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Sair da caverna

Um bom entendimento entre os agentes do setor bastaria para melhorar a competitividade do gás

15 dez 2018 - 04h11
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A atual situação do mercado de gás natural me lembra aquele evento trágico, de repercussão mundial, ocorrido na Tailândia quando um grupo de crianças de um time de futebol ficou preso numa caverna. Segundo relatos, quando os mergulhadores chegaram à caverna, um deles teria perguntado a um dos meninos o que ele queria fazer e a resposta foi "jogar no Barcelona". De pronto, o mergulhador respondeu "primeiro, vamos sair da caverna".

O setor de gás está na caverna há anos e não consegue sair pelo fato de seus agentes - do produtor ao consumidor - não entenderem que todos têm importância e valor na cadeia do gás e, principalmente, não conseguirem definir prioridades, onde sempre o bom é inimigo do ótimo.

Enquanto nas principais economias do mundo cresce a participação do gás como energético de transição para uma matriz mais limpa, a evolução do setor no Brasil é pífia. Um exemplo das mudanças e da importância do gás foi o recente anúncio de que o Catar sairá da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) sob a justificativa de maior foco na produção de gás natural liquefeito (GNL), produto de que é o principal exportador. Para reverter este quadro, é preciso melhorar o entendimento da cadeia pelos agentes, promover a concorrência e investir em infraestrutura. Tanto na produção quanto no consumo, o Brasil é responsável por menos de 1,0% do mercado global, e internamente o market share do gás natural é de apenas 12%.

O setor de gás não tem mecanismos legais e regulatórios apropriados para se desenvolver no Brasil. A verticalização da cadeia e o monopólio da Petrobrás são determinantes para a falta de competição e a baixa diversificação de atores. Hoje a Petrobrás opera 91% dos campos e produz 69% do gás, e ainda é proprietária de todas as Unidades de Processamento de Gás Natural (UPGNs).

No nível do midstream, a ausência de separação jurídica entre transportador e carregador e a deficiência na malha de gasodutos de transporte são os principais entraves. A Argentina tem uma rede 70% maior que a brasileira em extensão, mesmo com apenas 1/3 da dimensão física. Os EUA, que são referência mundial, têm uma malha quase 50 vezes maior, com cerca de 500 mil km.

As concessionárias de distribuição dependem das etapas anteriores para garantir o atendimento da demanda do mercado consumidor. A remuneração das concessionárias decorre do serviço prestado pela distribuição, e não da comercialização do gás. Atualmente, o gás destina-se principalmente aos segmentos industrial e de geração elétrica, que respondem por 85% da demanda final.

Um bom (e não necessariamente ótimo) entendimento entre os diversos agentes do setor seria suficiente para melhorar significativamente a competitividade do gás no País.

No setor industrial, poderia viabilizar a substituição de carvão, óleo combustível e lenha, que somaram mais de 25% do consumo final em 2017, por gás natural, atualmente restrito a 11%. Na geração elétrica, a contratação de térmicas a gás na base é fundamental para a transição do sistema rumo a uma matriz dependente de fontes renováveis intermitentes.

Nos transportes, o gás é responsável por apenas 2% do consumo energético total. Globalmente, há um movimento de expansão desse energético como alternativa ao diesel no abastecimento de veículos pesados, sob forma de GNL. A China tem se destacado, ultrapassando recentemente a marca de 300 mil caminhões a GNL, e na Europa o projeto LNG Blue Corridors criou rodovias exclusivas para esses veículos. O GNL viabiliza, ainda, o uso do gás em navios e trens, aumentando em grande escala a demanda.

É preciso, primeiro, sair da caverna, definindo prioridades e concordando com as necessidades imediatas e de maior geração de valor. Isso só ocorrerá por meio de um debate aberto que una produtores, transportadores, distribuidores e consumidores em torno de uma agenda mínima convergente, ampliando a presença do gás na matriz energética brasileira. Do contrário, não será possível dar vazão ao aumento da produção e as alternativas serão exportação, reinjeção ou até limitação da produção, principalmente nos campos do pré-sal.

*DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRUTURA (CBIE)

Estadão
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