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'Queremos tirar o governo da jogada', diz presidente do Banco Central

Presidente do BC monta agenda de projetos para tentar destravar o crédito e reduzir os custos dos financiamentos no País

6 jul 2019 - 04h11
(atualizado às 09h14)
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BRASÍLIA - O Banco Central prepara um choque de competição no mercado bancário brasileiro para baratear e expandir o acesso ao crédito no Brasil, afirmou, em entrevista ao Estadão/Broadcast, o presidente da instituição, Roberto Campos Neto.

Segundo ele, uma das medidas será facilitar o uso dos imóveis quitados como garantia de novos empréstimos, reduzindo o custo de financiamentos e estimulando a economia. "Queremos tirar o governo da jogada", afirmou. A seguir, os principais trechos da entrevista:

A aprovação da reforma da Previdência na Comissão Especial na última quinta-feira é movimento concreto para o Banco Central cortar os juros?

Em nenhum momento quisemos passar a informação de que era uma relação mecânica: se tem reforma, tem isso de juros; se não tem reforma, não tem. Nós avisamos que há três fatores (de risco): cenário externo, hiato do produto (diferença entre o PIB corrente e o PIB potencial) e reformas. Mudamos bastante a linguagem em relação aos três. O resultante disso foi uma linguagem final em que tentamos comunicar que estamos mais confortáveis com o cenário de inflação benigna. Se o passo de ontem (quinta-feira) foi importante? Foi uma primeira vitória. Mas nós do BC não temos a tarefa de especular como vai ser a tramitação. Temos de esperar.

Com a aprovação da reforma, uma agenda mais positiva passa no Congresso?

Passando a reforma, que é o tema mais polêmico, eu acredito que a facilidade deve aumentar para os outros temas que são mais relacionados à agenda positiva. Há a sensação que estamos tomando as medidas certas. A equipe econômica tem outras agendas. A gente não para na reforma. O Banco Central pode contribuir na parte de democratização do crédito.

Qual o papel do crédito na retomada da economia?

O mercado é um dos canais onde ainda temos visto uma força. O crédito livre (sem juros subsidiados) está crescendo em torno de 11%. Pessoa física tem mostrado um crescimento mais saudável. Ele está funcionando bem.

O BC pode fazer mais?

Pode. Pode baixar o spread (a diferença do juro que o banco paga ao captar um recurso e o que ele cobra ao emprestá-lo), aumentar a inclusão. Importante é a parte do mercado imobiliário. O sistema de financiamento imobiliário é de uma mão. Você consegue financiar a sua casa, apesar da imperfeições que ainda existem. Mas, quando se quer extrair valor da casa, fazendo produtos que chamamos de "reverse mortgage" ("hipoteca reversa", empréstimo hipotecário tendo como garantia o imóvel, que permite ao mutuário acessar o valor livre da propriedade), "home equity" (o cliente usa um imóvel quitado em seu nome como garantia para conseguir um empréstimo pessoal), essa via é interrompida. Em grande parte dos países, tem uma via de financiar a casa, adquirir o imóvel, e outra de extrair valor. É comum nos países mais avançados, onde o valor de propriedade subiu muito, uma pessoa no final da vida retirar o valor da propriedade. Temos várias linhas de aprimorar esse instrumento para que tenha um colateral (garantia) para baixar a taxa de juros.

De que forma?

Você tem uma dívida pequena hoje no banco e coloca a casa como garantia. Os juros deveriam baixar muito, porque é um colateral valiosíssimo. Hoje, ainda tem impeditivos que fazem com que isso não aconteça. Os bancos europeus têm uma história mais antiga desse mercado, mas recentemente vimos plataformas que estão fazendo isso. Crédito com garantia de imóvel. Estamos querendo que o mercado de financiamento de casas tenha duas vias.

Mas essa modalidade de crédito já existe...

Sim, mas baixa muito pouco a taxa de juros, porque tem muitas imperfeições. Existe mas não existe, porque, se pegar o total, é irrelevante. Se hoje vou pegar um empréstimo de R$ 100 mil e colocar a minha casa como garantia, o meu custo de cartório é altíssimo, o IOF vale de um lado, mas não vale do outro. Alguém precisa fazer uma avaliação da casa que custa muito caro. São várias medidas a serem tomadas.

Por que o BC tem olhado tanto agora para as medidas microeconômicas?

Essa agenda é muito importante. Tínhamos uma imperfeição na microeconomia muito grande. É difícil fazer negócio no Brasil. É difícil uma empresa pequena emitir capital, ter acesso ao mercado de capitais. Se a empresa quer fazer investimento de longo prazo, é difícil fazer o hedge (proteção financeira). Há várias imperfeições no mercado de fundos imobiliários, toda essa parte de acesso a funding (fontes de recursos), de inclusão financeira.

O Brasil convive com esse quadro há muito tempo...

É verdade. Uma das formas que o governo achou de encobrir as imperfeições foi dar um dinheiro barato, abaixo do custo de oportunidade. Em algum momento, bateu no muro do fiscal e teve de retirar os incentivos. As imperfeições ficaram mais aparentes. Não tem mais o subsídio. E com os juros mais baixos fica mais fácil ver as imperfeições. A agenda importante é a BC+. Teremos várias medidas para corrigir essas imperfeições.

O sr. conversou com os líderes dos partidos para definir uma agenda de projetos no Congresso. O que vem primeiro?

Temos uma gama de projetos bastante grande. Tivemos uma primeira reunião. Entendemos que a parte da simplificação cambial é importante, porque vai em linha com o movimento de abertura comercial. Essa é uma prioridade, como também o projeto de autonomia do BC, que separa o ciclo político do monetário.

O que é a simplificação cambial?

O sistema cambial tem varias imperfeições, como por exemplo, para fechar o câmbio tem de ser uma instituição financeira. É difícil mandar o dinheiro para fora. Essa primeira etapa, que acreditamos vai levar à conversibilidade (quando uma moeda é trocada livremente pela de um outro país), é de simplificação. Serão mudadas 40 regras. A conversibilidade é consequência. O mais importante é ter um sistema cambial mais barato e inclusivo, melhorando a parte de exportação, importação e para o investidor estrangeiro. Vai ajudar ao processo de abertura comercial.

E a conta em dólar, que já foi anunciada, quando sai?

É uma consequência do processo final. Se temos uma moeda conversível, podemos ter conta não só em dólar, como em outras moedas. É um projeto de longo prazo dentro do meu mandato.

Sem autonomia do BC, dá para fazer a agenda microeconômica?

Se a autonomia for aprovada, a partir de fevereiro de 2020, vai ser eleito um presidente do BC, que provavelmente serei eu nesse caso, que vai ter um mandato de quatro anos. A ideia é que o mandato do presidente do BC seja não concomitante com o do presidente da República para denotar essa separação entre o ciclo monetário, de aperfeiçoamento micro, de medidas e o ciclo político. Tenho percebido que essa agenda de baixar o custo do crédito tem encontrado pouca resistência, não importa se o parlamentar é mais de direita ou mais de esquerda.

O BC parece que mudou de posição e agora dará mais ênfase na competição dos bancos. O que é essa agenda de democratização?

Esse é um dos ângulos fundamentais da nossa agenda. Nos últimos três meses, vimos uma mudança maior desse mercado de meios de pagamentos do que nos últimos dois anos. Vemos todas essas plataformas competindo de uma forma mais acirrada, o que é bom porque significa um sistema mais barato. Mas apesar dos juros terem caído bem, não teve o efeito que as pessoas esperavam. Temos os juros no mínimo histórico (6,5% ao ano) e ainda temos modalidades de juros muito altas, acima do que gostaríamos e temos manifestado isso.

Qual a mudança?

A agenda sai desses dois pontos para ser uma agenda mais ampla. Estamos trabalhando para aumentar o cooperativismo. Temos o objetivo de mais do que dobrar. Lançamos o desafio. Estamos mudando algumas modalidades de funding, criando a possibilidade de cooperativa ter poupança rural. São várias pequenas medidas. No microcrédito, queremos dobrar. Ele é importante porque gera inclusão e mais, gera emprego. Tem todo um tema de inclusão via as fintechs (empresas de tecnologia focadas no setor financeiro), estamos incentivando. Queremos ter o openbankig (em tese, os bancos passariam a ser obrigados a abrir os dados dos clientes sempre que houver demanda e autorização expressa deles).

Por que essa agenda é importante para a redução do spread?

Vamos ter mais competidores, mais tecnologia. O mercado financeiro hoje tem muitas amarras. Na hora que eu tiro as amarras, vai ter a capacidade de não usar os bancos como intermediários. Em vez de sempre recorrer aos bancos, a empresa pequena terá um custo mais barato se acessar o mercado de capitais direto. Com o aumento das plataformas, as pessoas terão mais opções de investimento. Queremos tirar o governo da jogada.

Como?

Por que foi tão difícil para o Brasil criar um mercado eficiente? Porque o principal tomador de recursos foi o governo. À medida que o governo entregar um fiscal melhor, que precise se financiar menos, entramos com as outras ferramentas que é de melhorar a situação microeconômica da inclusão ao crédito, da competição. Precisamos democratizar o acesso ao mercado financeiro, criar competição, tecnologia, acesso a mais pessoas, mais barato, mais rápido. Que os empreendedores pequenos consigam fazer negócio. Essa é uma agenda que estamos inseridos. Aumentou muito o espectro do que era feito no passado e o que nós queremos fazer agora.

O BC sempre foi questionado de o mercado ser muito concentrado com cinco bancos. Houve uma mudança?

Precisamos fazer uma diferenciação entre concentração e competição. Depois da crise de 2008, os países fizeram uma troca de um sistema financeiro mais sólido por um mais concentrado. A crise financeira afetou mais os pequenos do que os grandes. Não foi só no Brasil. O que está ocorrendo agora é uma nova onda onde a tecnologia vai fazer o papel da desconcentração. A tecnologia vai gerar a competição. Os bancos trabalhavam com um sistema que está sendo hoje desafiado pela tecnologia e pela globalização. Isso vai gerar aumento de competição de qualquer forma.

O que o BC está fazendo para acelerar a competição?

Estamos entendendo que as pequenas iniciativas, se aumentadas, vão gerar uma competição natural. Por exemplo, o cooperativismo, que tem um juro mais barato, inadimplência mais barata porque grande parte do problema bancário, de spread, é o de informação assimétrica. Se temos menos informação sobre a pessoa que eu vou emprestar, se posso confiar na garantia, eu cobro mais caro. A cooperativa, o microcrédito, aproxima o tomador de quem empresta os recursos. Já temos a empresa simples de crédito. O resultado lá na frente é spread mais baixo para o consumidor.

Quais serão as medidas para as cooperativas?

Importante ter acesso ao funding barato. Incentivamos a captação pela poupança rural. Queremos assessorar na parte de tecnologia. Estamos trabalhando como vamos fazer um processo de expansão das cooperativas com mais tecnologia. Tem uma agenda regional para incentivar as cooperativas onde não tem agência de banco. O objetivo é saltar de 8% do crédito para perto de 20% até 2022. Eu sinto que agenda micro é menos "sexy" porque são várias coisas pequenas, mas o conjunto tem um grande poder. Tenho recebido mais apoio de que isso é importante e temos de fazer, inclusive dos congressistas.

Estadão
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