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Excesso de chamadas de vídeo gera fadiga entre profissionais

Videoconferência é usada de forma exaustiva na pandemia, para reuniões entre equipes e externas; executivos contam como equilibram questão, e especialistas apontam caminhos para evitar desgaste

24 out 2020 - 22h07
(atualizado em 30/10/2020 às 18h19)
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Especial para o Estado

Um levantamento do instituto de pesquisa e monitoramento de mercado Hibou com 1,5 mil brasileiros das classes A, B e C mostrou que, mesmo quando puderem voltar a trabalhar fora de casa, 57% dos profissionais gostariam de continuar em home office. E home office hoje se tornou sinônimo de muitas novas práticas, das quais a chamada em vídeo talvez seja a mais difundida - e também a mais polêmica.

Se em um primeiro momento o recurso da webcam serviu até de consolo para quem sentiu um impacto emocional mais intenso com o distanciamento social, agora as empresas precisam ficar atentas aos excessos. Segundo a psicóloga Ana Carolina Peuker, CEO da Bee Touch, startup de mensuração digital de risco psicológico que criou até um "estressômetro" durante a pandemia, está se popularizando um novo termo no meio: a "zoom fatigue". "A expressão na verdade se refere à exaustão causada pela interação social intermediada pela tela do computador, independentemente da plataforma usada", diz.

Ela explica que uma simples conversa já demanda a decodificação de muitos sinais, como tom de voz e expressões faciais, que percebemos de forma inconsciente. Quando isso acontece de forma online, o desafio para o cérebro é maior. "São muitos sinais para serem decodificados em meio a questões como falha na conexão, delay, coisas que deixam tudo muito truncado e difícil para o cérebro. É uma demanda imensa do ponto de vista cognitivo."

Outro fator agravado pelas videoconferências corporativas, de acordo com a psicóloga, é a síndrome do impostor, que afeta principalmente profissionais que exigem muito de si mesmos e têm grande receio de falhar. "A pessoa se vê observada e avaliada o tempo todo e, mesmo que seja capacitada, ela se sente uma fraude", define. "A sensação é a de que tem uma câmera gigante percebendo tudo e que ela vai ser desmascarada a qualquer momento, apesar disso não corresponder à realidade."

Para que o vídeo continue a ser um facilitador para a carreira, em vez de se tornar uma espécie de penetra indesejado, Peuker acredita que seja a hora de estabelecer uma espécie de etiqueta. Ela fala que há possibilidade de a pessoa não se sentir à vontade com a videochamada, por exemplo, por não querer mostrar o próprio ambiente.

"Por outro lado, será possível aceitar que um colaborador nunca abra a câmera?", questiona. "As empresas vão ter que se dedicar a essa questão em cocriação com os colaboradores, não pode ser só de cima para baixo."

A etiqueta do vídeo: agenda fixa e respeito

Por atuar com certificação de produtos, serviço tido como essencial, a Intertek, empresa presente em mais de 100 países, abraçou a prática das chamadas em vídeo desde o início da pandemia. As regras, no entanto, foram prontamente colocadas.

"De cara já estabelecemos reuniões online semanais com os clientes, com limite de horário, duração e número de pessoas, procurando sempre ter um representante de cada setor", conta o diretor-geral Helio Simões. "Com isso conseguimos diminuir o estresse dos gargalos operacionais, que envolvem atividades desempenhadas no porto, por exemplo."

Internamente, o executivo procurou nortear as videoconferências com a mesma disciplina. Foi definida uma agenda para o ano todo, com reuniões periódicas que têm dia e hora fixos, para que os colaboradores possam se programar. "Eles sabem, por exemplo, que terão reunião comigo toda terça às 10h e deixam a agenda travada", diz.

Quando surge a demanda de uma reunião que não estava prevista, eles procuram avisar os participantes com 48 horas de antecedência, justificando a necessidade por e-mail e sugerindo um horário que combine a agenda de todos.

"Há muitos funcionários que estão tendo que dividir atenção com a família, funcionária que está amamentando", observa o diretor. "A gente procura respeitar a individualidade e a condição de cada um."

Colocar limites claros na realização de calls também foi a solução da Unilever para não sobrecarregar os colaboradores. A companhia lançou as chamadas "regras de ouro", que vetaram reuniões entre 12h e 13h30 e após as 18h, estabeleceram um intervalo mínimo de 10 minutos entre uma chamada e outra e determinaram que o expediente de sexta-feira se encerre às 16h, dando um respiro a todo o time.

Segundo Ana Paula Franzoti, head de desenvolvimento organizacional e cultura da Unilever, apesar de já existirem o home office e as jornadas de trabalho flexíveis como políticas de RH antes da pandemia, aprender a trabalhar 100% no ambiente virtual foi um desafio. "Desde o início, mantivemos o cuidado e a atenção necessários à saúde física e mental e ao bem-estar dos nossos colaboradores, reforçando a importância das pausas ao longo do dia", relata. "A definição de regras simples foi fundamental para organizar as agendas internas e amenizar o impacto da nova realidade do trabalho."

Vídeo, telefonema, e-mail ou WhatsApp?

Entender que questões pontuais muitas vezes são resolvidas de forma mais rápida e eficaz em um simples telefonema ou com a troca de dois ou três e-mails também conta. "O importante é ser efetivo na comunicação e alcançar o objetivo que a gente precisa", resume Carol Nicolay, head de RH na Kovi, startup de locação de automóveis para motoristas de aplicativos.

Por ela mesma morar sozinha, sempre teve o costume de pedir para conversar por vídeo. "Agora que a coisa ficou mais intensa, fui deixando mais leve e entendendo que às vezes a pessoa não está a fim", simplifica. "Se por um lado não tem mais aquela coisa de passar no corredor e poder conversar com outra pessoa, por outro a gente ficou mais independente para tocar as coisas, sem precisar trocar ideia sobre tudo."

Fundadora e CEO da DUXcoworkers, empresa especializada na experiência do usuário, a publicitária Melina Alves aponta o caminho das pedras quando o assunto são as reuniões online - e também quando elas não são o recurso mais indicado.

A empresária lembra primeiro que menos é mais. "No ambiente remoto, reaprendemos a olhar para a pessoa pelo que ela fala, pelo que ela realiza e não pela imagem de vídeo que ela vende ou parede de fundo que usa", exemplifica. "Isso não deve ser um rótulo de criatividade ou qualificação profissional."

Do lado dos gestores, ela aponta que planejar um roteiro de reunião para que todos estejam preparados para os temas e objetivos a que se quer chegar naquele tempo previsto é fundamental, assim como evitar o excesso de calls. "Estão todos sofrendo disso, muitas vezes sem tempo para ir ao banheiro", observa, lembrando que entender a saúde do ambiente e o tempo dos colaboradores, que agora precisam conciliar as horas de trabalho em frente à tela com a gestão familiar, é essencial para desenvolver processos mais eficientes.

UM MEIO PARA CADA MOMENTO

Cartilha de boas práticas no home office, segundo Melina Alves

Videoconferência: para alinhamento geral, novos pedidos, delegação de tarefas coletivas e follow up entre empresa e time

Telefone: para urgências, alinhamentos importantes com pequeno fórum ou one-to-one, para funcionários com crianças em casa e/ou com excesso de tarefas domésticas

E-mail: para reserva de agenda, novos pedidos e revisão de solicitações entre cargos gerenciais

WhatsApp: usar como lembrete para reforço de urgências e grupos restritos de projetos com pauta e objetivos bem delineados

Estadão
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