evento russo ACA (Absolute Championship Akhmat), onde vem de duas vitórias seguidas e no dia 14 de dezembro, em São Petersburgo, disputará o cinturão peso-galo da organização diante do atleta da casa e atual dono do título, Rustam Kerimov, que está invicto no MMA, com 13 vitórias.

Conheça a história de Francisco e a entrevista com o lutador:

- Dificuldades durante a infância no interior

Foi um momento muito difícil. Eu morava no interior, próximo ao município de Coari, comunidade Ribeirinho, e eu pescava com minha família, fazia farinha, plantações de abacate, banana, abacaxi, essas coisas de agricultor. Nessa época, a gente não tinha condições e passávamos por grandes dificuldades. A gente comia coisas naturais, como peixe, que pegávamos na hora, farinha, coisas das plantações. Eu saía com minha família para um terreno que tínhamos e a gente remava por volta de 1h em uma canoa, e ainda tínhamos que caminhar por 40 minutos para chegar nesse terreno para trabalhar na roça. Era assim todos os dias, para termos da onde colher, fazer farinhas, plantar, debaixo de um sol fortíssimo. Era dessa maneira que a gente conseguia sobreviver.

- Ida para Coari aos 14 anos

Isso foi no início. Eu nasci, me criei e me entendi no mundo trabalhando na agricultura, sempre meus pais me ensinaram a trabalhar e buscar as coisas com humildade e honestidade. Com 14 anos, eu me mudei para Coari, município que hoje é minha terra querida. Chegando lá, eu não conhecia ninguém e meu pai tinha uma casa velhinha de madeira e fui para lá para terminar os estudos. Na época, meus pais deixavam 20 reais para eu passar a semana, porque eles iam para o interior pescar e colher as plantações durante uma semana, para chegar no sábado e trazer farinha e peixe. Foi um momento muito difícil para mim, porque eu comia 1 real de salsicha, 1 real de ovo, só no almoço ou no café, eu não jantava. Eu tinha que fazer alguma coisa, e através disso eu passei fome, porque eram só 20 reais para passar a semana. Quando não tinha comida, eu pegava a farinha, misturava com sal e água e comia, era uma forma de sustentar um pouco até meu pai chegar. Também tinha uma mangueira atrás de casa que dava fruta na época e eu aproveitava para comer manga com sal. Quando meus pais chegavam no final de semana, as coisas melhoravam.

Teve uma época que meus pais chegaram, num domingo, e na segunda eles tinham que voltar para o interior. Eu fui com eles até o porto da cidade, eles entraram na canoa, eu tomei benção e eu os vi partindo, na época com 15 anos de idade, e me deu um sentimento forte e pensei: 'Meus pais fazem de tudo para me dar o melhor, são batalhadores, eu preciso fazer alguma coisa para ajudá-los'. Foi quando eles viajaram e eu fui atrás de um trabalho. Encontrei uma loja de materiais de construção, pedi um emprego e ele não queria dar, porque eu era menor de idade. Insisti, expliquei a situação e consegui o emprego. Por dia, a gente entregava muitos tijolos, às vezes eu passava a noite trabalhando quando chegavam mercadorias de construção. Eu sempre trabalhei pesado e passei a ganhar 70 reais por semana. Para quem passava a semana com 20 reais, com 70 eu estava rico (risos). Brincadeiras à parte, foi quando eu tive a chance de poder ajudar um pouco meus pais. De dia eu trabalhava e à noite eu estudava.

- Início nas artes marciais através do Jiu-Jitsu

Abriu um CT em Coari, fui dar uma olhada e tinha Jiu-Jitsu, Judô e Jiu-Jitsu sem quimono. Fiquei olhando, perguntei como era e me informaram que era um projeto social, que eu poderia treinar sem pagar. Comecei sem quimono, porque não tinha condições de comprar um, fui gostando, aprendendo rápido e tive uma boa evolução. Com 16 anos, fizeram um campeonato interno e eu ganhei na categoria e no absoluto, e daí começaram a falar que eu tinha talento e tinha muita força e resistência. Depois disso, comecei a disputar torneios em Manaus. No mesmo ano, em 2008, eu lutei num evento de MMA em Coari e consegui vencer.

- Ida para o MMA e ida para a Team Nogueira

Quando iniciei no MMA, eu não sabia muita coisa, então eu tinha um certo medo de sair na mão (risos). Às vezes eu ia para o treino com dor de cabeça, porque não tinha comido nada, não tinha muitas condições de me alimentar bem e as pessoas me perguntavam o que eu tinha, mas eu não falava. Por conta da minha dedicação, de conquistas, fui conhecendo outras pessoas, que foram me dando suporte, apoio, o que me motivou cada vez mais. Com isso, eu parei de competir no Jiu-Jitsu e passei a focar no MMA. Lutei em Coari e venci, também venci em Manaus. Fiz seis lutas e ganhei cinco, depois lutei mais uma e perdi. Deu uma 'desmotivada', mas continuei... Na época, teve um evento em Coari e o José Aldo estava presente. Lutei pelo cinturão do evento e graças a Deus consegui vencer. Depois de conquistar o título, o Cido Accioly me entrevistou e eu pude falar e pedi uma oportunidade no Rio de Janeiro. Ele disse que ia ver, mas eu nem criei esperanças. Depois de duas semanas, ele me ligou dizendo que tinha vagas para mim na BTT e na Team Nogueira. Ele me colocou para falar com o Rogério Minotouro e eu fiquei emocionado. Me explicaram como funcionava e disseram que eu moraria no alojamento, dizendo que eu só teria que me preocupar com alimentação.

Corri atrás de patrocinadores e muita gente deu uma força em Coari para comprar minha passagem. Quando cheguei no Rio, em 2012/2013, conheci os irmãos Nogueira e fiquei impressionado com a estrutura. Fiz um teste durante a semana, gostei dos treinos e eles gostaram de mim e disseram que eu estava aprovado para fazer parte da equipe.

- Trajetória no Rio de Janeiro e novas dificuldades

Eu já moro há sete anos no Rio, fazendo parte da Team Nogueira. Em cinco anos, ganhei o cinturão do Max Fight, do Coliseu MMA e fui ranqueado como um dos melhores pesos-galo do Brasil em 2015/2016. Apesar disso, me desanimei um pouco, porque ainda não conseguia ajudar minha família como queria, os eventos que eu lutava não me davam muitas condições. Fiquei desacreditado, liguei para os irmãos Nogueira e disse que eu não queria mais viver da luta, que queria ir embora para casa, porque tinha chegado no meu limite. Cheguei a passar fome, porque aconteceram algumas coisas na minha vida pessoal que acabaram afetando na vida profissional. É muito importante o atleta estar bem psicologicamente, e eu não estava.

Eu tinha um sócio numa academia, que se chamava De Assis Gold Team, foi quando eu tive uma divisão com o sócio lá e ele começou a colocar a população de Coari contra mim. Contava uma história, sendo que a história real era outra. Eu estava passando muita dificuldade aqui no início, ele não me ajudou e depois que começou a ganhar dinheiro, me abandonou e eu comecei a passar fome. Eu não falava nada para os irmãos Nogueira, porque eu não tinha muita intimidade, não conhecia muito bem e acabava sofrendo sozinho. Isso me afetou muito profissionalmente, eu não conseguia lutar, não tinha evento... Eu ligava para minha mãe e ela chorava, meu pai também e isso foi muito complicado, porque sempre fui muito apegado, nunca tinha saído de perto deles. Eu queria ajudar, mas não tinha condições. Fiquei desesperado e realmente quis desistir. Os irmãos me apoiaram, aconselharam, mas eu realmente queria ir embora.

- Volta por cima

Eu ainda não conseguia ajudar minha família como eu gostaria. Comprei passagem numa quarta-feira pra voltar no domingo. Durante esse tempo, acabei encontrando um rapaz, o Rafael, que me chamou pra uma vigília na igreja. Achei estranho, porque nem conhecia direito o cara, mas eu fui. O pastor de lá disse, sem me conhecer, que eu queria desistir de tudo, mas que eu iria fazer uma viagem pra fora do Brasil. Pô, eu com passagem para voltar para casa e vem um pastor me dizer que vou para fora do país? Foi quando na sexta, o Davi Ramos (atual lutador do UFC) me ligou dizendo que havia conseguido um contrato de seis lutas na Rússia para mim. Foi quando eu comecei a chorar e vi que minha vida poderia mudar a partir daquele momento.

- Início no ACA

Assinei contrato com o ACA e minha primeira luta foi em Dubai, contra um russo Top 5 do ranking, venci e fiquei muito feliz. No começo de 2019, enfrentei o Top 2 do ranking e voltei a vencer. Agradeço a Deus por todas as conquistas, aprendizados e dificuldades, porque isso só me fortaleceu. Fiz um trabalho psicológico, de coach com o Rogério Minotouro, que foi e é um cara que me ajudou muito, não tenho palavras para agradecê-lo, porque tive um crescimento notável na minha carreira com a ajuda deles.

- Expectativa por disputa de título no ACA

Agora, estou tendo a oportunidade de lutar pelo título peso-galo do ACA. Só tenho a agradecer a todos que fazem parte disso, principalmente minha família, assim como a Team Nogueira e meus patrocinadores. Sei que posso contar com essas pessoas e estou muito feliz por, enfim, poder ajudar minha família. Vamos com tudo para essa disputa de cinturão e ganhar esse título. Me sinto pronto em todos os sentidos para encarar esse russo, vai ser uma guerra e estou preparado para trazer esse título para o Brasil.

* Por Mateus Machado

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