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Ao LANCE!, Grafite relembra carreira nos campos, fala sobre TV e racismo

Ex-atleta hoje se destaca como comentarista esportivo no Sportv, é ídolo de clubes ao redor do mundo e representante da cultura negra na televisão

29 dez 2019 - 08h29
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Um dos principais atacantes da década passada, Grafite pendurou as chuteiras e levou a excelência que usava no campo para a televisão. Hoje, o ex-atleta rumou para a telinha e se destaca como comentarista no Sportv, usando a experiência de jogador em seus comentários.

No início de 2018, Grafite pendurou as chuteiras. Depois de dois meses de descanso, resolveu iniciar um novo desafio depois de ser convidado para comentar alguns jogos do Campeonato Estadual pela Globo e se destacou. Pouco depois, chegou ao Sportv para comentar a Copa do Mundo da Rússia e roubou a cena. Hoje, é um dos principais destaques da casa e foi eleito um dos melhores comentaristas da televisão esportiva pelos próprios jogadores ao "UOL".

Em entrevista ao LANCE!, Grafite falou sobre os grandes momentos de sua carreira, desde o início nos campos até o sucesso na televisão. Ele começou no futebol profissional com 22 anos.

- Tive um início incomum no futebol, me profissionalizei com 22 anos. Já estava quase desistindo de ser jogador profissional. Já tinha feito testes em alguns clubes do interior de São Paulo, como o Guarani, a Ponte Preta, o Juventus e o Nacional. No Paulista de Jundiaí eu cheguei a ficar 15 dias em 1999. Fui aprovado, mas como precisaria ficar mais dias fazendo testes, não consegui seguir porque já trabalhava, ajudava em casa e tinha uma filha de um ano na época. Foi tudo muito rápido. Como demorou a acontecer, foi bem diferente dos outros meninos, que hoje já ficam no banco com 15 anos de idade. Mas as coisas acabaram acontecendo muito rápido. Eu me profissionalizei em 2000 e, em agosto do ano seguinte, já estava jogando a Série A do Brasileirão. A minha carreira durou 17 anos e foi tudo muito rápido, muito intenso e valeu muito a pena. Atualmente, temos vários exemplos positivos no futebol brasileiro, como o Reinier do Flamengo, o Anthony do São Paulo, o Talles Magno do Vasco e o Pepê no Grêmio. A safra brasileira está muito boa, com bons jogadores para as nossas seleções de base. O importante é que as seleções sirvam de base para a nossa seleção profissional -, afirmou.

Mas até chegar se firmar de vez em um clube de expressão, Grafite passou por diversos clubes até, enfim, chegar ao São Paulo em 2003, onde se destacou e chamou a atenção nacional. Entretanto, um episódio triste marcou sua passagem pelo Tricolor: o caso de racismo sofrido pelo zagueiro Leandro Desábato, em 2005.

- Joguei em sete clubes em quatro anos, uma média de quase dois clubes por ano. O São Paulo foi marcante por diversos aspectos, tanto dentro quanto fora de campo. Teve a morte do Serginho também, que está completando 15 anos. Também fiquei marcado por ter feito os gols da vitória do São Paulo que acabou livrando o Corinthians de cair para a segunda divisão do Campeonato Paulista. Mas de fato o caso do Desábato é o mais emblemático. Naquela noite no Morumbi, ele proferiu ofensas racistas contra mim. O delegado deu ordem de prisão ainda no campo e acabamos na delegacia.

No começo foi difícil lidar com isso, por ter virado um ícone da luta contra o racismo. Recebi críticas e incentivos. Quando eu vi, estava sozinho na luta e aquilo acabou não fazendo bem para mim, para a minha família e para a minha carreira. Por isso, decidi não prestar queixa crime e dar continuidade ao processo. Eu segui a minha vida e o Desábato seguiu também a dele. Não foi fácil. É complicado quando acontece um caso destes, de você ser julgado pela cor da sua pele. A mídia na época inclusive acabou dando mais atenção para isso do que para a minha carreira profissional. Logo depois, tive uma séria lesão que acabou me afastando dos campos e isso foi até bom na época -, revelou.

Quando pendurou as chuteiras, Grafite demorou pouco tempo até descobrir qual seria o próximo capítulo carreira: dois meses. Depois de descansar com sua família, acabou sendo convidado para comentar jogos do Estadual no Recife. Aquele foi o início de uma carreira meteórica. Menos de dois anos depois, o ex-atleta se tornou um dos principais profissionais no Brasil na frente da telinha.

- Logo que eu parei de jogar eu tirei um tempo para descansar. Não durou muito. Depois de dois meses eu decidi me movimentar e largar o sofá. Treinador eu já tinha decidido que não ia ser, porque é um trabalho muito desgastante. O mundo dos empresários é complicado e competitivo. Por isso achei também que não era para mim. Quando ainda estava em Recife, antes de parar de jogar, o Thiago Medeiros, repórter da TV Globo em Pernambuco, sugeriu que eu virasse comentarista. Na época, ele disse que eu tinha uma boa dicção, presença em frente às câmeras e me fez parar para pensar no assunto. Quando eu encerrei a carreira, o George Guilherme, que na época era editor-chefe da Globo em Recife, me chamou para comentar alguns jogos do Campeonato Pernambucano.

Comecei a fazer mais jogos e, quando me dei conta, estava comentando a Copa do Mundo no SporTV, meu primeiro grande teste como comentarista. Recebi um retorno bem positivo do público. Como comentarista, ainda estou engatinhando. Procuro não sair muito daquilo que vivi em campo. Comecei a fazer mais transmissões de jogos agora, o que é bem diferente de comentar em um programa, com comentários curtos, em cima daquilo que acontece na partida. Mas estou feliz, contente e não tive muita dificuldade nessa transição -, relatou.

Um dos grandes dilemas hoje na televisão é o papel do ex-jogador no jornalismo esportivo, que vem sendo cada vez mais frequente nas emissoras e veículos, gerando uma certa rejeição por parte de certas pessoas. Grafite não enxerga tal rejeição, afirmando que 'um complementa o outro'.

- Eu não enxergo essa rejeição. Desde que cheguei na TV Globo eu tenho aprendido muito com os jornalistas e assisto as análises deles nos jogos e programas sempre que posso. O SporTV e a Globo estão investindo muito neste mix de jornalistas e ex-jogadores. Acho que um complementa o outro. Já fiz jogos com vários deles e nunca tive problema. As minhas análises se baseiam naquilo que eu vivi dentro de campo. Eu prefiro falar do gesto técnico e acho que é isso o telespectador quer ouvir dos ex-jogadores, algo mais próximo do que acontece no campo. Existe espaço para todos. Um pode ser o complemento do outro nesta caminhada -, afirmou.

Mesmo há pouco tempo na televisão, Grafite se tornou um dos principais representantes da cultura negra do jornalismo esportivo e acaba sendo um exemplo de inspiração para jovens que desejam seguir o caminho. Grafite afirmou que se sente honrado em ser um representante desta geração e que pode mostrar que eles tem condição de fazer grandes coisas.

- Muita gente vem me falar que assiste ao "Troca de Passes" e o retorno tem sido bem positivo. A gente sofre uma cobrança natural por estar na TV, na bancada e no horário nobre. Eu vejo que sou um exemplo para os jovens que estão buscando o seu espaço no jornalismo e em outras áreas. No futebol é normal você ter fãs e agora eu tenho outros tipos de fãs, como jornalistas e ex-jornalistas. Eu me sinto honrado de ser um representante desta nova geração, podendo provar para eles que temos condição de fazer grandes coisas. Não só eu, mas vejo também a Maju Coutinho, sendo uma representante nossa no jornalismo brasileiro.

Na minha época de jogador era mais difícil ser engajado em outras causas. Agora, como comentarista, eu me sinto mais à vontade para falar sobre esses temas, mas o engajamento sobre racismo no Brasil ainda é escasso. No esporte, ele acontece mais em datas especiais, como o 20 de novembro, ou quando acontecem casos específicos, o que infelizmente vem acontecendo com uma certa regularidade -, finalizou.

Confira outras respostas de Grafite ao LANCE!:

Saída do São Paulo para a Europa:

Grafite fez história no futebol; agora, tenta fazer no jornalismo esportivo (Divulgação)
Grafite fez história no futebol; agora, tenta fazer no jornalismo esportivo (Divulgação)
Foto: Lance!

- Não foi uma saída polêmica porque eu exerci o meu direito de jogador. Eu tinha 50% do passe e era uma boa proposta, que me ajudaria bastante. Era uma oportunidade de jogar no futebol europeu, mesmo não sendo um time de ponta. Eu estava voltando de lesão e era uma incógnita se eu conseguiria voltar a jogar no mesmo nível. Fiz uma coletiva antes de partir e acho agora que, na época, a negociação foi mal conduzida. Mas nós aprendemos com os erros ao longo da vida. Não foi realmente a maneira que eu gostaria de ter saído do São Paulo, foi um prazer ter defendido as cores do clube e ter sido campeão mundial, da Libertadores e Paulista. Acredito que já está tudo superado e estou sempre na torcida pelo clube -.

Chegada ao Wolfsburg e a história sendo escrita na Alemanha:

- A passagem pelo Wolfsburg é, sem sombra de dúvidas, um dos maiores momentos da minha carreira. Por lá eu consegui realizar o que sempre almejei no futebol. Quando eu saí do Brasil e fui jogar no Le Mans (FRA) fui com o sonho de jogar em um grande clube europeu, fazer carreira e ser conhecido na Europa. Um ano e meio depois de chegar na Europa, tive a oportunidade de ir para Alemanha e consegui alcançar o que eu imaginava que só conseguiria alcançar em um grande clube europeu. Logo no primeiro ano, na temporada 2007/2008, conquistamos a vaga para a Europa League, algo que o clube não conseguia há muito tempo.

No ano seguinte, chegamos na Liga dos Campeões, por conta do título alemão. Foi tudo muito rápido. Eu cheguei ao clube e no ano seguinte eu já era campeão alemão, artilheiro e melhor jogador do campeonato. Bati também o recorde de gols de um estrangeiro na Bundesliga, com 28 gols, e junto com o Edwin Dzeko, bósnio que hoje joga na Roma (ITA), tenho o recorde de dupla de ataque que mais marcou gols em uma edição do torneio. São recordes que duram até hoje e dificilmente serão batidos.

Esse ano estive na Alemanha para celebrar os 10 anos da conquista e eu não tinha noção da idolatria que o clube e os torcedores têm por mim. Por lá, onde eu chego as pessoas lembram do golaço de calcanhar que eu fiz contra o Bayern de Munique. Já existia uma certa hegemonia do Bayern, que foi campeão em 2007/2008, e no ano seguinte brigamos com eles até a última rodada, ficando dois pontos à frente. O Bayern já era uma potência naquela época, mas naquele ano nós jogamos muito futebol e alguns jogadores viviam uma ótima fase em suas carreiras. Nós tínhamos uma equipe muito forte e muito boa fisicamente, que jogou um ótimo futebol e ficou marcada na história do clube, o único título alemão da história do Wolfsburg. Fico feliz de ter participado disso -.

Retorno ao Brasil e recepção de herói no Santa Cruz

- O retorno para o Santinha foi sensacional. Eu estava de férias no Brasil, saí para jantar com a minha esposa e encontrei um dirigente do clube. A coisa foi ganhando forma e eles chegaram com uma proposta que me seduziu. A partir daí comecei a pensar se realmente era a hora de voltar. Arrisquei e deu certo. Voltamos para a Série A naquele ano. O começo foi muito bom, no primeiro semestre ganhamos o Estadual e a Copa do Nordeste, mas depois o time caiu de produção. A equipe não conseguiu se segurar.

Mas a volta foi magnífica. Minha apresentação foi em uma quarta-feira, às duas da tarde e eram cerca de oito mil pessoas no Arruda. Eu tive duas passagens pelo clube antes desta (em 2001 e 2002) e já tinha uma identificação, mas hoje ela é ainda maior, por conta desta volta e pelo fato de ser o clube do coração de boa parte da minha família. Fiquei feliz de ter contribuído com o Santa Cruz de alguma maneira e mesmo após a minha saída sou lembrado com carinho pelos torcedores -.

*Sob supervisão de Carlos Alberto Vieira

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