PUBLICIDADE

Grids invertidos: uma possível herança da vitória de Gasly

A vitória de Gasly com um carro da pequena Alpha Tauri reacendeu o debate sobre os grid invertidos, que podem ser testados ainda neste ano

2 out 2020 - 19h57
(atualizado em 8/10/2020 às 12h29)
Compartilhar
Exibir comentários
Pierre Gasly deu a volta por cima em Monza
Pierre Gasly deu a volta por cima em Monza
Foto: Alpha Tauri / Divulgação

Muito se falou que o Grande Prêmio da Itália, vencido surpreendentemente por Pierre Gasly, ficará definitivamente na história da Fórmula 1. Motivos para tanto não faltam. O principal, talvez, é ter servido como redenção para o jovem piloto francês. Pouco mais de um ano atrás, ele foi rebaixado da equipe Red Bull Racing para a Toro Rosso, espécie de viveiro e vestibular mantido pela empresa de bebidas energéticas.

Gasly havia chegado à F1 em 2018 com um currículo de domínio nas categorias de base. Bancado pela Red Bull, ele começou pela Toro Rosso e, no ano seguinte, foi alçado à nave-mãe como substituto do australiano Daniel Ricciardo, que decidiu abandonar a Red Bull Racing por ver na equipe nítida preferência por seu companheiro, o fenômeno holandês Jos Verstappen.

Gasly, ainda imaturo, naufragou na esteira de sucessos de Verstappen e foi devolvido à Toro Rosso depois de 12 corridas. Para seu lugar, foi escolhido o estreante anglo-tailandês Alex Albon, que deixara ótima impressão no começo da temporada.

Finalmente, neste domingo Gasly pôde lavar sua alma. No degrau mais alto de um pódio em que não figuravam, estranhamente, pilotos das dominadoras Mercedes e Red Bull, ele foi saudado efusivamente por todo o paddock da F1 - como 12 anos antes havia sido o ainda quase menino Sebastian Vettel em 2008, que naquela mesma pista deu à mesma Toro Rosso sua primeira e, até domingo, única vitória na F1.

Lewis Hamilton e sua Mercedes: domínio sob ameaça
Lewis Hamilton e sua Mercedes: domínio sob ameaça
Foto: Mercedes-AMG / Divulgação

Um novo procedimento para definir o grid

Mas há um outro motivo pelo qual essa corrida vai ser lembrada: pela primeira vez, a F1 teve um exemplo claro de como podem ser atraentes as corridas em que, ao contrário da tradição, os carros e pilotos mais lentos largam na frente; atrás deles, bem atrás, largam os mais rápidos, aqueles que vencem corridas e disputam campeonatos.

Essa ideia veio à tona antes do início desta temporada, quando a FIA (Federação Internacional de Automobilismo) e a Liberty Media, promotora e detentora dos direitos comerciais da F1, cogitavam mudanças que tornassem as corridas mais atraentes para um público cansado da mesmice que se arrasta desde 2014 - ano em que foi introduzido o atual regulamento e deu início à hegemonia da equipe Mercedes e seus pilotos.

O plano transformaria inteiramente o modus operandi atual. Ao invés das habituais provas de classificação, os sábados seriam preenchidos por uma corrida curta em que a posição de largada de cada piloto seria inversamente proporcional à sua posição no campeonato: o primeiro na tabela de pontos ocuparia a última posição do grid e o último na pontuação se colocaria na pole position. O segundo largaria em penúltimo e o penúltimo em segundo e assim por diante.

O resultado dessa mini-corrida definiria a ordem de largada da prova principal, no domingo, a única que daria pontos para o campeonato. O plano era testar esta inovação ainda no decorrer desta temporada, e aventou-se o Grande Prêmio da Itália, em Monza, como a melhor oportunidade.

Largada do GP da Rússia: como seria a corrida se os dois Mercedes largassem lá atrás?
Largada do GP da Rússia: como seria a corrida se os dois Mercedes largassem lá atrás?
Foto: F1 / Divulgação

Novo contrato abole a unanimidade

Tais mudanças, porém, exigem unanimidade das equipes pela versão atual do Pacto da Concórdia, um extenso contrato entre as equipes, a FIA e o detentor dos direitos comerciais. E, ao imaginar seus pilotos Lewis Hamilton e Valtteri Bottas na última fila de um grid exibido aos olhos do mundo pelas transmissões de TV, o chefe da Mercedes, o austríaco Toto Wolff, vetou de pronto a hipótese.

Apoiando-se em pesquisa da FIA, pela qual apenas 15 por cento do público aceitava de bom grado os grids invertidos, ele se manteve firme e rebateu as acusações de falta de esportividade feita por equipes adversárias, que viam nisso uma chance de receber a bandeirada à frente dos carros alemães.

Ironicamente, foi quase isso que aconteceu no último domingo em Monza. Posto circunstancialmente em último na relargada imposta pelo terrível acidente sofrido pelo piloto da Ferrari Charles Leclerc, Hamilton teve de fazer ultrapassagens que não costumam acontecer quando ele larga na frente e, em poucas voltas, desaparece do campo visual do resto do pelotão. Quando muito, elas só ocorrem quando ele tem pela frente os retardatários - mas eles são obrigados a abrir passagem, não podem resistir.

Ross Brawn: defensor ferrenho dos grids invertidos.
Ross Brawn: defensor ferrenho dos grids invertidos.
Foto: Shutterstock / Divulgação

Hamilton, no decorrer de 27 voltas, progrediu de 17º para sétimo na bandeirada, efetuando belas passadas sobre adversários que se empenhavam na defesa de suas posições. Foi uma corrida espetacular, emocionante, considerada quase unanimemente como a melhor dos últimos anos.

Esta reação fez renascer com vigor a determinação de se adotar os grids invertidos. Eles já são adotados nas categorias menores, como a F2 e a F3, mas com diferenças que não espelham o que pode ocorrer na F1. Nelas, o vencedor da primeira corrida, aos sábados, largam em oitavo (na F2) e em 10º (na F3) nas corridas do domingo; o segundo larga em sétimo (na F2) e em nono (na F3) e assim por diante. Como a inversão do grid é parcial, os que estão à frente não são tão mais lentos como os últimos colocados, que permanecem nas posições em que chegaram na primeira corrida.

O mais enfático defensor dessa inovação é o inglês Ross Brawn, o diretor técnico da Liberty Media. Dono de um dos mais respeitáveis currículos da F1, no qual figura a direção técnica do período hegemônico da dupla Ferrari/Michael Schumacher, Brawn voltou à carga no início desta semana em sua coluna no site da Fórmula 1, F1.com.

Os carros de Sainz, Gasly e Stroll nos três primeiros lugares: surpresa rara na Fórmula 1.
Os carros de Sainz, Gasly e Stroll nos três primeiros lugares: surpresa rara na Fórmula 1.
Foto: F1 / Divulgação

Um teste ainda neste ano

A ironia destas circunstâncias ocorrerem exatamente em Monza, onde se planejava o primeiro teste dessa novidade, parece sinalizar que o destino está a favor desta novidade. Com a assinatura recente de um novo contrato para suceder o Pacto da Concórdia, a cláusula que impõe unanimidade para a introdução de mudanças no regulamento esportivo foi modificada, a partir de 2021 bastará a maioria dos votos.

Diante deste quadro, aventa-se a possibilidade de um teste real ainda neste ano. Já que seu poder de veto, baseado na unanimidade, terá curta duração, acredita-se que a Mercedes acabe por concordar assim que assegurar um de seus pilotos como campeão (quase certamente o líder da pontuação Lewis Hamilton) e de seu sétimo triunfo consecutivo no campeonato mundial de construtores.

A Fórmula 1 tem de mudar. E está mudando. Queiram ou não a equipe Mercedes e seu chefe Toto Wolff.

---

Siga Lito Cavalcanti no Twitter: @cavalcantilito; no Instagram: @litocavalcanti

Parabólica
Compartilhar
Publicidade
Publicidade