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'Se você é negro, você sempre tem de ser o melhor'

Hoje desempregada, a gestora de marketing Neuza Oliveira diz que sofreu constrangimentos

27 set 2020 - 05h11
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São comuns os relatos de preconceito no ambiente de trabalho. Antes de perder o emprego no início da pandemia, Neuza Oliveira, de 46 anos, era gestora de marketing em uma empresa. Até alcançar o cargo, disse ter passado por seleções marcadas por "olhares de cima a baixo" e respostas como "você se encaixa muito bem nessa vaga, mas estamos mudando o perfil dela".

Natural de Minas Gerais, veio para São Paulo aos 21 anos e o primeiro trabalho que encontrou foi de empregada doméstica em uma mansão no bairro Morumbi. Por sorte ou destino, os patrões ofereceram uma oportunidade de trabalho como recepcionista em uma agência de publicidade.

Fez um curso técnico de design gráfico e, aos 30 anos, veio a chance de cursar a faculdade de Publicidade e Propaganda por meio do Programa Universidade Para Todos (ProUni). Foi a primeira da família a ter diploma de ensino superior. Depois, fez MBA na USP e um curso de inglês. "Se você é negro, você sempre tem de ser o melhor", afirma ela.

Neuza relata casos em que sentiu preconceito durante entrevistas de emprego. "Eu estava em uma sala com várias pessoas e era a única negra. Chegou um entrevistador e me olhou de cima a baixo. Ele não disse nada, mas você está tão acostumada que sabe o que aquele olhar quer dizer. Antes de ser entrevistada, eu já sabia que não seria aceita."

Há cerca de três meses, uma recrutadora a entrevistou por vídeo e afirmou que encaminharia seu currículo a uma empresa que estava com uma vaga para uma profissional exatamente como ela. "Depois de algumas semanas sem resposta, entrei em contato e a recrutadora me falou que não iriam me contratar porque a vaga estava sendo remodelada. Em um momento você é perfeita, tem todas as qualificações, e depois eles dizem que vaga está sendo modificada."

Já a advogada Danielle Alves, hoje com 28 anos, passou por 17 entrevistas de emprego antes de conseguir uma vaga como jovem aprendiz, aos 16 anos. Foi no departamento fiscal de uma empresa. "Naquela época, não entendia muito bem a questão do racismo e achava que o problema era comigo." Ela diz que em muitas entrevistas era a única negra e que recebia um tratamento diferente. "Todos ali eram adolescentes da mesma faixa etária com a mesma experiência. Os outros faziam duas ou três entrevistas e passavam, e eu não era aprovada."

Doutor em Relações Internacionais, Flávio Barros, de 56 anos, diz que poderia ter ainda mais histórias de racismo no currículo se não tivesse conseguido uma oportunidade de sair do País logo depois de se formar em Administração de Empresas na FGV. Fluente em inglês e francês, ele estudou na França e trabalhou na Dinamarca.

Mesmo com esse currículo, não conseguiu emprego na volta ao Brasil. A saída foi empreender. Desde 1997, é dono de uma empresa de análises de conjuntura, prestando serviço a grandes companhias e ao setor público. Até hoje, ele diz que sofre preconceito. "As pessoas perguntam para mim onde está o dono da empresa. Quando entro em uma reunião, os outros questionam quando o responsável vai chegar."

Estadão
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