Carros que mudaram a F1: McLaren MP4/1 (1981-1983)
O marco da nova fase da McLaren fez a F1 e o automobilismo mudar a forma de construção de carros
Coisa boa sempre merece voltar. Após algum tempo, retomamos a série “Carros que mudaram a F1”. A lógica era fazer a construção cronológica. Mas estrategicamente, um capítulo foi pulado e vamos abordar um carro que revolucionou a construção dos carros, marcando a F1 até agora e marcou o renascimento de uma marca de importância para a F1: O McLaren MP4/1.
Mas antes cabe contar o contexto de como este carro surgiu.
Na segunda metade da década de 70, a F1 passou por uma de suas viradas tecnológicas mais impressionantes. A Lotus trouxe o efeito solo e mudou totalmente a forma de desenhar um carro de corridas. Não foram poucos que apanharam para achar a fórmula. A McLaren estava neste grupo.
A equipe britânica teve um crescimento seguro e se posicionou como uma das principais da categoria após os títulos de Emerson Fittipaldi e James Hunt em 1974 e 1976. O M23, lançado em 1972, permitiu dar o passo definitivo para disputar vitórias. Os tempos eram outros e Gordon Coppuck, o responsável pela área de projetos, foi incorporando melhorias ao projeto original a cada ano.
Mas em 1976, o efeito solo dava seus primeiros passos e a McLaren sabia que o M23, embora confiável, não tinha mais para onde ir. A primeira ação foi a concepção do M26, ainda muito baseado no modelo anterior. A intenção era usá-lo a partir do GP da Espanha, quando o novo regulamento técnico fosse introduzido. Mas os resultados iniciais não foram bons e como o M23 ainda entregava resultados, o carro só foi usado uma vez por Jochen Mass no GP da Holanda, sem um bom desempenho.
James Hunt obteve o título e a McLaren ainda iniciou 1977 com o M23 e optou por trabalhar mais no M26 para 1977, o utilizando efetivamente a partir do GP da Espanha. O carro ainda permitiu ao inglês 3 vitórias naquela temporada, mas ter um carro com efeito solo passou a ser extremamente necessário para seguir na frente.
O modelo M27 apareceu na pré-temporada de 1978, mas não incorporava o conceito do efeito solo e não rendeu de jeito algum (chegou a aparecer bem mexido nos treinos livres do GP da Grã-Bretanha, mas sem sucesso). A McLaren se viu tendo que usar o M26 e passou o ano em branco, obtendo um 8º lugar na tabela de Construtores, com 15 pontos.
Em 1979, o time apresentou o M28, seguindo a receita de laterais largas para obter o máximo do efeito-solo. Inicialmente, o carro andou bem nos testes de pré-temporada. Só que quando a temporada começou, nada se concretizou e a equipe concebeu em menos de 3 meses o M29, um passo à frente mas não o necessário suficiente. Os mesmos 15 pontos e a 7ª posição nos Construtores.
Diante do quadro, a Phillip Morris, tabaqueira dona da Marlboro, principal patrocinadora, começou a se preocupar com o rumo que as coisas tomavam. A F1 mudava e a McLaren se debatia tecnicamente para voltar a lutar por vitórias e títulos. Um ponto questionado era a liderança do time: Teddy Mayer e Tyler Alexander, que assumiram o time desde a morte de Bruce McLaren e fizeram uma boa gestão na primeira metade dos anos 70. Mas não funcionava naquele momento...
Um choque de gestão parecia necessário e um nome aparece na equação: Ron Dennis.
O britânico era um dos exemplos de construção de carreira no automobilismo: começou com 18 anos como mecânico da Cooper na década de 60 e quando Jack Brabham resolveu montar sua equipe, Ron foi com ele. O jovem foi mostrando competência e se colocando com maiores responsabilidades. Em 1971, com a saída de Jack, resolveu montar a sua própria equipe na F2, a Rondel (em parceria com Neil Trundle) com chassi Brabham. Os resultados foram animadores e o próximo passo era a F1. Originalmente, o plano era entrar em 1974, com o apoio da Motul. Só que veio a crise do petróleo e o projeto não foi à frente. O carro deste projeto mudou de mãos e foi para a pista, batizado de Token. Foram 3 largadas e nenhuma chegada.
Parecia tudo perdido para Ron Dennis. Daí, começou a relação com a Philip Morris: Em 1975, a pedido da tabaqueira, Ron montou uma equipe de F3 para acomodar 2 pilotos equatorianos, a Project 3. Em 76 e 77, a equipe foi bem e o motivou a expandir para a F2, fundando a Project Four (inclusive tendo Ingo Hoffman e Chico Serra entre seus pilotos), inclusive sendo equipe oficial da BMW. Com os resultados, Ron Dennis pensou: por que não tentar de novo a F1?
Como havia um relacionamento por conta da F2, Ron bateu na porta da Philip Morris para buscar apoio para a empreitada. A tabaqueira viu a oportunidade...
Sob as bençãos de John Hogan, todo-poderoso da Phillip Morris, Ron Dennis e Teddy Mayer começaram a conversar. Após um estranhamento inicial, um acordo foi feito em setembro de 1980: Nasceu a McLaren International, vinda da fusão da Project Four com a McLaren Racing. Ron Dennis assumiu uma parte da nova empresa, em conjunto com Tyler Alexander e Teddy Mayer (remanescentes da McLaren).
A esta altura, a McLaren seguia tentando e sofria com o M29C, que tinha um desempenho razoável, mas com problemas de suspensão e preparação. Alain Prost estreava na F1 com este carro e já mostrando um pouco do seu talento. Ainda tentaram uma cartada com um carro novo, o M30. O máximo que a equipe conseguiu foram 2 quartos lugares com John Watson.
O início da concepção
Para iniciar os trabalhos desta nova era, um personagem importante aparece nesta hora: o engenheiro John Barnard. Ele começou sua carreira na Lola e esteve na própria McLaren em 72, onde trabalhou nos projetos do M23 e do M16 da Indy. Fez o seu nome nos Estados Unidos ao projetar o vencedor Chaparral 2K para Jim Hall, que venceu a Indy 500 de 1980. Em paralelo, prestou consultoria para a construção do HR100 de Hector Rebaque, que passou pela F1 em 1979 sem brilho algum.
Ron Dennis o convenceu a trabalhar no projeto de seu F1. O nome de Barnard havia sido sugerido pela Phillip Morris à McLaren, mas não houve qualquer movimento para incorporá-lo. Nesta nova estrutura, o técnico veio como responsável pela área técnica, no lugar de Frank Coppuck.
Barnard pensou em um carro moderno e que colocasse a McLaren de volta ao pelotão da frente. E em suas pesquisas, após uma visita à British Aerospace, percebeu as carenagens de um motor Rolls Royce usavam fibra de carbono e kevlar em sua construção. Além de leve e de razoável flexibilidade, suportavam as grandes forças geradas pelas altas velocidades.
Fibra de carbono (cerca de 1/10 do fio de cabelo humano) e kevlar são materiais que aparentam ser extremamente frágeis. É quase como juntar barro e tecido. Só que a resistência dos dois é impressionante. A dupla não era desconhecida para a F1. Só que os custos eram altos e as equipes usavam alumínio, molibidênio e o honeycomb (alumínio disposto em forma de colméia). Com a introdução do efeito-solo e a grande pressão aerodinâmica gerada (até então), os chassis não suportavam a torção gerada, o que prejudicava o desempenho (o Fittipaldi F6 teve sua grande falha neste sentido).
Dennis e Barnard procuravam algum lugar para construir este chassi na Inglaterra, sem sucesso. Peter Wright, da Lotus, também caminhava nesta solução, principalmente após o fracasso do Lotus 80, de 1979. E a solução veio nos Estados Unidos.
A Hercules Aerospace, sediada em Utah, fornecedora da NASA, se mostrou à disposição de atender a McLaren após Barnard ter levado uma maquete do MP4/1 para análise. Com um cheque em branco dado pela Phillip Morris, fecharam acordo. Os desenhos eram enviados por Barnard da Inglaterra e construídos em Salt Lake City sob a coordenação de um tal de Steve Nichols. Uma vez feitos, os painéis eram enviados de volta para a Inglaterra para montagem. Neste processo, Nichols acabou se juntando à equipe McLaren.
Em 05 de março de 1981, dias antes do início oficial da temporada (após o famigerado GP da Africa do Sul que não valeu), a imprensa era convidada a comparecer em Silverstone para ver aquele que era então o mais caro carro de F1 feito até então. O MP4/1 (M de McLaren e P4 de Project Four) chamou a atenção por ser um monoposto elegante e bem acabado, embora seguisse a linha de colocar o piloto bem à frente e laterais altas para aproveitar ao máximo o fundo do carro para o efeito-solo.
Aerodinamicamente, não chamou tanto a atenção. Mas o segredo estava embaixo da carroceria: o monocoque era inteiramente feito em fibra de carbono e kevlar (chamado de material compósito). Trazia mais simplicidade na hora de montar (basicamente 5 peças) e uma economia de 30% de peso, o que permitia à McLaren ficar dentro do peso mínimo e trabalhar bastante com lastro. Outra curiosidade era que a caixa de câmbio era comprada junto à Tyrrell....
Para pilotar, foi um jogo de quebra-cabeças. John Watson, que estava com a equipe desde 1979, era uma das escolhas. A permanência foi bancada por Teddy Mayer e Tyler Alexander. O jovem francês Alain Prost foi cogitado para permanecer, mas havia perdido a confiança na equipe após tantos problemas de confiabilidade (Prost perdeu o GP dos Estados Unidos em Long Beach porque havia contundido o punho por uma batida ocasionada por uma falha de suspensão) e aceitou o convite para se juntar à Renault.
A Phillip Morris insistia por um nome de peso, mas poucos estavam disponíveis. Mas uma solução estava à mão: o filho do distribuidor italiano da empresa, Andrea de Cesaris, estava disponível. O cartel na base era interessante: Obteve o vice-campeonato de F3 inglesa em 1979 e um 5º lugar na F2 em 1980 pela equipe de Ron Dennis, a Project Four. A Marlboro apoiava bastante a carreira do menino e aceitou a escolha...
O dinheiro gasto e a pressão eram grandes. Na apresentação, John Hogan, presidente da Phillip Morris, candidamente falou a Ron Dennis e John Barnard: é melhor que este carro vença. Barnard respondeu que o carro venceria pelo menos uma vez naquele ano.
Com o tempo curto, o único MP4/1 pronto foi destinado para Watson usar em Long Beach, enquanto De Cesaris ficava com o velho M29F. Porém o irlandês teve uma série de problemas de alimentação e refrigeração e também usou o M29F. Largaram no fim do pelotão e não fizeram mais do que 16 voltas.
Como o processo de fabricação era complicado e o tempo curto, optaram por usar o carro antigo no Brasil e reapareceu novamente na Argentina, mais uma vez somente para Watson. Conseguiu o 11º lugar no grid e chegou a andar entre os seis primeiros, mas a caixa de câmbio e deixou na mão e abandonou no meio da prova...
Em San Marino, um segundo MP4/1 estava pronto mas...para Watson. Dennis e Barnard não confiavam em De Cesaris e ainda usava o M29F. Diante de seu público, conseguiu chegar em 6º lugar, marcando o primeiro ponto da equipe na temporada e seu único no ano...
Na Bélgica, Watson ainda conseguiu um 7º lugar. Em Mônaco, pela primeira vez os dois pilotos tinham o MP 4/1 à disposição, a despeito da desconfiança com o italiano. E ele a justificou se envolvendo em um acidente logo na primeira volta com Prost e Andretti. Watson andou nos pontos até a volta 53, quando o motor quebrou.
Até aquele momento, muita gente punha dúvida no sucesso do projeto, incluída aí a Phillip Morris, que era a garantidora de tudo. Ron Dennis já era um festival de tiques nervosos, enquanto John Barnard vinha trabalhando em uma série de melhorias e um pacote aerodinâmico (novo fundo, saias laterais e dutos de freio) foi instalado a tempo do GP da Espanha.
Ali, começou a virada: Watson fez parte do grupo que brigou até o final pela vitória, no trem puxado por Villeneuve e conseguiu um 3º lugar. Na corrida seguinte, na França, mesmo com a interrupção por conta da chuva, Watson obteve um 2º lugar. Parecia que o investimento valia a pena...
A confirmação veio no GP seguinte, na Inglaterra: Watson e De Cesaris alinharam na 3ª fila. No mesmo lance, em uma escapada de Gilles Villeneuve na 3ª volta, De Cesaris abandonou enquanto Watson caiu para o 7º lugar. Mesmo assim, veio subindo na classificação, se aproveitando de abandonos e do bom desempenho do carro. Até que 8 voltas antes do fim, chegou na Renault de René Arnoux, que tinha o motor falhando a várias voltas, e assumiu a liderança. 4 anos depois, a McLaren voltava a vencer, trazendo alívio a todos e fazendo Ron Dennis cumprir a promessa feita a John Hogan...
Após esta vitória, Watson ainda conseguiu dois sextos lugares e um segundo no Canadá. Já De Cesaris conseguiu comprovar a resistência do chassi em incontáveis batidas ao longo do ano, o que era uma das dúvidas dos céticos era a resistência do chassi de compósito. Se bem que Watson bateu fortemente em Monza, destruindo totalmente o carro.
O ano encerrava com 28 pontos e o 6º lugar do Campeonato de Construtores. A McLaren marcava sua volta. Mas 1982 prometia mais...Uma cartada enorme era dada: Niki Lauda estava de volta à F1 com um belíssimo cheque dado pela Phillip Morris. John Watson era mantido por mais uma temporada.
Pelo lado técnico, Barnard optou por melhorar o carro do ano anterior, até mesmo pelo fato de optar por uma filosofia de separar a carroceria do chassi. Isso facilita fazer alterações aerodinâmicas sem ter que mudar o monocoque.
Em 1982, a McLaren teve um movimento de consolidação interna. Àquela altura, a necessidade de ter um motor turbo já era identificada. Mayer e Alexander eram defensores de usar alguma solução existente no mercado (Renault ou BMW) enquanto Dennis e Barnard queriam um projeto exclusivo. A queda de braço foi vencida por Dennis e Barnard, enquanto Mayer e Alexander viram isso como a gota d´água e saíram da equipe.
Naquele ano louco, a McLaren teve chances de vencer o campeonato. Watson teve uma primeira metade de ano muito boa, com duas vitórias (Bélgica e Detroit). Lauda venceu em Long Beach e na Grã-Bretanha. Porém, o carro foi acometido por uma série de problemas de motor e dificuldades para aquecer os pneus (os Michelin eram feitos para os Renault turbo, que eram mais brutos do que os Cosworth aspirados). Watson ficou com o vice-campeonato.
Para 1983, Barnard pensou em uma nova versão do MP4/1, a C. Além de ter o campeonato, um chassi seria deslocado para fazer o desenvolvimento do motor turbo Porsche. O time pensou em um carro com uma zona central o mais estreita possível, já aproveitando da entrada em cena do reabastecimento.
Só que a proibição do efeito-solo, aprovada um pouco antes do início de 1983, levou a mudar tudo: saíam os tuneis embaixo dos carros e entrava em cena o fundo chato. Para recuperar parte do apoio aerodinâmico perdido, Barnard e seu time veio com uma solução usada até hoje.
Aproveitando que o carro tinha sido feito mais estreito, os engenheiros da McLaren testaram modelos no túnel de vento e viram que, se arredondassem a parte final das laterais, jogando o fluxo de ar para o aerofólio traseiro e o difusor, na parte de dentro dos pneus, poderia parte da pressão ser recuperada. Vinha aí o conceito da traseira “Coca-Cola” (porque vista de cima, a traseira parecia o gargalo de uma garrafa de refrigerante).
O carro mostrou potencial, mas os turbo já mostravam sua força; Watson venceu em Long Beach (saíndo da 22ª posição), com Lauda chegando em 2º (largando de 23º). Fora isso, a McLaren sofreu. Mas a esperança estava vindo da Alemanha, com a Porsche desenvolvendo o V6 Turbo. Que estreou com Lauda no GP da Holanda.
John Barnard tem uma filosofia de que, se um projeto tem uma boa base, pode seguir por anos sem grandes alterações. Podemos dizer que o MP4/1 é um exemplo dessa diretriz e acabou por direcionar boa parte dos caminhos da McLaren, mesmo após a saída de Barnard, em 1986. Podemos inclusive afirmar que algumas das bases instituídas em 1981 só foram rompidas finalmente em 1992, com o MP4/7A.
Mas o uso da fibra de carbono e da traseira coca-cola são itens que a F1 teve com o MP4/1 e traz até hoje, se expandindo para o automobilismo como um todo. Por isso, este carro entra na lista daqueles que mudaram o rumo da F1 para sempre.