PUBLICIDADE

Atacante vereador, caiaque e desmanche: como os Estaduais lutaram para recomeçar

Retomada do calendário leva profissionais a se esforçarem para cumprir os compromissos depois de longa paralisação

2 ago 2020 - 05h10
Compartilhar
Exibir comentários

Na cidade portuária de Paranaguá (PR) o vereador Ratinho precisou deixar de lado por uns dias as atribuições políticas para voltar a jogar futebol pelo time da cidade, o Rio Branco. Após quatro anos aposentado e mesmo sem ter treinado com o time, aos 40 anos ele calçou as chuteiras para a equipe conseguir ter 11 titulares nos compromissos restantes pelo Campeonato Paranaense. O esforço dele é o mesmo de tantos outros times, jogadores e dirigentes pelo Brasil: ter de voltar a jogar se tornou muitas vezes um fardo após a pandemia do novo coronavírus.

José Lummertz, preparador físico do Aimoré, usou caiaque para superar enchente e voltar ao trabalho
José Lummertz, preparador físico do Aimoré, usou caiaque para superar enchente e voltar ao trabalho
Foto: Divulgação / AImoré / Estadão

A paralisação de quatro meses exigiu dos clubes menores um empenho gigantesco para cumprir os compromissos adiados, pois o calendário passou a durar bem mais do que o orçamento cobriria. Os recursos minguaram, os jogadores ficaram sem contrato e os técnicos e dirigentes precisaram ser criativos. No interior paulista, o Mirassol perdeu 18 atletas na pandemia. Para reconstruir a equipe antes da retomada do Estadual, o técnico Ricardo Catalá promoveu 11 garotos das categorias de base e contou com contratações emergenciais. "Dentro das condições que tínhamos, foi preciso se reinventar", explicou.

Justamente o sufoco por não ter elenco fez o Rio Branco ter de tirar um membro da Câmara de Vereadores de Paranaguá. O time estava classificado para as quartas de final do Paranaense, porém não teve condições de renovar o contrato de todos os atletas. Como o atacante e vereador Ratinho estava inscrito porque planejava fazer um jogo oficial de despedida, precisou ser acionado para completar time diante do Cascavel.

"Nos dois jogos finais nós só tínhamos os titulares e um goleiro reserva. Sorte que ninguém se machucou. A equipe precisava jogar porque se não entrasse em campo, poderia ser punida com o rebaixamento. Eu nem cheguei a treinar com o time", contou Ratinho. Apesar do espírito esportivo, o Rio Branco perdeu os dois jogos: 3 a 0 e 5 a 0. Agora aposentado de vez, o vereador já está de volta aos afazeres na Câmara.

Em termos de responsabilidade e compromisso com o time, poucos exemplos superam o do preparador físico José Lummertz, do Aimoré (RS). Nem uma enchente o deteve. No dia em que a equipe se reapresentou para a pré-temporada, em 10 de julho, ele só conseguiu sair de casa pela manhã graças a um caiaque. A filha de Lummertz registrou em vídeo o esforço do pai em não perder o compromisso.

"A minha presença era muito importante. Os treinos iam recomeçar e eu precisava avaliar os jogadores. Muitos vieram de longe só para jogar o campeonato", explicou. Lummertz vive em Sebastião do Caí (RS), a cerca de 30 quilômetros de São Leopoldo, cidade onde fica o Aimoré. Por morar em um prédio próximo a um rio e estar acostumado com rotineiras enchentes, o preparador se precaveu e deixou na noite anterior o carro estacionado a algumas quadras de casa, em uma região mais alta. Mas para chegar ao veículo, emprestou o caiaque de um vizinho e remou por 250 metros.

A pressa deu resultado. Lummertz deixou o caiaque na casa de um amigo, entrou no carro e acelerou o ritmo para chegar ao treino, marcado para as 9h30 da manhã. "Eu tinha na cabeça que não podia faltar à reapresentação. Só cheguei 15 minutos atrasado. O presidente do clube até me deu os parabéns pelo empenho. Sorte que quando voltei para casa, à noite, a água já tinha baixado", contou.

SECRETÁRIO DE ESPORTES

Para outro jogador, a volta do calendário significou ter de abrir mão de uma ocupação diferente iniciada na pandemia. O goleiro Wallef, do Afogados da Ingazeira (PE), ganhou fama no Brasil por jogar de boné e ter defendido pênaltis na vitória sobre o Atlético-MG, em fevereiro, pela Copa do Brasil. Quando o futebol foi interrompido, o contrato dele terminou e a saída foi iniciar em outra carreira.

Wallef retornou à cidade natal, São José do Calçado (ES), e por lá atuou durante 45 dias como Secretário Municipal de Esportes. Foi uma forma de garantir algum salário enquanto estava desempregado. "Eu sou amigo do prefeito e ele me convidou. Eu consegui realizar melhorias em algumas praças e fiz requerimento para uniformes novos para as crianças. Também ajudei em projetos culturais", contou ao Estadão.

A gestão de Wallef no cargo terminou assim que o Campeonato Pernambucano recomeçou. O goleiro voltou a usar luvas, chuteiras e o tradicional boné. "O futebol sempre foi a minha prioridade. Só trabalhei como secretário porque estava sem contrato e sem salário. Ainda bem que o campeonato voltou, mas depois de tanto tempo parado, recomeçar foi difícil", explicou.

Estadão
Compartilhar
Publicidade
Publicidade