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TBC revisitado

25 jan 2019 - 08h37
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Quem acompanhou o sucesso de Eles Não Usam Black-Tie (1958) no palco político do Teatro de Arena, tinha toda razão em estranhar A Semente, o novo texto de Guarnieri que estreava em 1961 no Teatro Brasileiro de Comédia, avesso ao tom militante de textos teatrais. Em homenagem aos 70 anos do TBC, a Biblioteca Mário de Andrade recebe nesta sexta, 25, a leitura do texto do italiano e de Volpone, comédia de Ben Jonson.

A estreia de A Semente marcava o fim de um período no TBC.

Desde sua fundação, em 1948, o diretor Franco Zampari conduzia um processo de profissionalização que colocaria o teatro nacional no radar, junto a nomes como Sérgio Cardoso, Paulo Autran, Tônia Carrero, Cleyde Yáconis, Cacilda Becker, Walmor Chagas, Nydia Licia e Fernanda Montenegro. Após sucessivas crises financeiras, amargados pela baixa arrecadação com clássicos internacionais, A Semente é a última tentativa do então diretor artístico, conta Cibele Forjaz, que dirige a leitura do texto de Guarnieri. "Ele já queria fechar as portas e também se recusava a montar um texto abertamente político e de esquerda."

Considerado o texto mais maduro de Guarnieri, a peça foi encenada por Flávio Rangel e teve no elenco os jovens Leonardo Villar, Cleide Yáconis e Nathalia Timberg. Na trama, o ambiente é o chão da fábrica e a manifestação do ideal político a partir de vozes operárias. A diferença de Black-Tie é que este trazia também o cotidiano de uma favela carioca, e focava na luta das personagens por melhores condições de vida.

Em A Semente, a luta tem outro dimensão. "Aqui, o tom é 'Vem, vamos embora, que esperar não é saber'", diz Cibele, em referência à Pra Não Dizer que Não Falei das Flores, música de Geraldo Vandré. "Em Black-Tie o debate no chão da fábrica tem a ver com a busca da dignidade e bem estar dos trabalhador. Em A Semente, o objetivo é gerir a revolução. Sem questionar, e se for necessário, eles passarão por cima das decisões do próprio partido comunista."

Um dos antagonistas dos trabalhadores é a própria polícia, que usa dos recursos da imprensa para espalhar boatos sobre os trabalhadores. "Há um componente muito atual, voltado às fake news", aponta a diretora. "Notícias falsas sobre a greve acabam legitimando a violência e a pressão contra o movimento dos trabalhadores."

No TBC, A Semente seria prenúncio de uma fase nacionalista, já com a direção artística de Flávio Rangel, antecedendo espetáculos como O Pagador de Promessas (1960), de Dias Gomes, A Escada (1961), de Jorge Andrade, A Morte de Um Caixeiro Viajante, de Arthur Miller, Yerma, de Federico García Lorca, conduzido por Antunes Filho, em 1962; e a última, Vereda da Salvação, de Jorge Andrade, em 1964.

Para Cibele, a trama política da peça não atenua o aspecto poético da dramaturgia. "Já era possível compreender o estilo de escrita de Guarnieri, que conhecia bem as figuras retratadas. Nesse texto, existe uma cadência brasileira levada para a sala de casa, para a periferia. Em muitas cenas, a poesia brota da bocas das personagens."

Na época em que foi encenada no TBC, a montagem enfrentou resistência de Zampari. Conta-se que o então crítico do Estado, Décio de Almeida Prado, foi um dos entusiastas de que a peça daria prosseguimento às atividades do TBC. Às vésperas da estreia, ele se uniu ao elenco e todos dormiram no teatro para não se surpreenderem com as portas fechadas por Zampari.

Sem previsão

Mesmo após o investimento de R$ 20 milhões na recuperação do prédio na Rua Major Diogo, a Fundação Nacional das Artes (Funarte), instituição ligada ao Ministério da Cidadania, afirmou que não há previsão para reabertura do TBC, como revelou a reportagem do Estado em outubro de 2018.

Fechado há 16 anos, o prédio foi adquirido em 2007 e passou por restauração. Estima-se o aporte de R$ 13 milhões para finalizar a reforma. Na nota divulgada no ano passado, o então MinC cogitou transferir o TBC para o mesmo fundo patrimonial criado para reconstrução do Museu Nacional.

70 ANOS DO TBC

Biblioteca Mário de Andrade. R. da Consolação, 94. Tel.: 3775-0002. 6ª, 15h ('Volpone'), 18h ('A Semente'). Grátis.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Estadão
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