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'A arbitragem feminina está acompanhando a evolução do futebol feminino'

Primeira mulher na Série A desde 2005, Edina Alves Batista apitou quatro jogos da Copa do Mundo feminina

20 jul 2019 - 04h42
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Em dois meses, a árbitra Edina Alves Batista viveu duas situações marcantes em sua carreira. No dia 14 de abril, ela apitou CSA e Goiás pelo Campeonato Brasileiro e se tornou a primeira mulher a atuar na Série A em 14 anos. A última havia sido Silvia Regina de Oliveira em 2005. No dia 11 de junho, ela conduziu Holanda e Nova Zelândia pela Copa do Mundo Feminina, na França. "A responsabilidade é a mesma", compara a paranaense de Goioerê ao Estado.

Depois de apitar a semifinal da Copa ao lado de Neuza Back e Tatiane Camargo, a árbitra de 38 anos acredita que o crescimento da arbitragem feminina está acompanhando o avanço do futebol feminino. Ao todo, a equipe brasileira apitou quatro jogos na Copa do Mundo, recorde ao lado da equipe francesa, dona da casa. Domingo, Edina vai atuar no jogo entre Atlético-MG e Fortaleza, pelo Brasileirão.

Como foi a experiência de apitar o torneio mais importante do futebol feminino?

Foi um sonho realizado e uma honra muito grande poder representar nosso País. A gente vê nosso nome e a bandeira do Brasil. Eu, a Neuza e a Tati estávamos nos preparando, dando o máximo. A CBF nos ajudou a evoluir nos pilares físico, técnico e mental. Fizemos quatro jogos. Algumas árbitras apitaram apenas um jogo; outras não apitaram nenhum. Nossa seleção brasileira de arbitragem fez quatro jogos, inclusive a semifinal. Não deu para fazer a final, mas eu vou correr atrás no próximo evento.

O jogo entre Inglaterra e Estados Unidos foi uma final antecipada, na opinião da imprensa. Era um dos jogos mais esperados. O Colina disse que não era um presente, era o reconhecimento do nosso trabalho. Fizemos uma primeira fase, nós nos saímos bem e nos deram a semifinal. É uma responsabilidade a mais. Gostaram e fizemos um bom Mundial.

Qual foi o jogo mais difícil?

O mais difícil foi Inglaterra x Estados Unidos. A partida entre China e Itália também foi muito boa, com várias decisões. A Neuza e a Tati tiveram lances difíceis. Também tive um lance de interpretação de pênalti bem difícil. Mas eu tive um ângulo de visão bom e vi que não houve um contato. Passei tudo para o VAR como estava no campo e mantive a minha decisão e, graças a Deus, ela estava acertada. Os jogos foram muito bem jogados tecnicamente também.

Como é a rotina de uma árbitra na Copa do Mundo?

Só treinamento. Nós vamos para o campo todos os dias. Temos que assistir aos jogos e analisamos todos os lances importantes das partidas. Nós só não treinamos no campo um dia depois do jogo, pois é o dia de recuperação, com aquecimento leve, hidroginástica e massagem para relaxar a musculatura. É um acompanhamento muito bom, de outro mundo. A Fifa trata os árbitros muito bem.

Quais as diferenças entre apitar um jogo da Copa do Mundo feminina e um jogo do Campeonato Brasileiro?

Eu amo o nosso País, eu amo o Campeonato Brasileiro. É o melhor futebol do mundo. Mas a responsabilidade é a mesma. Nós queremos ir bem dentro das quatro linhas e dar o melhor para continuar trabalhando. A gente vive de rendimento. Somos seres humanos que estão sujeitos a erros como qualquer outro. Não é a nossa vontade errar, mas as coisas acontecem às vezes. Por um mau posicionamento ou um ângulo diferente de visão. Agora, o VAR é uma nova chance de olhar novamente e tomar uma decisão.

Como a senhora avalia o VAR?

O VAR é uma ferramenta boa, que é preciso saber usá-lo e na hora certa. Estamos em um processo de aprendizado. Com o tempo, as coisas vão entrar nos eixos. Quando a gente começa a andar, a gente cai nos primeiros passos. Depois, você consegue andar normalmente. É a mesma coisa com o VAR. A gente tem de saber usar o VAR na hora certa. É uma nova chance de corrigir um eventual erro. De todo jeito, ainda é o árbitro que decide. Com o tempo, as coisas vão caminhar de maneira correta e estaremos adaptados ao VAR.

Qual é o segredo para usar bem o VAR?

Temos de seguir o protocolo. Se seguir, vai dar certo. Mas estamos aprendendo a andar e ainda não dá para sair correndo. Não é o só o futebol brasileiro que vive esse processo. É o mundo todo. Não é só no Brasil que há aquela divergência de opiniões. E o Brasil saiu na frente de vários países com o VAR no Campeonato Principal. Alguns países ainda não têm VAR. É no mundo inteiro. Com o tempo, as coisas vão se acertar.

Existem diferenças entre a maneira como jogador e uma jogadora se relacionada com a arbitragem?

Tem de ter respeito. Eles precisam respeitar o árbitro e nós precisamos respeitar os atletas. Está tudo bom caminhando para a linha do respeito. No Mundial, eu tenho um jeito meio forte no gestual, não tive problema nenhum. Sabemos conversar e sabemos nos impor. Com o VAR, os jogadores estão respeitando algumas coisas a mais que não estavam respeitando.

Por que?

Eles sabem que o erro acontece por um mau posicionamento, por exemplo, e sabem que vai ter uma checagem. Depois da checagem, todos ficam mais tranquilos.

Os homens reclamam mais?

Sim, é normal. Está no sangue quente do brasileiro. É a adrenalina.

Qual é expectativa para o jogo entre Atlético e Fortaleza?

Estou muito feliz. É meu segundo jogo na Série A do Campeonato Brasileiro. Muitas coisas boas estão acontecendo na minha carreira. Só tenho de agradecer às pessoas que acreditaram no meu potencial e deram oportunidade para mostrar meu trabalho. Quero fazer um grande trabalho no jogo, junto com minha equipe de arbitragem, para seguir em frente.

A senhora vive da arbitragem ou tem atividade paralela?

Estou me dedicando somente à arbitragem. Eu queria ir para o Mundial e representar bem o nosso País. Dividir o tempo impede você de se dedicar integralmente. Tinha o inglês, a parte física, a técnica e a mental. Se você não se dedicar ao extremo, você pode não conseguir dar o seu melhor. Hoje, eu me dedico exclusivamente à arbitragem. Quero ter a oportunidade de representar nosso País na Olimpíada. Fiz um planejamento da minha carreira para mais cinco ou seis anos. É uma responsabilidade muito grande. Eu não quero ir para lá só para ser mais uma. Quero fazer jus ao nosso País, que tem o melhor futebol.

A senhora disse que tem um plano de carreira?

Quero ir para a Olimpíada no ano que vem, ir a mais um Mundial e talvez na Olimpíada seguinte. Depois, eu poderia encerrar minha carreira com duas Copas e duas Olimpíadas. É disso que eu corro atrás. Eu vou batalhar para representar nosso Brasil com qualidade.

A arbitragem feminina está acompanhando o movimento de crescimento do futebol feminino?

Sim, está. Hoje, vemos várias meninas trabalhando na Série B e mais duas na Série A neste final de semana. Leonardo Gaciba (chefe de arbitragem da CBF), juntamente, com a comissão, está dando oportunidade para as mulheres. Agora, depende de nós. A gente precisa se dedicar. É preciso estar bem fisicamente, mentalmente, tecnicamente. O futebol é um mundo concorrido e você precisa estar em alto nível. O futebol feminino cresceu, as competições aumentaram. Esse é o caminho. Vai vir o patrocínio em cima disso.

Esse avanço está inserido no contexto de avanço da mulher na sociedade?

A mulher está buscando seu espaço, mas o homem também busca outros espaços nos quais há predomínio da mulher. Se você fizer com amor e dedicação, você consegue, independentemente do sexo. A mulher está conseguindo seus sonhos. Antes era impossível.

O homem está ocupando espaço das mulheres...como assim?

Existem dançarinos que buscam um espaço que era só das mulheres. Existem homens que cuidam dos filhos de um jeito igual ou melhor do que as mulheres. Isso impressiona. A sociedade está aberta. Qualquer um consegue fazer o que quiser, desde que tenha dedicação, determinação e amor.

O que é fundamental para ser uma boa árbitra?

Dedicação, assistir aos jogos, preparo físico, parte técnica e ter a cabeça aberta para corrigir seus erros. Existem críticas que fazem a gente crescer. Existem pessoas com cabeça fechada. Eu tenho uma autoavaliação da minha partida. Para ser um árbitro, também é preciso se dedicar ao máximo. Se você não estiver preparada, você pode tomar decisões erradas. Um erro pode encerrar a carreira. É preciso estar preparada para a oportunidade. Se você não estiver bem, outro vai pegar o seu lugar.

A senhora tem planos para depois da carreira?

Eu amo a arbitragem. Não sei o que vou fazer depois. Quero apitar. Adoro essa adrenalina.

Estadão
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