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Habilidade de continuar aprendendo vira regra de ouro no mercado de trabalho

Para presidentes da Microsoft e do LinkedIn no Brasil, à frente de iniciativa educacional conjunta, reciclagem de profissionais deve envolver soft skills e conhecimentos em TI

3 out 2020 - 22h06
(atualizado em 30/10/2020 às 18h30)
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O mercado de trabalho, estressado com uma jornada empurrada ao home office, viu se acentuarem na pandemia problemas que profissionais já enfrentavam. Do lado das hard skills, ou competências técnicas, a baixa formação em tecnologia no País, num momento em que a digitalização nunca foi mais urgente, escancarou o déficit de profissionais que o mundo inteiro enfrenta. Do lado das soft skills (as habilidades comportamentais), trabalhar remotamente em equipe, ser líder a distância e resolver questões como horário de trabalho, ansiedade e burnout evidenciam outras demandas a serem resolvidas nos times.

Após analisar questões como essas, a Microsoft e o LinkedIn lançaram mundialmente em junho uma série de cursos gratuitos para ajudar no aprendizado e na reciclagem dos profissionais no mercado. Na última semana, o programa ganhou versão em português, com 96 cursos que abordam desde como lidar com a colaboração e o foco no trabalho remoto até ferramentas para se tornar um cientista de dados.

Em entrevista por videoconferência, e juntos pela primeira vez por conta da iniciativa conjunta, a presidente da Microsoft Brasil, Tânia Cosentino, e o diretor-geral do LinkedIn na América Latina, Milton Beck, evidenciam a importância de o País se preocupar em resolver a baixa formação de jovens em tecnologia e, aliado a isso, imprimir nos profissionais o senso de prioridade de continuar aprendendo ao longo da sua carreira. Se as mudanças no mercado já foram amplificadas até aqui com a pandemia, a atualização de habilidades técnicas e comportamentais deve ser ainda mais constante daqui para a frente, acreditam os executivos.

Não é, no entanto, a estreia das duas corporações no âmbito educacional. A Microsoft, presente no Brasil há 30 anos, mantém programas de aprendizado de jovens em tecnologia em parceria com Senai, Etecs e Fatecs, até com universidades para atualização dos currículos de cursos de tecnologia.

"Hoje temos no mundo 40 milhões de profissionais de TI (tecnologia da informação) e acreditamos que até 2025 vamos precisar de 200 milhões", diz Tânia Cosentino. "No Brasil, em média 17% dos graduandos estão na área de exatas, muito abaixo de 24% nos países ricos. Na China, são 40%. Defendemos a programação desde a educação básica. Mesmo que o aluno não vire programador, isso vai ajudá-lo a desenvolver a parte cognitiva em toda a sua vida."

Já no LinkedIn, plataforma que pertence à Microsoft desde 2016 e que no Brasil possui 45 milhões de usuários, a educação é endereçada no LinkedIn Learning. Por meio da análise de dados dos profissionais cadastrados e das vagas postadas, a empresa cria cursos (hoje são mais de 16 mil cursos online, mais de 200 em português) para ajudar na reciclagem e na requalificação do mercado, das hard às soft skills.

Um levantamento do LinkedIn entre junho de 2019 e julho de 2020 apontou que os brasileiros investiram mais de 77 mil horas para aprender sobre novas habilidades na plataforma, um aumento de 301% em relação ao ano anterior.

Para Milton Beck, sem importar em que estágio o profissional se encontra em sua carreira, a capacidade de continuar aprendendo (lifelong learning) é mais importante do que saber algo agora. "Eu realmente acredito que mais importante do que você saber uma habilidade específica naquele instante é você ter a habilidade de aprendizado contínuo. O que a pessoa sabe hoje serve para hoje, e não para daqui a dois anos. É a habilidade que eu mais procuro nos profissionais."

Confira trechos da entrevista abaixo, concedida ao Estadão por videoconferência, cada um de sua casa. Tanto Microsoft quanto LinkedIn não voltarão mais do home office ao trabalho presencial neste ano.

Qual o olhar que a Microsoft e o LinkedIn lançam sobre o atual momento do mercado de trabalho?

Tânia - Dentro do mundo de TI a gente tinha uma demanda de profissionais muito maior do que a oferta. Então vimos que precisávamos melhorar a formação dos profissionais para suprir o nosso próprio mercado. Daí surgiu uma série de cursos de capacitação. Ano passado fizemos parceria com Senai e depois a gente montou o portal AcademIA, que é um trocadilho de academia com IA (inteligência artificial), para desmistificar um pouco a tecnologia.

Aí veio a pandemia e a gente percebeu uma demanda ainda maior por profissionais de TI. Fizemos um estudo de que em cinco anos vamos ter uma demanda absurda por novos profissionais. Hoje temos no mundo 40 milhões de profissionais de TI e acreditamos que até 2025 vamos precisar de 200 milhões. Isso significa adicionar 150 milhões em 5 anos. É muita gente. Como você faz isso? Requalificando de forma massiva a força de trabalho existente, em hard skills (técnicas, nuvem, programação), mas sobretudo em soft skills.

Nesse momento de pandemia, de trabalho isolado, a gente precisa desenvolver relações interpessoais de forma diferente, com pensamento crítico ainda maior. Daí usamos a força das empresas, e a força da plataforma LinkedIn, para disponibilizar cursos para poder requalificar essas pessoas.

Como esses cursos se misturam ao currículo dos profissionais lá listados e potencializam os perfis?

Milton - Até uns anos atrás o LinkedIn servia para os profissionais aplicarem a vagas e não passavam porque faltavam habilidades. Foi quando o LinkedIn viu que a proposta de valor da plataforma não estava completa. Uma coisa importante que podíamos fazer era analisar as habilidades mais demandadas - e a gente tem a visibilidade das 10 milhões de vagas publicadas no site. A gente sabe quais as vagas mais demandadas, todo esse conjunto é o que chamamos de economic graph (gráfico econômico). No Brasil, crescemos 100 mil novos usuários por semana, temos esse crescimento desde 2012. Nos últimos 12 meses, 4 milhões de pessoas conseguiram emprego por meio do LinkedIn. Ter esses cursos gratuitos é uma forma de retornar o benefício à sociedade, o que todas as empresas deveriam fazer.

Mas como resolver esse déficit de profissionais de TI?

Tânia - O número é assustador e, quando você vê o impacto que a IA pode ter na retomada da economia brasileira, ela é enorme. A realidade no País é de um aluno que sai do segundo grau mal sabendo fazer cálculos básicos e com baixa interpretação de textos de média complexidade. Em média 17% dos graduandos brasileiros estão na área de exatas, a média é 24% nos países ricos, 40% na China.

Como animo esse aluno desde pequeno para a área de exatas? Trazendo um pouco do lúdico para a aula, defendemos a programação desde a educação básica. Mesmo que ele não vire programador, isso vai ajudá-lo a desenvolver a parte cognitiva em toda a sua vida. E se o número é baixo no mundo de exatas na média geral (17%), as mulheres são 15%.

Se a pessoa tem medo de matemática desde criança, vai ser difícil abraçar ciência de dados quando mais velha. É uma questão de desenvolvimento econômico e a gente precisa transformar a nossa educação se a gente quiser um País que tenha os nossos cérebros como a principal commodity.

Sendo um País de humanas, como é essa relação de profissionais numa rede como o LinkedIn?

Milton - Antigamente, as decisões de carreira eram tomadas de acordo com um círculo próximo. Seu tio era dentista e você queria ser também. Hoje você pode seguir as empresas, ver como as pessoas que estão lá se formaram, onde é bom estudar se quiser entrar em tal indústria. Para os jovens que estão saindo da faculdade e entrando no primeiro emprego, hoje a visibilidade das opções de trabalho é muito maior.

Eu sou engenheiro mecânico e, quando me formei, achava que ia trabalhar na indústria automobilística ou aeronáutica. Eu não tinha ideia de que uma empresa jornalística ou de cosméticos precisava de engenheiro mecânico. A visibilidade era muito restrita. Hoje você tem uma transparência muito maior, você sabe o que as empresas pensam, quem elas estão contratando. Toda essa transparência ajuda as pessoas a encontrarem o emprego dos sonhos.

Resolver hard skills ou soft skills, o que vem primeiro?

Milton - Sempre falo que as pessoas se dedicam muito às hard skills, a obter certificações, e esquecem que, se não souberem trabalhar em equipe com diversidade de pensamento, vão ter uma carreira muito curta nas empresas. Eu realmente acredito que mais importante do que você saber uma habilidade específica naquele instante é você ter a habilidade de aprendizado contínuo. Essa é a habilidade mais importante, aprender continuamente, saber que o que a pessoa sabe hoje serve para hoje, e não para daqui a dois anos. É a habilidade que eu mais procuro nos profissionais que a gente contrata no LinkedIn.

É uma habilidade que você conquista, aprende com mentores, cursos, você diminui a sua arrogância. Você descobre que não vai saber tudo e não vai saber tudo sozinho. E que trabalhar em grupo é sempre melhor.

Tânia - Concordo com Milton que um problema do mercado é essa falta de soft skills. Vemos pessoas com baixa resiliência, muito individualistas. 'Sou um gênio, sou brilhante, mas não trabalho bem em grupo'. Há muita arrogância. Nunca demos tanto valor para soft skills, incluindo diversidade, como o líder pode aprender a ser inclusivo.

Essa abertura para o aprendizado é muito importante. A Microsoft me acessou pelo LinkedIn, eu já era uma profissional bem sucedida, e uma das perguntas que me fizeram era por que a essa altura da carreira eu ia querer aprender coisas novas.

Do ponto de vista do gestor, como é olhar para o funcionário em casa no home office?

Milton - Uma das coisas que a gente sugere que seja adotada em momentos como esse, de pandemia, é que se posterguem projetos que não sejam prioritários. E que as pessoas sejam mais medidas em termos das entregas do que das horas feitas na frente do computador. Tem de partir da liderança da empresa esse conceito de empatia com os funcionários, pois cada pessoa está passando pela pandemia de forma diferente.

Antes da pandemia, o fato de você estar no escritório cumprindo horas, o fato de você estar lá fisicamente já contava. Não importa se você estivesse fazendo outra coisa no computador. Quando você está em casa, ninguém sabe se você está trabalhando, lavando louça ou vendo TV. Então, a mensuração do seu trabalho é a partir de entregas. É um modelo que nem todo mundo sabe fazer. Causa pressão no gestor, no funcionário. Ele responde e-mail na hora que recebe, não importa se é 22h da noite.

Então, a pandemia causou uma distorção no modelo. Demanda um conjunto de habilidades. Mas em geral a liderança precisa dar o exemplo, os gerentes têm de ser empáticos e, por fim, fazer uma medição em termos de delivery e não em termos de horário. Tenho funcionários com filho que precisam ajudá-los com a aula online no meio da tarde.

Tânia - Na pandemia você precisa ainda mais ser empático. Não é só o chefe que está cobrando porque não sabe o que o funcionário está fazendo, mas o funcionário está com medo de perder o emprego. Então ele se coloca uma pressão maior do que o chefe está colocando.

Fiquei muito feliz um dia quando um dos meus líderes homens me perguntou se podíamos proibir reunião das 11h às 13h. E eu perguntei por quê. Porque, ele disse, é o horário em que as colaboradoras mulheres do time dele estavam fazendo almoço e dando almoço para seus filhos. Se a gente focar nas tarefas, na produtividade, e não nos horários, como Milton falou, se esse funcionário estiver confortável, está funcionando. Eu, por exemplo, tenho que fazer almoço todos os dias em casa.

A gente conversa essas coisas nas reuniões e isso aproxima muito a liderança. Outro dia num café da manhã um estagiário me perguntou se eu lavava louça. Eu lavo louça, arrumo cama, arrumo casa. (risos)

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Estadão
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