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França campeã sobre o Brasil teve importante papel social, diz Karembeu

Em entrevista ao 'Estado', zagueiro da seleção francesa de 1998 considera que seu país precisa uma vez mais se aceitar como multicultural

30 jun 2018 - 05h03
(atualizado às 05h03)
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Stade de France. Julho de 1998. Numa partida que entrou para a história do futebol francês, o time de Zinedine Zidane bate o Brasil por 3 a 0 e vence, pela primeira vez, a Copa do Mundo. Em campo, porém, a equipe não era apenas de jogadores, mas o espelho de uma sociedade francesa que buscava sua identidade.

Na visão de alguns daqueles personagens, a sensação hoje, quase 20 anos depois, é de que o sentido de união precisa ser resgatado e a França, uma vez mais, aceitar-se como multicultural. Num país com aumento importante de atos racistas, de ataques a diferentes grupos religiosos e com uma periferia vulnerável, as duas décadas da maior conquista do futebol francês parecem uma realidade social distante.

Christian Karembeu, nascido na Nova Caledônia, estava em campo. Ele traça um paralelo entre os movimentos sociais de 1968 e o impacto que seu grupo, em 1998, também teve. Em Moscou para acompanhar a Copa, o ex-jogador falou com exclusividade ao Estado sobre a final contra o Brasil e sua repercussão.

Eis os principais trechos da entrevista:

Vinte anos depois daquela final, qual a memória do senhor sobre aquele jogo?

Era um jogo diferente. Estávamos jogando em casa. Mas o Brasil era o campeão do mundo e tinha um time único. Ronaldo era o grande nome do momento e estava numa forma espetacular. Era uma pressão muito grande contra nós. Entramos com muita vontade de ganhar. Eu estava lá também por saber como alguns brasileiros jogavam, companheiros no Real Madrid.

Surpreendeu ao final o resultado de 3 a 0?

Não foi um acidente. Éramos um grupo humilde, que deixou o ego de todos de lado. Isso, eu posso dizer, foi fundamental.

Então, como explicar?

Naquela Copa, não tomávamos gols. Fomos bem durante toda a competição. Acima de tudo, era um time que estava bem taticamente. Era uma seleção bem estabelecida, que sabia o que estava fazendo em campo. Tínhamos estudado nossos adversários e a concentração era total.

Ao final do primeiro tempo, já estava 2 x 0 para a França. Como estava o lado psicológico do time, em seu próprio estádio?

Entramos no vestiário eufóricos. Não ha como negar. Mas tomamos uma decisão muito clara. Passamos a considerar como se o jogo estivesse 0 a 0.

Por quê?

Dois a 0 era perigoso. Sabíamos que o Brasil não desistiria. Era um time incrível e com jogadores que poderiam mudar a história daquela partida sem nenhum problema. Nossa única opção era a de considerar que entraríamos com o espírito de que ainda precisávamos ganhar o jogo. Lembro-me de, ao entrar em campo, sentir que estávamos preparados para ganhar. E que a vontade era de que teríamos de recomeçar do zero. Acho que foi aquela atitude que nos garantiu o título, o fato de pensarmos até o final de que nada estava garantido.

Politicamente, o que representou aquela vitória da França?

Muito. Foi um momento importante no país, de união. O time mostrou que somos um país com muitas cores, com muitas histórias e com uma base múltipla. Isso continua sendo importante hoje. Ao mesmo tempo, era um jogo importante. Estávamos diante do país que, para mim, sempre soube integrar em sua seleção negros e brancos. Era o meu exemplo e uma referência. Por isso, também vencer aquela equipe com jogadores de diferentes origens era importante.

A ideia do "black-blanc-beur" (negro-branco-árabe, em tradução livre) ainda é relevante, num momento em que o extremismo ganha força?

Aquele time deu um sentimento de união, da aceitação do multiculturalismo. Precisamos hoje nos aceitar assim, plural. Eu diria que, assim como houve a geração de 68, também houve no futebol a geração de 98 e que teve seu papel social.

Pessoalmente, o que representava para alguém que havia chegado da Nova Caledônia ser um herói nacional?

Deixar a Nova Caledônia com 10 anos de idade e vencer uma Copa não vem sem sacrifícios.

Hoje, é um de seus companheiros de 1998, Didier Deschamps, que uma vez mais tenta levar a França a uma vitória. A seleção tem chances de ganhar a Copa?

Sim. Mas acho que o time ainda não se revelou. Essa Copa tem sido muito dura. Outros vivem também essa situação, como a Espanha. Mas potencial, temos sim, para ir à final.

Estadão
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