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Torcedores do Corinthians perdem 'jogo da vida' para um bem maior: combater o racismo

Gabriel Ferreira e Guilherme Vieira foram os primeiros corintianos a denunciarem atos racistas na torcida do Boca, na Neo Química Arena

29 jun 2022 - 14h39
(atualizado às 15h13)
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Gabriel e Guilherme ficaram mais de seis horas no Jecrim, mas sem arrependimento. O dever estava cumprido (Foto: Fábio Lázaro/Lancepress)
Gabriel e Guilherme ficaram mais de seis horas no Jecrim, mas sem arrependimento. O dever estava cumprido (Foto: Fábio Lázaro/Lancepress)
Foto: Lance!

Para assistir ao Corinthians em um jogo de oitavas de final da Libertadores, contra o Boca, valia até parcelar em quatro vezes o valor do ingresso, arcar com os juros e sair de casa somente com o dinheiro da passagem. Esses foram alguns dos esforços que fizeram os amigos Gabriel Ferreira e Guilherme Vieira. Contudo, eles abdicaram da realização do sonho por um bem maior: registrar e depor contra os primeiros atos de racismo praticados por torcedores do Boca Juniors, no estádio corintiano, na noite da última terça-feira (28).

Gabriel tem 18 anos, e Guilherme 19. Eles tinham 8 e 9 anos de idade, respectivamente, quando o Timão bateu os xeneizes na conquista da Libertadores inédita, em 2012. Ver o reencontro das equipes por um mata-mata da competição continental, 10 anos depois, seria uma realização. A dupla mora em Franco da Rocha, município localizado na grande São Paulo, que fica há 55km da Neo Química Arena, estádio do Timão.

Para ver o Coringão jogar valia até desafiar o relógio, que foi o caso de Gabriel, que é auxiliar administrativo e teria que sair correndo do estádio para pegar o trem de volta para Franco da Rocha e acordar às 6h da manhã do dia seguinte para trabalhar.

No caso de Guilherme, além do desafio contra o relógio, era o financeiro. Ele está desempregado e, não só comprou o ingresso do jogo contra o Boca em quatro vezes com juros, como saiu de casa com o exato dinheiro da passagem de ida e volta.

A dupla chegou a Itaquera por volta das 18h. Eles queriam curtir o clima da partida e foram até a Radial Leste para recepcionar a chegada dos jogadores corintianos. Os amigos planejavam entrar na arena bem antes da bola rolar, no intuito de aproveitar cada segundo. No entanto, minutos antes da bola rolar, se depararam com os primeiros atos racistas vindos da torcida do Boca. Um rapaz de blusa verde, seguido de outro com a camisa do clube argentino, faziam gestuais de macaco em direção aos corintianos, algo que já se tornou recorrente.

Guilherme sacou o celular e fez o primeiro registro. Não conseguiu pegar a imagem do primeiro argentino realizando os gestos, mas contou com a ajuda de seguranças e policiais que viram o ato e comunicaram os responsáveis pelo circuito de monitoramento do estádio. Depois, o indivíduo foi preso. O torcedor que foi flagrado na filmagem cometendo o ato racista conseguiu fugir.

As autoridades, então, solicitaram para que a dupla de amigos corintianos fosse até a sala do Juizado Especial Criminal (Jecrim) instalada na Neo Química Arena, para prestar depoimento.

Nesse intervalo, a bola rolou no estádio do Corinthians e os parceiros de Franco da Rocha não conseguiam assistir ao jogo.

Deram os seus nomes, entregaram os seus documentos e aguardavam os procedimentos legais, angustiados, querendo saber o que acontecia em campo.

Um representante do Timão procurou a dupla e prometeu assistência, seja na devolução do dinheiro ou fornecimento de ingresso para outros jogos. Mas os torcedores se lamentavam, pois para eles aquela partida contra o Boca era única.

Mesmo sem ver o jogo, vibraram junto com a torcida quando foi marcado pênalti a favor do Corinthians, ainda no primeiro tempo. Tentavam conectar o rádio, mas, por estarem no subsolo não conseguiam escutar nada mais do que ruídos.

A reportagem do LANCE!, ao ver o sofrimento dos garotos, conseguiu conectar a partida em imagem, pelo celular, e emprestou o aparelho para a dupla. Mas eles já imaginavam que a penalidade havia sido desperdiçada, somente pela reação que escutavam da torcida. Não houve explosão, o pênalti foi perdido.

Enquanto esperavam, Gabriel e Guilherme encontraram uma fresta que dava para ver parte da lateral do gramado. Era o pouco que tinham de informação do jogo.

Gabriel e Guilherme tentaram assistir parte da partida por uma fresta que dava para a lateral do campo (Foto: Fábio Lázaro/Lancepress)
Gabriel e Guilherme tentaram assistir parte da partida por uma fresta que dava para a lateral do campo (Foto: Fábio Lázaro/Lancepress)
Foto: Lance!

A bola terminou sem gols, mas os amigos seguiram no Jecrim até as 3h da manhã, chateados por terem perdido o "jogo da vida", mas satisfeitos com a atitude que tomaram.

- Eu não fico arrependido - disse Gabriel.

No entanto, houve o sentimento de frustração quando a dupla soube que um dos denunciados no vídeo conseguiu fugir da Neo Química Arena sem ser capturado pela polícia. O primeiro foi detido.

O primeiro passo da dupla Gabriel e Guilherme fez com que outros três corintianos denunciassem outros atos de racismo, um deles com um gesto nazista. Todos os denunciantes permaneceram no Jecrim até às 3h da manhã.

No total, seis torcedores do Boca foram levados até o Jecrim, mas três não foram identificados nas imagens do circuito de monitoramento e acabaram liberados. Os outros três foram detidos, levados à sede do Departamento de Operações Estratégicas de São Paulo (Dope-SP) e foram penalizados a pagarem R$ 20 mil de fiança cada um, para responderem ao processo em liberdade.

- A gente veio por um bem maior, fizemos o que era certo, mas perdemos o jogo, perdemos dinheiro e vimos três saírem livres - relatou Guilherme.

Além de Gabriel e Guilherme, que foram os primeiros denunciantes, outros três torcedores corintianos apresentaram materais e relatos de ações racistas de adeptos do Boca à polícia. Todos eles permaneceram no Jecrim até às 3h da manhã desta quarta-feira (29).

Lance!
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