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Complexo do Ibirapuera: órgão estadual rejeita estudo de tombamento e abre caminho para concessão

Caso seja concedido à iniciativa privada, local passará por reformulação, com troca da pista de atletismo por arena multiúso e ginásio por shopping center

1 dez 2020 - 12h27
(atualizado em 2/12/2020 às 09h42)
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O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), órgão estadual que decide sobre o tombamento de imóveis e outros bens paulistas, rejeitou, em reunião realizada na segunda-feira, 30, a abertura de um processo de tombamento do Complexo Desportivo Constâncio Vaz Guimarães, no Ibirapuera, em São Paulo. A decisão abre caminho para que a estrutura seja concedida à iniciativa privada e passe por um amplo processo de reformulação.

Segundo o edital de concessão do complexo esportivo, no lugar da pista de atletismo deverá ser criada uma arena multiúso com capacidade para 20 mil pessoas. A nova estrutura receberia eventos esportivos e culturais. O Ginásio do Ibirapuera seria transformado em um shopping center, enquanto que, no lugar do complexo aquático, seria construída uma torre comercial anexa a um hotel.

Estudo referencial para a privatização do Complexo Desportivo Constâncio Vaz Guimarães.
Estudo referencial para a privatização do Complexo Desportivo Constâncio Vaz Guimarães.
Foto: Divulgação / Estadão

A expectativa é que a empresa que tomará conta do espaço seja escolhida em fevereiro do ano que vem. O concessionário deve construir também uma pista de skate e um playground no local. Segundo o governo estadual, a arrecadação com aluguéis do conjunto esportivo não chega a R$ 5 milhões por ano. Com isso, o déficit é de R$ 10 milhões, uma vez que o Estado de São Paulo gasta, em média, R$ 15 milhões com a manutenção anual do local.

"A intenção é dotar São Paulo de um equipamento que atende às necessidades atuais das atividades esportivas por meio de sua modernização, contemplando a renovação da infraestrutura existente à sua reciclagem tecnológica frente às restrições financeiras do poder público", disse o secretário de Esportes do Estado de São Paulo, Aildo Ferreira, que participou da reunião virtual nessa segunda-feira. "Os equipamentos esportivos encontram-se ultrapassados, insatisfatórios, muitos sem condições de utilização", acrescentou.

Caso o processo de tombamento fosse aprovado, o plano de concessão à iniciativa privada seria freado. Mas 16 conselheiros votaram contra, enquanto oito foram favoráveis na reunião realizada pelo Condephaat. A superioridade de negativas em relação à preservação do complexo reflete uma decisão do início de 2019 do governador João Doria, que alterou, por meio do decreto 64.186, a composição do Condephaat.

Até abril do ano passado, o órgão era composto por 30 conselheiros, sendo quase a metade (14) de universidades. Após o decreto, esse número foi reduzido para cinco de um total de 24 integrantes. O governo conta com 15 representantes, atualmente. Além de aumentar a influência estadual no conselho, o decreto previa que participantes de universidades e da sociedade civil seriam escolhidos por Doria a partir de listas tríplices.

Na reunião, os conselheiros que representam as universidades - Unifesp, USP, Unesp, Unicamp e Museu de Arqueologia e Etnologia da USP - votaram a favor do relatório do conselheiro Renato Luiz Sobral Anelli, representante do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), pelo estudo de tombamento do complexo. Victor Hugo Mori, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e Lilian Vogel, profissional de notório saber em patrimônio imaterial, também foram favoráveis ao estudo.

Foi realizado um estudo técnico e apresentado um dossiê no fim de outubro junto ao conselho. Esse estudo seria descartado sem discussão, mas Anelli pediu vistas do processo e, após analisar os documentos, elaborou um parecer e o defendeu no encontro de segunda. A ideia era de que fosse considerado o valor histórico e cultural do conjunto. No entanto, a maioria votou contra o processo de tombamento.

"Os representantes das secretarias do governos votam em bloco, não aceitam discussão e têm maioria no conselho. É um debate quase inútil. Todos os argumentos foram no sentido de que o complexo esportivo dá prejuízo, de que tem que modernizar e não pode ser tombado. Ninguém responde por que esse processo ficou parado por três anos enquanto se discutia a lei de concessão", disse ao Estadão o professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP.

O pedido de tombamento foi protocolado por um morador da região em 2017, mas a solicitação só foi encaminhada em 2019 à Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico (UPPH), braço executivo do conselho e que é subordinada à Secretaria Estadual da Cultura e da Economia Criativa. O Condephaat é responsável pelo tombamento de mais de 500 imóveis no Estado, entre eles, o Estádio do Pacaembu, que foi repassado para a iniciativa privada por 35 anos.

Os integrantes do conselho que foram favoráveis ao tombamento apresentaram na reunião um abaixo-assinado com 5.000 nomes que reforçam a importância da preservação do complexo esportivo do Ibirapuera. Hoje, o documento já tem mais de 12 mil assinaturas. Além disso, somaram-se às assinaturas manifestações de atletas e ex-atletas e uma carta de ex-presidentes do Condephaat. Apesar dos esforços, a decisão contrária ao tombamento foi mantida.

Ao Estadão, a Secretaria de Esportes do Estado de São Paulo afirmou que os atletas que utilizavam as estruturas do complexo poderão usar as dependências da Vila Olímpica Mário Covas, no Butantã, e do Complexo Esportivo Horácio Baby Barioni, na Água Branca. Segundo a pasta, nenhum atleta treina ou utiliza o alojamento do local desde o início da pandemia da covid-19.

Existe ainda possibilidade de algum pedido de tombamento ser feito no Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp). A última reunião de 2020 do órgão municipal é na segunda-feira e o assunto não está na pauta.

Entre maio e setembro deste ano, o local abrigou um hospital de campanha, construído para acomodar pacientes com covid-19. No mês passado, o Estadão visitou o complexo e constatou que boa parte da estrutura está danificada. Mesmo sendo certificada pela World Athletics para receber competições internacionais, a pista de atletismo, por exemplo, está destruída e não tem condições de receber treinos ou campeonatos.

O Conjunto Complexo Desportivo Constâncio Vaz Guimarães tem uma área total de 105 mil metros quadrados, composto por cinco complexos distintos: Ginásio do Ibirapuera; Estádio Ícaro de Castro Mello; Conjunto Aquático Caio Pompeu de Toledo; Palácio do Judô; e quadras de tênis e prédios de administração.

Estadão
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