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Jogos de Paris

Daiane dos Santos não vê lado 'certo' em caso Arthur Nory

Primeira atleta negra do mundo a conquistar a medalha de ouro na Olimpíada lamenta racismo no esporte

24 jul 2021 - 17h54
(atualizado às 18h08)
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Daiane dos Santos, em 2004, foi a primeira ginasta brasileira conquistar uma medalha de ouro em uma edição do Mundial. Sua importância é tão grande que dois movimentos do esporte foram batizado com seu nome.
Daiane dos Santos, em 2004, foi a primeira ginasta brasileira conquistar uma medalha de ouro em uma edição do Mundial. Sua importância é tão grande que dois movimentos do esporte foram batizado com seu nome.
Foto: AFP / LANCE!

Primeira atleta brasileira a conquistar a medalha de ouro na Olimpíada, Daiane dos Santos ostenta uma das figuras mais representativas dos Jogos Olímpicos. A ginasta foi também a primeira mulher negra a alcançar o pódio do principal evento esportivo do mundo, em 2003. Comentarista da Globo, a ex-atleta, em entrevista ao portal 'Marie Claire', revelou casos de racismo na Seleção Brasileira de Ginástica Artística e comentou sobre a fala preconceituosa de Arthur Nory.

A priori, ela aborda a relevância da conquista do ouro olímpico para o cenário inclusivo de negros na modalidade.

- A gente não falava tanto sobre isso na época, mas é uma coisa natural de acontecer. Quando a gente vê uma pessoa preta em um lugar, ela representa todas as pessoas pretas. Mostra que é um lugar possível. E ainda mais em esportes que não são os que as pessoas estão acostumadas a ver uma pele escura. A repercussão foi mundial, porque eu não fui a primeira negra brasileira, fui a primeira ginasta negra do mundo a ganhar uma medalha de ouro - começou.

- A presença de uma menina negra dá mais confiança para outras que virão. É muito importante que isso aconteça, que venham outros meninos e meninas negras, que estejam em locais que sejam os únicos, ou os primeiros. E que os outros entendam que aquele lugar também é deles. Que não é a cor da pele que vai restringir. O que tentam fazer é nos oprimir. Fazer com que a gente se sinta tão mal a ponto de a gente não se sentir pertencente e nem merecedor daquele lugar - completou.

Em seguida, comenta sobre o caso de racismo envolvendo o atleta olímpico Arthur Nory e Ângelo Assumpção, sem clube desde que denunciou o ocorrido à direção do Pinheiros, em 2019. Na ocasião, o recém eliminado ginasta brasileiro comparou a cor de pele do colega com um saco de lixo. Daiane dos Santos conta que não vê lado certo no episódio.

- Não tenho falado muito sobre essa questão do Ângelo e do Nory. Eu conheço os dois desde que eles tinham oito anos e tem muita coisa atrás dessa história que as pessoas não sabem. Então, se eu não vou ajudar, não vou atrapalhar. Eu já conversei muito com os dois. Muita gente não sabe, mas eles eram melhores amigos e antes do ocorrido, já tinha acontecido muita coisa. O Ângelo não treina já há um tempo. E também tem todo o sigilo do processo, então resolvi não me meter, porque é uma história em que não tem ninguém certo. Muitas pessoas negras vieram me cobrar, para eu me posicionar. Mas tem muitas questões ali - disse.

- A gente ainda vai entender onde houve o erro de cada um na situação. Tudo o que a gente faz, como pessoa negra, nunca é só para a gente. E se eu for me posicionar, eu quero ter certeza de que isso vai ajudar a minha causa. Eu conversei com os dois, vi as cenas, a situação foi realmente asquerosa. Não tem nenhuma justificativa que leve a criar uma situação daquelas. Mas outras coisas existem atrás dessa história, e isso as pessoas não sabem - pontua a ex-ginasta.

Contando sobre experiências pessoais, Daiane dos Santos revela que já sofreu racismo dentro da Seleção Brasileira de Ginástica Artística.

- Acho que não existe uma pessoa preta que não tenha sofrido racismo na vida. O que acontece é que muitas pessoas não entendem o que estão passando, não sabem diagnosticar. No meu caso, sempre foi tudo muito sutil: um olhar diferente, um tratamento diferente. Uma levantada de voz. Várias situações que a gente consegue entender que é sempre a mesma cor que sofre. As vezes é pessoal mesmo, com a Daiane, a pessoa pode não gostar de mim. Mas a gente sabe quando é preconceito racial. E é aí que entra a estrutura familiar, de ter alguém ali te dizendo para ficar, para aguentar, porque vai passar e vai dar certo - afirmou.

- Comigo, houve situações na seleção, nos clubes, de pessoas que não queriam ficar perto, que não queriam usar o mesmo banheiro! Aquele tipo de coisa que nos faz pensar: opa, voltamos à segregação. Banheiros para brancos e banheiros para pessoas de cor. Teve muito isso dentro da seleção. E além da questão da raça, tem a questão de vir do sul, de não ser do centro do país, de ter origem humilde. Ou seja: ela é tudo o que a gente não queria aqui! Eu fingia que não ouvia, porque eu sabia que eu não precisava daquelas pessoas para chegar onde eu queria chegar - conclui.

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