PUBLICIDADE

'Queremos atrair mais recursos do setor privado', diz presidente do BID

Mauricio Claver-Carone, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), pretende mobilizar capital para transferir produção da Ásia para o Brasil

27 jun 2022 - 05h10
(atualizado às 12h38)
Compartilhar
Exibir comentários

Presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) desde outubro de 2020, o americano Mauricio Claver-Carone acredita que o Brasil e demais países da América Latina têm uma oportunidade única de se reposicionar no comércio global e de atrair investimentos. Na visão dele, existe uma tendência de as grandes multinacionais realocarem parte da produção para países mais próximos do Ocidente, como uma forma de evitar problemas no fornecimento de peças e insumos vindos da Ásia - um obstáculo que se agravou depois da guerra na Ucrânia.

Em entrevista ao Estadão, Claver-Carone diz que pretende trabalhar para financiar projetos que buscam substituir parte da produção que é feita hoje na Ásia. Para isso, ele tem liderado uma reforma no BID Invest - braço de investimentos do BID voltado para o setor privado. O objetivo é estimular a participação de bancos e investidores privados em projetos estruturados pelo BID, que atuaria como um facilitador, oferecendo garantias. Isso seria feito por meio de um aumento de capital no BID Invest, a ser avaliado pelos países membros do banco de desenvolvimento. Em meio à turbulência global, diz o presidente do BID, "o mundo está vendo a América Latina e Caribe como um certo mar de tranquilidade". Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Qual o objetivo do aumento de capital do BID Invest, anunciado recentemente?

Uma das minhas críticas antes de entrar no BID era de que, para cada dólar que o BID Invest investia, só eram mobilizados 40 centavos do setor privado. Um dos meus objetivos era chegar, pelo menos, a uma razão de um para um. A mobilização do setor privado nos permitiu atingir o valor de US$ 23,5 bilhões investidos pelo grupo como um todo em 2021. Batemos o recorde. Nunca tínhamos feito mais de US$ 20 bilhões, e o crescimento veio do setor privado. O que apresentamos para os nossos governadores (como são chamados os representantes dos governos da região no conselho do BID) é um novo modelo de fazer negócios, que é o BID Invest 2.0. É tornar o BID Invest em um banco puramente de mobilização.

Como isso funcionaria?

Nós originamos (os financiamentos), reduzimos o risco, oferecendo garantias - o que é essencial, especialmente para um país como o Brasil - e distribuímos os portfólios de investimento. Somos uma das únicas instituições no mundo com classificação de risco AAA, que têm status de credor preferencial. Podemos usar nosso status de credor preferencial para mobilizar ainda mais recursos. Em vez de alocar um dólar do setor privado para cada dólar que investimentos, por que não 2 dólares? Ou 3 dólares? Eventualmente, 4 dólares ou 5 dólares. É aí que se consegue o efeito multiplicador. A ideia teve um amplo apoio e foi aprovada. E não só pelos nossos governadores em março, na reunião anual. Mas levamos a ideia para investidores privados.

Pretendem trabalhar com bancos locais também?

Sim, absolutamente. Obviamente, queremos trazer investidores institucionais. Precisamos trabalhar com todos eles (os bancos privados locais). Esses investidores têm uma proximidade maior com todos os negócios. Eles sabem onde estão as lacunas. O Brasil, diferentemente de outros países da região, tem a vantagem de ter um mercado de capitais profundo. Mas, à medida que entramos em áreas como investimentos ESG (sigla para os aspectos ambientais, sociais e de governança) e em áreas que gostaríamos de ver e que poderiam ter os maiores impactos no desenvolvimento - seja para regiões rurais ou na Amazônia -, isso vai exigir que instituições como a nossa entrem e façam a mitigação dos riscos para os investidores nesses tipos de projetos.

Qual será a quantia do aumento de capital do BID?

O objetivo é igualar a participação do capital público e do capital privado no nosso balanço. Do lado do capital público, fazemos entre US$ 14 bilhões e US$ 15 bilhões (em investimentos), dependendo do ano e das taxas de juros. No ano passado foram US$ 14 bilhões. Se conseguirmos atrair outros US$ 14 bilhões do setor privado, poderíamos nos tornar instituições de US$ 30 bilhões ou US$ 40 bilhões.

Quais são as áreas prioritárias dos investimentos?

Infraestrutura digital, energia renovável e infraestrutura de saúde são as principais. O presidente Joe Biden mencionou essas áreas durante a Cúpula das Américas quando ele falou sobre o tema. Acrescentaria ainda mais uma, que é o nearshoring (a terceirização da produção para países vizinhos ou próximos). Nós nunca vamos ver outra oportunidade como estamos vendo hoje. Os fechamentos de indústrias de base na China e, agora, os desafios de fornecimento de energia e comida depois da invasão da Rússia à Ucrânia de repente provocaram uma reavaliação dos riscos. Nós fizemos US$ 4 bilhões em investimentos em projetos de nearshoring no ano passado.

Quais projetos são esses?

De todo tipo. Dos US$ 4 bilhões, US$ 2 bilhões foram para projetos no lado governamental. Em apoio à melhoria da logística, para adaptar a infraestrutura e tornar os países mais atraentes a investidores. Outros US$ 2 bilhões foram para projetos de empresas, no lado do setor privado. Isso vai desde empresas no setor farmacêutico, uma área que tem uma grande oportunidade, a investimentos para energias renováveis. Uma das minhas obsessões é na área de energia renovável é fazer com que a cadeia de fornecimento seja um comércio entre o Norte e o Sul. No momento é da América do Sul para a China. E da China para os EUA. Para isso, o Brasil é essencial, porque é o país mais bem posicionado para produzir baterias elétricas, painéis solares, turbinas eólicas, etc. O único país que pode competir com a China nesse sentido é o Brasil.

Existe demanda para esses projetos e investimentos?

Em meio à turbulência que está ocorrendo, por causa do fechamento de cadeias de suprimento na China, na Ásia, e por causa da invasão da Rússia à Ucrânia, na Europa, o mundo está vendo a América Latina e Caribe como um certo mar de tranquilidade. Obviamente, há eleições e riscos políticos, que sempre existiram, mas os investidores estão reavaliando esse risco. Qualquer risco político agora na América Latina e no Caribe é visto como algo menor, comparado ao fechamento de cadeias de suprimento, comparado à guerra. Vemos isso refletido seja em índices de ações, como o MSCI, de mercados emergentes, ou na emissão de títulos da dívida privada.

O Brasil sempre teve dificuldade de se integrar nas cadeias de suprimento globais, por diversas razões. Infraestrutura é uma delas. Como superar esses desafios?

Já estão sendo superados O Brasil é o país que originou todo o conceito de substituição de importações. Essa percepção cultural foi superada. Não podemos subestimar as reformas que foram feitas, da perspectiva econômica, com a abertura do seu mercado. O governo merece o crédito de ter feito as reformas, seja a reforma da Previdência, a independência do Banco Central. A confiança que o BC tem hoje na comunidade internacional é maior do que jamais se viu. Tem havido uma mudança estrutural no Brasil. E tem havido uma mudança cultural em como se olha para as cadeias de valor.

O sr. falou sobre investimentos ESG. O desmatamento na Amazônia cresceu nos últimos anos no Brasil. Isso pode ser uma barreira para atrair esse tipo de investimento?

O que nós tentamos fazer, como instituição, é tentar construir um argumento econômico para a proteção das florestas. Uma vez que seja possível criar um mercado para a conservação das florestas, aplicando um valor de mercado às florestas, aí vamos ver uma mudança real. Estamos fazendo um trabalho em parceria com empresas privadas, para criar uma nova categoria de empresas na Bolsa de Valores, chamada de "companhias de ativos naturais" (natural asset companies). Procuramos uma forma de incentivar as empresas a conservar (o meio ambiente) e serem capazes de monetizar essa conservação. No Brasil, o que pode ser feito é desenvolver a cadeia de fornecimento de produtos da Amazônia, e inserir a Amazônia e a sua natureza nas cadeias de valor em si. Uma vez que esse argumento econômico for construído, vamos ver as oportunidades se abrindo. Existem US$ 25 trilhões no mercado hoje destinados a investimentos ESG. O Brasil tem todas as condições de capturar 10% desse valor. São US$ 2,5 trilhões. É metade do PIB do Japão. Mudaria o jogo. Mesmo se fosse 5%, 1%. Seria enorme.

Estadão
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Publicidade