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Um mundo em dois tempos

De um lado estão empresas de tecnologia, que estão faturando como nunca; do outro está a velha economia

1 ago 2021 - 17h06
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Quem não se lembra do primeiro carro fabricado no Brasil, o DKV Vemag? Eu viajei muito no DKV do meu avô, rodando as primeiras estradas asfaltadas que rasgavam as florestas do País. O DKV era esquisito: as portas abriam ao contrário, usava um motor de dois tempos e sofria para subir a antiga estrada de Santos.

A economia mundial vive em dois tempos. As perspectivas macroeconômicas e para os mercados financeiros são excelentes, principalmente quando comparadas ao que poderia ter sido sem a vacina.

No entanto, vivemos em um mundo cheio de contrastes. O principal deles diz respeito à vacinação da população: quem tem a vacina, não quer se vacinar, e quem não tem, quer. Nos Estados Unidos, 60% da população adulta já está imunizada, enquanto o restante não quer ser vacinado.

Isso impõe um falso dilema para acelerar a reabertura e a retomada da atividade econômica, principalmente no setor de serviços. Justamente quando o crescimento do PIB trimestral anualizado chegou a 6,5% no segundo trimestre, a variante Delta aumentou o número de casos e de hospitalizações, principalmente onde a população é contra a vacina. O luxo de ter a liberdade de ser contra a vacina coloca em risco a vida alheia, afetando, principalmente, os segmentos mais vulneráveis da população.

Um segundo contraste é o resultado financeiro das empresas americanas no segundo semestre. Até agora, os resultados divulgados têm superado as expectativas e revelam uma forte recuperação da demanda privada. Chamam a atenção o crescimento do volume de vendas, o crescimento do lucro, os fluxos de caixa positivos e a desalavancagem das empresas que mais sofreram com o lockdown.

No entanto, os resultados também mostram que há duas classes de empresas. De um lado, estão as gigantes da tecnologia, como Amazon, Apple, Google e Microsoft. Elas não só superaram todas as suas metas, como também as suas perspectivas para o futuro são extraordinárias. Nos últimos 12 meses, o preço das ações da Google e da Amazon dobrou, comparado com um aumento de 67% do índice S&P 500, ajustado para dar o mesmo peso a todas as empresas (ETF chamado RSP).

Do outro lado, está o restante, incluindo a velha economia e a segunda classe do setor de tecnologia. Uma boa parte dessas empresas divulgou resultados espetaculares, mas isso já estava no preço das ações. Por exemplo, os grandes bancos americanos reportaram retornos extraordinários (entre 11% e 22%). No entanto, os investidores realizaram lucro, e o preço das ações caiu 10% em média.

O terceiro contraste é o vigor econômico dos países da Ásia emergente. A China decolou antes das economias ocidentais e crescerá 8% em 2021. O que mais chama a atenção é a velocidade do avanço tecnológico, inovações, investimentos em educação, aumento da produtividade e crescimento do mercado de consumo da região. Enquanto isso, no Brasil, perdemos completamente esse ciclo de crescimento, impedindo o País de melhorar o bem-estar da população. Os "apagões" no mercado de trabalho e no setor da educação decorrentes da pandemia ampliaram ainda mais esse hiato econômico.

O quarto contraste diz respeito às formas de organização política e econômica de diferentes regiões no mundo. Em particular, a intervenção crescente do governo chinês na economia e no mercado financeiro é preocupante.

O governo endureceu com os setores de tecnologia, acesso e uso de dados, funcionamento dos mercados e, mais recentemente, educação. Por um lado, apertar o controle da informação fortalece o poder político do regime chinês. Por outro lado, a intervenção não só despertou a desconfiança do investidor estrangeiro, como poderá asfixiar o empreendedorismo e as inovações tecnológicas dessa nação.

A linha oficial do partido é "veja bem, esses ajustes são necessários para aumentar a concorrência e cercear o poder econômico dos oligopólios". Os comentários do governo me fazem lembrar as declarações de presidentes da América Latina nos anos 80 no meio de um ataque especulativo: "A nossa situação cambial é absolutamente normal e refogaremos os especuladores au jus". Cuidado: a fritura pode torrar o pato dos ovos de ouro.

Nessa linha de raciocínio, a pergunta é para qual dos tempos levaremos o Brasil em 2022? Será que é inevitável voltarmos ao mundo do DKV Vemag ou da Lava Jato? Ou será que as nossas lideranças políticas e empresariais encontrarão novos caminhos para recolocar o Brasil onde ele merece? Modernizar o País politicamente para deslanchar o progresso tecnológico através da educação e da saúde pública, visando a aumentar renda, emprego e bem-estar do brasileiro!

PROFESSOR DE FINANÇAS NA UNIVERSIDADE DE MIAMI E PRESIDENTE DO EXECUTIVO COMITÊ GLOBAL DE ALOCAÇÃO, XP PRIVATE

Estadão
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