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Tarifas de Trump põem em risco economia de cidades dos EUA

Sede da maior fábrica da BMW do mundo, Spartanburg teme impacto da guerra comercial no mercado de automóveis

22 jul 2018 - 05h12
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Em meio à campanha de David Britt para levar a BMW a instalar uma fábrica de carros em Spartanburg, Carolina do Sul, um homem o agarrou pela gravata num restaurante e sussurrou em sua orelha: "Não entregue esta terra aos alemães." Duas décadas depois, a fabricante de veículos se tornou a mais importante fonte local de emprego, conquistando a simpatia de um condado fortemente republicano no qual uma pessoa em cada dez ganha a vida fabricando carros ou peças para eles.

A fábrica da BMW em Spartanburg é a maior da marca no mundo. Ela ajudou a levar mais de 200 empresas de 12 nações para o Condado de Spartanburg. A fabricante alemã, que não é um ícone americano, como a Ford ou a General Motors, é hoje a maior exportadora de carros feitos nos Estados Unidos, o que também fez do Porto de Charleston, Carolina do Sul, um centro do comércio global.

Entretanto, ao iniciar uma guerra comercial internacional, o presidente Donald Trump ameaça o ganha-pão da cidade. E a população não está nada satisfeita.

"A BMW salvou Spartanburg e transformou a Carolina do Sul numa meca mundial da indústria manufatureira", disse Britt, membro da Câmara de vereadores do condado. "Mexeu com a galinha dos ovos de ouro, mexeu com todos, inclusive comigo."

Na semana passada, o Departamento de Comércio fez uma reunião em Washington para discutir se carros e peças importados afetam a segurança nacional - premissa para um plano do governo para impor pesados tributos sobre eles. Se isso ocorrer, as tarifas quase certamente terão repercussões mais amplas e profundas na economia que as do pescado e do aço. Carros não são produtos de apenas uma fábrica e de uma única equipe de funcionários. Eles resultam de uma ação conjunta de centenas de empresas que formam uma rede de fornecimento que pode extrapolar pequenas cidades dos EUA e cruzar oceanos.

Dezenas de pessoas participaram da reunião, entre elas representantes da indústria automobilística e proprietários de pequenos negócios, todos contra o plano de taxação. Eles argumentaram que a medida encarecerá a fabricação de carros nos EUA, levando outros países a responderem à altura, o que afetará as exportações americanas.

A China já elevou tarifas sobre carros procedentes dos EUA. A União Europeia (UE) prometeu tarifas retaliatórias de cerca de US$ 300 bilhões.

Trump culpa em grande parte a Europa por sua decisão de elevar tarifas. A UE cobra uma tarifa de 10% sobre carros feitos nos EUA, em comparação aos 2,5% da tarifa americana sobre carros europeus. O presidente chamou recentemente a UE de "inimiga" e está particularmente irritado com a Alemanha, que considera uma "péssima" parceira comercial.

"Acabem com as barreiras e livrem-se de suas tarifas", disse Trump sobre as políticas comerciais europeias num comício em março na Pensilvânia. "Se vocês não fizerem isso, nós vamos taxar BMWs e Mercedes-Benz."

Larry Kudlow, assessor econômico da Casa Branca, disse que espera uma decisão "muito importante" quando o presidente da UE, Jean-Claude Juncker, visitar Washington nesta semana.

Fustigar os fabricantes alemães pode prejudicar essa faixa norte do Estado da Carolina do Sul onde fica Spartanburg. Em março, o principal executivo da BMW, Harald Krüger, disse que "as tarifas de Trump sobre veículos terão impacto no mercado de trabalho dos EUA". Em junho, em carta ao Departamento de Comércio, a empresa disse que poderá cortar investimentos na produção em Spartanburg se os SUVs fabricados nos EUA ficarem muito caros para serem vendidos no exterior.

Neste ano, a BMW já parou de exportar o crossover X3 de Spartanburg para a China e começou a fabricar mais desses SUVs em plantas de Shenyang, China, e Rosslyn, África do Sul.

A companhia anunciou há duas semanas que no próximo ano vai expandir para 520 mil veículos a produção em suas duas plantas em Shenyang, superando a produção em Spartanburg. Na semana passada, o governo chinês anunciou que autorizará a BMW a elevar sua participação na joint venture de Shenyang de 50% para 75%, o que fará da empresa a primeira fabricante estrangeira de carros a ter maioria numa manufatura em operação na China.

Essas mudanças no exterior estão sendo acompanhadas de perto em Spartanburg. "Elas nos atingem diretamente", disse A. J. Cemprola, desenvolvedor de software na BMW local. Segundo ele, todos na cidade trabalham ou conhecem alguém que trabalha na BMW. "Esta região cresceu muito com a BMW e não queremos que isso mude", afirmou.

A BMW afirma que vai fabricar um novo veículo, o X7, em Spartanburg. Mas a guerra de tarifas provoca calafrios na região. Se a BMW decidir fazer menos SUVs aqui, os efeitos vão muito além do holerite de Cemprola.

Uma parte significativa das milhares de peças de um X3 não é feita em Munique, mas por pequenas e médias empresas espalhadas pelos Estados Unidos. O sistema da porta, por exemplo, vem de uma fábrica de Duncan, Carolina do Sul, de propriedade da Brose, fabricante alemã de peças que também tem fábricas em Michigan, Illinois e Alabama.

A Brose não quer especular sobre o impacto das tarifas. Mas o gerente industrial do grupo, Michael Morgenroth, disse que "quem for esperto pode tirar as próprias conclusões".

No Porto de Charleston, na semana passada, barreiras tarifárias pareciam uma preocupação distante. Portuários embarcavam 300 reluzentes SUVs num grande navio que funciona como um estacionamento aquático. O navio faria escalas na Inglaterra, Bélgica e Alemanha.

Em junho, o porto embarcou mais contêineres que em qualquer outro mês de sua história - possivelmente refletindo uma fuga antecipada de novas tarifas. Mas Jim Newsone, executivo da South Carolina Ports Authority, advertiu que, se o vaivém na briga comercial com a Europa subir de tom, "nosso porto também será afetado".

*Tradução de Roberto Muniz.

Estadão
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