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Após autuações de Neymar, Cuca e Pato, jogadores fazem 'blindagem' para evitar multas da Receita

Atletas aprimoram cuidados com declaração de Imposto de Renda, movimentação financeira e ganhos registrados em direitos de imagem

15 jan 2021 - 22h06
(atualizado às 22h06)
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O zagueiro Adaílton, ex-Santos, jogava no futebol chinês em 2011 quando recebeu um boleto caríssimo para pagar. O valor de R$ 2,5 milhões era uma multa aplicada pela Receita Federal por causa de problemas na sua declaração do Imposto de Renda (IR) de quatro anos antes, época em que ele defendia o time da Vila Belmiro. A situação vivida pelo agora aposentado defensor é cada vez mais comum entre atletas brasileiros. Os órgãos fiscais estão mais rigorosos com as finanças dos esportistas.

Segundo advogados tributaristas ouvidos pelo Estadão, somente de 2013 para cá, pelo menos 300 jogadores de futebol receberam multas da Receita Federal por problemas na declaração do Imposto de Renda. Os valores são pesados. Neymar, por exemplo, chegou a levar uma multa de cerca de R$ 200 milhões. A assessoria do jogador afirmou que ele teve um ganho de causa no Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais) e reduziu para um valor bem menor - cerca de R$ 88 milhões. Já o técnico Cuca, hoje no Santos, foi multado em 2017 em R$ 3,6 milhões e alegou à época que não sabia da ilegalidade. No mesmo ano, o atacante Alexandre Pato, atualmente sem clube, também foi condenado pelo Carf a pagar cerca de R$ 5 milhões.

Fora do futebol, o caso de maior repercussão foi o do ex-tenista Gustavo Kuerten, no qual a Receita cobrou cerca de R$ 7 milhões em multas sobre rendimentos com patrocínios e torneios de 1999 a 2002. Em nota divulgada por sua assessoria de imprensa, ele disse que, se seu objetivo fosse burlar o Fisco, teria ido morar no exterior. "É lamentável a decisão", criticou.

Os atletas e técnicos costumam receber os salários divididos da seguinte maneira: 60% do valor total do salário é pago para a pessoa física e os outros 40% são destinados como direito de imagem, que são registrados em nome de uma empresa. E é justamente nesta última modalidade que a Receita Federal está de olho. Procurada pelo Estadão, o órgão não retornou o contato para comentar as autuações.

A divisão entre as duas formas de recebimento chama a atenção dos auditores fiscais por causa do valor recolhido em imposto. A tributação sobre o salário chega a 27,5%, além de encargos trabalhistas, como férias, FGTS e 13.º salário. Já no direito de imagem, é de no máximo 15%. Por isso, há o rigor para verificar se ao receber em nome de uma empresa não há uma tentativa por parte do atleta e do clube de pagar menos impostos. Erros na declaração do IR, falta de documentos e imprecisão nas informações também abrem brechas para problemas.

Adaílton se lembra bem do erro que causou a multa. "Abri uma empresa para receber o direito de imagem. Mas, como demorei para emitir a nota ao clube, recebi o conselho de uma contadora de que eu poderia receber os pagamentos na minha conta pessoal. Segui uma orientação equivocada", contou. O ex-zagueiro revela ter gasto até hoje cerca de R$ 200 mil com advogados para conseguir reduzir a multa. O processo ainda não terminou. "Depois de tudo isso eu aprendi o quanto é importante cuidar da nossa declaração", disse.

O advogado tributarista Rafael Marchetti Marcondes é autor do livro A Tributação do Direito de Imagem de Artistas e Esportistas e pesquisa a fundo o tema. Segundo ele, a Receita Federal tem uma equipe específica para verificar atentamente a declaração de renda de jogadores e artistas, profissões que costumam receber valores elevados em direitos de imagem nos contratos profissionais.

"Muitas vezes, o jogador é assessorado por um amigo, não por alguém com experiência na área tributária. E a entrega do IR se torna complicada porque o atleta tem muitos bens, precisa juntar muitos documentos", explicou. "Infelizmente o esportista só vai aprender a ter cuidado depois de ter sido autuado por uma multa pesada", disse.

O empresário Marcelo Claudino se especializou justamente em prestar serviços financeiros e contábeis para atletas. A empresa dele presta assessoria para mais de 80 atletas e tem como um dos pilares auxiliar os jogadores a declarar o IR. Por causa do constante rigor da Receita, o acompanhamento tem sido cada vez mais cuidadoso. "Um dos erros mais comuns dos esportistas que deixam o Brasil é não fazer a comunicação de saída do País. Fora que existem clubes brasileiros que propõem pagamentos de maneiras indevidas. Por isso, é preciso orientar bem os atletas", comentou.

Sócio dele na empresa, o advogado Vinícius Bicalho contou que, pelo rigor fiscal do Brasil, até mesmo atletas estrangeiros que se transfiram para clubes brasileiros precisam ficar atentos. "É mais recomendável que o jogador de outro país abra uma empresa no Brasil apenas para criar um CNPJ para poder receber o direito de imagem. Isso é mais fácil do que fazer uma transação internacional", explicou.

Já outro advogado, Marcio Suttile, especializado em direito desportivo, recomenda que o jogador tenha cuidado e só utilize o CNPJ para receber os pagamentos do clube, e não para outras operações. "É importante que o atleta evite usar a Pessoa Jurídica criada para o recebimento dos valores de direito de imagem para outras fontes de renda. Isso facilita a contabilidade e mantém os valores mais organizados", afirmou.

Estadão
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