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UE e Japão pedem o fim, 'sem demora', de incentivos brasileiros condenados pela OMC

Países querem garantia de que o Brasil não vai simplesmente substituir os programas por outros similares; Itamaraty questionou interpretação de juízes da organização

11 jan 2019 - 12h17
(atualizado às 13h50)
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GENEBRA - Os governos da União Eureopeia (UE) e do Japão defendem que o Brasil não faça apenas a substituição de seus incentivos fiscais condenados na Organização Mundial do Comércio (OMC) por novos programas que possam ferir uma vez mais as regras internacionais e prejudicar os produtos importados. Bruxelas e Tóquio também pediram ao governo de Jair Bolsonaro que desmantele "sem demora" os programas considerados como ilegais.

Um dos incentivos condenados, o Inovar-Auto, que reduzia os encargos para veículos produzidos no Brasil, foi substituído pelo programa Rota 2030. O governo, porém, garante que o novo modelo de apoio à indústria não viola as regras do comércio.

Em dezembro, o tribunal da OMC condenou cinco programas de incentivos fiscais do Brasil e, nesta sexta-feira, 11, a decisão foi oficialmente adotada. A partir de agora, será iniciado o período de 45 dias durante os quais o Itamaraty terá de chegar a um acordo sobre o que terá de ser feito para desmantelar o apoio hoje dado ao setor privado.

Para japoneses e europeus, os programas condenados precisam ser retirados "sem demora". Criados durante o governo de Dilma Rousseff, os programas distribuiriam R$ 25 bilhões em bondades fiscais. Depois de cinco anos de contenciosos, a entidade coloca um espécie de "fronteira" à política que poderá ser adotada no País na próxima década.

Foram declarados irregulares as formas de incentivos previstos na Lei de Informática, no Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores e Displays (Padis), além do Inovar-Auto, da Lei de Inclusão Digital e do Programa de apoio ao desenvolvimento tecnológico da indústria de equipamentos para a TV digital (PATVD).

Três dos programas condenados já foram encerrados. Mas a Lei de Informática vence apenas no ano de 2029 e o Padis vence em 2022. Ambos terão de mudar ou passarão por uma profunda reforma para que não sejam considerados mecanismos que garantem uma concorrência desleal entre produtos nacionais e importados.

O que europeus e japoneses querem é uma garantia de que o novo governo brasileiro não irá apenas substituir os atuais programas por novos incentivos que, uma vez mais, garantam benefícios ilegais aos produtores no Brasil.

Ao discursar, a UE indicou que as medidas condenadas pela OMC "discriminavam de forma injusta" os produtores de veículos da UE, bens intermediários e bens de tecnologia de informação. Bruxelas insistiu que o Brasil deve cumprir de forma rápida com as decisões do tribunal diante do "impacto considerável" que os incentivos geraram contra suas exportações - e ainda criticou a demora da OMC em chegar a um resultado.

O governo do Japão também criticou o fato de o processo ter durado três anos e meio. Para o país, é fundamental que o Brasil "cumpra plenamente com a decisão sem a introdução de nenhuma nova medida".

A fala do governo japonês foi interpretado como uma indicação de que as alterações na Lei de Informática serão cuidadosamente avaliadas.

Legalmente, o fim desses programas não é tão simples, já que existem obrigações assinadas com empresas que fizeram investimentos e compromissos contratuais. Em alguns casos, membros do governo chegam a colocar em dúvida a sobrevivência de certos setores de informática se o incentivo simplesmente desaparecer e não for substituído por algo novo. Caso o Brasil não cumpra a decisão da OMC, Tóquio e Bruxelas já indicaram que irão solicitar a autorização para retaliar o Brasil.

Brasil questiona interpretação dada pelos juízes

Conforme o Estado antecipou, apesar de aceitar a condenação, o governo brasileiro questionou a interpretação dada pelos juízes. O argumento de Brasília é de que, pelas regras internacionais, uma vez que um produto pague os impostos de importação, ele precisa receber o mesmo tratamento que um produto nacional dispõe. Trata-se do princípio do "tratamento nacional".

O Brasil insiste, porém, que os acordos da OMC permitem uma exceção, que é a capacidade de governos para conceder subsídios a produtos nacionais. O que chamou a atenção dos especialistas brasileiros é que os juízes aplicaram uma nova interpretação do texto das regras e a condenação criou o que para muitos poderia ser um precedente perigoso na jurisprudência.

Pela decisão da OMC, os juízes interpretaram as leis de forma a restringir o alcance dessa exceção, o que tornaria todos os subsídios condenáveis e ilegais. Na avaliação do Brasil, isso poderia ter consequências negativas e afetar, entre os outros setores, o da agricultura.

De acordo com o Itamaraty, se a nova interpretação vigorar, países ricos poderiam ter seus subsídios à agricultura ameaçados, já que também poderiam ser considerados ilegais.

Outro alerta brasileiro se refere aos subsídios dados para a pesquisa e desenvolvimento, questões hoje autorizadas. Mas que, pela nova interpretação, poderia atingir até mesmo o desenvolvimento de aeronaves. O Itamaraty argumentou, por exemplo, que os incentivos americanos à Boeing poderiam ser condenados.

Em seu discurso, o Brasil indicou que 30 dos 35 países da OCDE deram algum tipo de subsídios na forma de incentivo fiscal por critérios de pesquisa e desenvolvimento.

Na avaliação do Itamaraty, membros da OMC precisam "considerar as consequências sistêmicas sérias" que podem gerar as condenações do tribunal ao Brasil.

O governo brasileiro ainda reforçou outra mensagem: a de que a decisão da OMC reverteu parcialmente uma condenação que um ano antes havia sido bem mais profunda. Na primeira instância, também tinham sido condenados o regime especial de aquisição de bens de capital para empresas exportadoras (Recap) e o Programa Preponderantemente Exportador (PEC).

O Itamaraty, porém, conseguiu que eles fossem absolvidos. Os programas apoiam centenas de empresas nacionais, entre elas a Samarco e a Embraer.

Europa e Japão lamentaram a decisão e insistiram que continuam considerando que os programas são ilegais. Mas, ainda assim, aceitaram a decisão final da OMC.

Estadão
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