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Por que o acordo comercial EUA-China mira segredos corporativos

Governo Trump culpa o país asiático de roubar segredos comerciais e usou essas alegações como base legal para iniciar a guerra comercial

16 jan 2020 - 10h25
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PEQUIM - O novo acordo comercial entre Washington e Pequim visa, em parte, a abordar uma das questões mais difíceis entre eles: a tática da China de adquirir tecnologia de empresas sediadas no Ocidente. É um tópico espinhoso e improvável que seja totalmente resolvido com um pacto comercial.

O governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, culpa a China de roubar segredos comerciais ocidentais e usou essas alegações como base legal para iniciar uma guerra comercial há quase dois anos.

As negociações comerciais entre os dois lados rapidamente se voltaram para questões mais amplas, mas o pacto comercial parcial assinado na quarta-feira inclui promessas da China de interromper algumas das práticas que as empresas ocidentais criticam há muito tempo. Dependendo dos detalhes, isso pode tornar o acordo mais palatável para as empresas americanas.

A base dessas preocupações é que a China mostrou, repetidamente, que pode adquirir tecnologia e, por meio de pesados subsídios do governo, criar rivais competitivos para as empresas americanas - que temem que isso possa ser feito em outros setores, como software e chips.

A China, há muito tempo, nega que força empresas estrangeiras a renunciar à tecnologia. Eles fazem isso de bom grado, afirma Pequim, para ter acesso ao vasto e crescente mercado da China. Ainda assim, as autoridades chinesas dizem que estão tomando medidas para abordar tais preocupações.

Como a China obtém tecnologia?

As autoridades norte-americanas acusam há muito tempo empresas e indivíduos chineses de hacking (atividade ilegal no setor cibernético) e outros roubos de segredos corporativos. E alguns membros do governo Trump temem que as empresas chinesas simplesmente os comprem por meio de acordos corporativos.

As empresas dos EUA dizem que as companhias chinesas também usam táticas mais sutis para obter acesso a tecnologias valiosas.

Às vezes, a China exige que empresas estrangeiras formem joint ventures com empresas locais para fazer negócios no país, como no caso da indústria automobilística. Às vezes, também exige que uma certa porcentagem do valor de um produto seja fabricada localmente, como já o fez com turbinas eólicas e painéis solares.

As empresas de tecnologia Apple e Amazon criaram vários empreendimentos com parceiros locais para armazenamento de dados na China e cumprir com as leis de segurança interna.

As empresas relutam em acusar os parceiros chineses de roubo por medo de serem punidos. Grupos empresariais que os representam dizem que as empresas chinesas usam esses ligações corporativas para pressionar parceiros estrangeiros a desistir de segredos. Eles também dizem que as autoridades chinesas pressionaram as empresas estrangeiras a dar acesso a eles em tecnologia sensível como parte de um processo de revisão para garantir que esses produtos sejam seguros para os consumidores chineses.

Os métodos funcionam?

Grupos empresariais estrangeiros apontam a energia renovável como uma área em que a China usou algumas dessas táticas para desenvolver indústrias domésticas.

A Gamesa, da Espanha, era a líder do mercado de turbinas eólicas na China quando Pequim determinou em 2005 que 70% de cada turbina eólica instalada na China teria de ser feita dentro do país. A empresa treinou mais de 500 fornecedores na China para fabricar praticamente todas as partes de suas turbinas. Criou uma fábrica para montá-las na cidade de Tianjin. Outros fabricantes multinacionais de turbinas eólicas fizeram o mesmo.

O governo Obama questionou a política como uma violação das regras da Organização Mundial do Comércio e a China a retirou, mas aí já era tarde demais. As empresas chinesas controladas pelo estado começaram a montar turbinas usando os mesmos fornecedores. Atualmente, a China é o maior mercado mundial para turbinas eólicas, e elas são fabricadas principalmente por empresas chinesas.

Uma evolução industrial, de certa forma, semelhante ocorreu logo depois em energia solar. A China exigiu que seu primeiro grande projeto solar municipal usasse apenas painéis solares que fossem pelo menos 80% fabricados na China. As empresas correram para produzir na China e compartilhar tecnologia.

O governo chinês também subsidiou pesadamente a fabricação de painéis solares, principalmente para exportação. As empresas chinesas acabaram sendo as produtoras da maioria dos painéis solares do mundo.

Quais indústrias poderiam ser as próximas?

Há quem no governo Trump tema que isso também esteja acontecendo com carros.

Logo depois de abrir a China a empresas automobilísticas estrangeiras, as autoridades chinesas realizaram uma competição entre as montadoras globais para saber quem teria permissão para entrar no mercado. A competição incluiu uma revisão detalhada da oferta de cada empresa de transferir tecnologia para uma joint venture a ser formada com uma parceira estatal chinesa.

A General Motors venceu a Ford Motor e a Toyota ao concordar em construir uma fábrica de montagem de última geração em Xangai com 48 robôs para fazer os últimos Buicks. Os executivos da Volkswagen, a montadora alemã que havia entrado na China ainda mais cedo, ficaram furiosos, porque as pressões competitivas também os obrigaram a atualizar sua tecnologia.

A China é agora o maior mercado de automóveis do mundo. Mas, com exceção de alguns modelos de luxo, praticamente todos os carros vendidos na China são fabricados lá. As altas tarifas chinesas sobre carros importados e peças de automóveis também exerceram seu papel, assim como o desejo de empresas estrangeiras de evitar os custos e riscos de transportar carros de locais distantes de produção.

Como o acordo de quarta-feira resolverá o problema?

Na trégua comercial firmada, as autoridades chinesas concordaram em não forçar as empresas a transferir tecnologia como condição para fazer negócios, e comprometeram-se a punir as empresas que infringem ou roubam segredos comerciais. A China também concordou em não usar empresas chinesas para obter tecnologia sensível por meio de aquisições.

Mesmo antes disso, as autoridades chinesas se comprometeram a abandonar a exigência de criação de joint ventures em áreas como carros.

A questão é saber se a China cumprirá suas promessas. As autoridades chinesas já emitiram regras que lembram grande parte do que prometeram no acordo de quarta-feira. Advogados estrangeiros dizem que as novas regras têm grandes brechas. As normas dão aos reguladores chineses ampla margem de manobra para agirem como entenderem que é correto, nos casos que envolvem "circunstâncias especiais", "interesses estatais nacionais" e outras exceções imprecisas.

O pacto comercial prevê consultas dentro de 90 dias se os Estados Unidos acreditarem que Pequim não está cumprindo seus compromissos, mas não está claro se o governo Trump poderá forçar o cumprimento. De maneira mais ampla, o pacto não trata dos subsídios da China para novas indústrias, um fator fundamental no que aconteceu em setores como o de painéis solares. A China rejeitou amplamente os pedidos de redução de subsídios para concorrentes locais em setores como semicondutores, aeronaves comerciais, carros elétricos e outras tecnologias de amanhã.

O governo Trump conta com tarifas para contrabalançar isso. O pacto comercial parcial deixará em vigor amplas tarifas para muitas desses setores para impedir que os concorrentes chineses inundem o mercado americano. Deixar tarifas amplas em vigor também dá às empresas ocidentais um forte incentivo financeiro para reconsiderar as cadeias de suprimentos fortemente dependentes da China. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Estadão
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