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Uma revolução digital no campo

Tecnologia pode ajudar a enfrentar efeitos da covid-19 e combater a pobreza entre agricultores familiares

30 jun 2020 - 04h11
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Cerca de 16 milhões de agricultores familiares vivem e trabalham nas zonas rurais na América Latina e no Caribe. Esses trabalhadores e suas famílias são a coluna vertebral da agricultura, que garante a segurança alimentar e nutricional da região. Apesar do papel-chave que desempenham, a maioria sobrevive na pobreza, com serviços deficitários, acesso escasso ou nulo ao crédito e longe das políticas públicas que fomentam o desenvolvimento social.

Pelo menos 20% da população rural vive na extrema pobreza e está localizada em pequenas fazendas de baixa produtividade. A pandemia acentuou o papel estratégico da agricultura familiar e ampliou a consciência política e social sobre essa modalidade de produção. Mas impôs barreiras para visitas de extensão rural, que levam informações técnicas e sanitárias decisivas para melhorar a produção e o cultivo de animais.

Há efeitos da pandemia que devem ser aproveitados e outros, enfrentados, se quisermos utilizar a capacidade do setor agropecuário de apoiar uma reação da economia, colapsada pela pandemia.

Na América Latina, 38% da população não tem acesso à internet. Nas áreas rurais, o isolamento é ainda maior. No Brasil, por exemplo, segundo o censo agropecuário, a internet não chega a mais de 70% das propriedades rurais. Ao mesmo tempo, os serviços de extensão rural devem estar cada vez mais associados às tecnologias disponíveis, capazes de fortalecer a agricultura familiar, aumentar a produtividade e gerar renda.

O Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) acaba de assinar um acordo com a ONG Agricultura de Precisão para o Desenvolvimento (PAD), cofundada pelo economista de Harvard e Prêmio Nobel de Economia (2019) Michael Kremer. O objetivo é trazer para a região uma solução simples e barata que sua organização tem aplicado na Ásia e na África, beneficiando 3,6 milhões de pessoas.

Trata-se do envio de informações técnicas, com linguagem simples e adaptada, a telefones celulares de pequenos produtores rurais, inclusive por SMS. Com essa prática simples, a PAD conseguiu resultados impressionantes, que chegam a 3,6 milhões de agricultores ao custo médio de US$ 1,46 ao ano por produtor. Para isso, é muito importante o papel da cooperação técnica.

Estamos às portas de adotar a tecnologia 5G, que vai introduzir a internet das coisas. Grandes e modernos agricultores certamente não terão dificuldades de conectar suas fazendas a cadeias logísticas inteligentes. Mas essa não será a realidade dos pequenos agricultores. A tecnologia 5G pode aumentar ainda mais as diferenças sociais. Se até o envio de mensagem por uma tecnologia já ultrapassada nos centros urbanos, como o SMS, é capaz de gerar o início de uma revolução, temos o dever de agir e de conectar o campo.

Se a América Latina conseguir alcançar os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em termos de digitalização até 2030, podemos gerar um impacto na produtividade que permitiria um crescimento regional acima de 3% ao ano, de acordo com a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal). Se a força do setor agropecuário na região pode liderar a recuperação no pós-pandemia, devemos focar em estratégias de disseminação de tecnologia, expansão de infraestrutura de telecomunicações e facilidade de acesso massivo a smartphones, que se tornaram a principal plataforma de informação.

Essa infraestrutura é a base de uma incipiente revolução agrícola digital, que vai permitir acesso à informação em tempo real para a tomada de decisões e para um manejo mais preciso baseado no uso de boas práticas. É também uma estratégia viável e efetiva para melhorar a vida nos territórios rurais, uma questão de sobrevivência para nossas sociedades cada vez mais urbanas.

*DIRETOR-GERAL DO IICA

Estadão
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