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Por que a Argentina está de volta aos braços do FMI?

País pedirá US$ 30 bilhões ao banco - em março passado, o ministro da Fazenda do país disse que isso não ocorreria

8 mai 2018 - 20h02
(atualizado às 20h29)
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A relação de amor e ódio entre a Argentina e o Fundo Monetário Internacional (FMI) ganhou mais um capítulo nesta terça-feira, quando o presidente Mauricio Macri anunciou que recorreria ao organismo multilateral de crédito para pedir ajuda econômica.

O governo argentino pretende obter uma linha de crédito - que qualificou de "preventivo" - de ao menos US$ 30 bilhões. A medida contraria declarações do próprio ministro da Fazenda argentino, Nicolás Dujovne, que em março de 2017 prometera que o país não voltaria aos empréstimos do FMI.

Desde que foi eleito em 2015, Macri colocou em marcha várias medidas liberais
Desde que foi eleito em 2015, Macri colocou em marcha várias medidas liberais
Foto: AFP / Getty Images / BBC News Brasil

A intenção do pedido de crédito do governo Macri é conter a sangria que se estabeleceu na situação cambial argentina, com a recente escalada do dólar que já levou o governo a subir a taxa de juros de 22% para 40%.

O aumento significativo dos juros não acalmou o mercado e a fuga de capitais continuou. Nesta terça-feira, antes do anúncio do pedido de auxílio, a moeda americana bateu novo recorde, chegando a 23,40 pesos. Na Argentina, onde muitos têm o hábito de poupar e de pensar em dólares desde os anos 1970, o comportamento da moeda americana costuma ser observado de perto por grande parte da população.

"A bateria de medidas monetárias e fiscais ainda são vistas como insuficientes e além disso há preocupação com os efeitos (das medidas e da alta do dólar) na inflação e no crescimento", disse o economista Gustavo Ber.

O ministro da Fazenda afirmou que o governo buscou o crédito externo para tentar estabilizar a situação e retomar seu plano gradual. "O Fundo tem juros mais baixos que os do mercado. Somos pragmáticos e estamos atentos para reagir da melhor maneira para cuidar da Argentina e especialmente dos mais carentes", disse o ministro diante das câmeras de TV.

Macri foi eleito em 2015 para mudar o rumo do país depois de anos de kirchnerismo
Macri foi eleito em 2015 para mudar o rumo do país depois de anos de kirchnerismo
Foto: EPA / BBC News Brasil

Dujovne disse que, no atual contexto internacional, o socorro do FMI daria "maior previsibilidade". Com a popularidade de Macri e do governo em baixa, as atenções agora voltam-se para esta quarta-feira, quando a oposição buscará aprovar na Câmara dos Deputados o fim dos aumentos das tarifas dos serviços públicos - um dos pilares do ajuste fiscal do governo Macri.

O ministro Dujovne indicou que Macri vetará a medida caso seja aprovada no Congresso. "É uma demagogia. Não podemos aumentar gastos agora", disse.

Espiral inflacionária

Parte do temor que levou a Casa Rosada a voltar os olhos para o Fundo é o de que a alta do dólar e das taxas de juros acabe sendo transferida para os preços, alimentando ainda mais a inflação que este ano, segundo analistas, ficará novamente - no terceiro ano consecutivo da gestão Macri - acima da meta.

O objetivo estabelecido pelo BC argentino é de 15%, mas analistas estimam que o índice passará dos 22%. Na segunda-feira, para tentar conter a escalada inflacionária, o governo Macri pediu às petroleiras que congelem preços por dois meses e ainda apelou aos bancos para que colocassem dólares no mercado na tentativa de frear a alta da moeda americana.

No início de seu governo, Macri adotou como uma de suas bandeiras, justamente, a liberação dos preços de combustíveis.

Capitulação

Nesta terça-feira, no fim de uma manhã agitada, Macri justificou num pronunciamento à nação os motivos para o apelo ao Fundo. "Diante dessa nova situação internacional, e de maneira preventiva, decidi iniciar conversas com o FMI para que nos dê uma linha preventiva de apoio financeiro", disse.

Nas últimas semanas, o peso argentino perdeu valor frente ao dólar
Nas últimas semanas, o peso argentino perdeu valor frente ao dólar
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O presidente afirmou também que o pedido se deve à "volatilidade da economia". Segundo ele, a Argentina "depende muito de financiamento externo", mas Macri voltou a responsabilizar a herança que recebeu do governo anterior, além de uma mudança no cenário externo.

"Durante os primeiros anos, contamos com um contexto internacional muito favorável, mas hoje (isto) está mudando", disse. Ele apontou o aumento das taxas de juros, a alta do petróleo e a desvalorização das moedas dos países emergentes entre os fatores que aumentaram a volatilidade argentina.

O economista Raúl Ochoa, professor da Universidade de Buenos Aires (UBA), disse à BBC Brasil que neste contexto de volatilidade e desvalorização do peso, o governo "fez bem".

"O Fundo poderá emprestar a taxas mais baixas do que o mercado oferece hoje. Será uma sinalização importante ao mercado financeiro sobre a capacidade de gestão e de pagamento da Argentina", disse Ochoa por telefone.

Segundo ele, após a crise de 2008, o Fundo aliviou suas receitas de ajustes. "O Fundo não é mais o mesmo e não pedirá a Argentina os ajustes que costumava pedir no passado", disse. Para ele, a Argentina tem hoje problemas que dificultam o funcionamento da sua economia, que são déficit fiscal, déficit comercial e inflação alta.

"A Argentina hoje é dependente do crédito externo. Mesmo reduzindo o gasto, com a inflação alta, está sempre aquém dos resultados que busca e de que precisa no campo econômico", afirmou Ochoa.

Para o economista Miguel Kiguel, o "positivo é que o governo agiu rápido" diante da instabilidade crescente. Mas ele ressalvou que recorrer ao Fundo tem "custo político e o mercado está esperando para saber os detalhes desse acordo" antes de comemorar ou não.

O político Ricardo Alfonsín, filho do ex-presidente Raúl Alfonsín (1983-1989), criticou a iniciativa de Macri. "Tenho medo que o remédio seja muito maior do que a doença e agrave a situação", disse em sua conta no Twitter.

Na mesma rede social, a deputada opositora Margarita Stolbizer disse que o anúncio de pedido ao FMI "assusta" e que ou "o governo não está contando tudo" ou "está traindo a expectativa que gerou" nos argentinos.

A relação do FMI com a Argentina ficou turbulenta durante o governo de Cristina Kirchner
A relação do FMI com a Argentina ficou turbulenta durante o governo de Cristina Kirchner
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Idas e vindas

O histórico da Argentina com o Fundo é de um movimento pendular que já dura décadas. A relação incluiu, na história recente, o respaldo do organismo ao regime de conversibilidade cambial adotado na década de 1990 pelo governo de Carlos Menem.

A estratégia, que fracassou e culminou na crise política e econômica de 2001, foi de adotar a paridade entre o peso e o dólar, fixando o câmbio em "1 para 1". A economia argentina afundou e a dívida com o Fundo se arrastou pelos governos seguintes.

Após o pagamento do saldo devedor, no governo de Néstor Kirchner (2003-2007), os contatos passaram a ser conflituosos e as equipes do FMI deixaram o país.

Durante os anos de Cristina Kirchner, viúva e sucessora de Néstor, o Fundo deixou até mesmo de listar o país em seus relatórios de observação por considerar que os dados econômicos divulgados pela Casa Rosada não eram confiáveis.

Quando o kirchnerismo saiu do governo em dezembro de 2015, após o fim dos governos de Cristina, Macri iniciou uma reaproximação com o Fundo.

Em março, a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, visitou o país para participar da reunião do G-20 e teve longas conversas com Macri. À imprensa local, ela elogiou o governo e disse que "já fez tantas coisas em dois anos que não parece ser gradualismo". Gradualismo foi o selo que a gestão Macri adotou para seu modelo que prevê, oficialmente, medidas graduais para resolver os problemas da economia.

"Os dois primeiros anos do governo Macri foram impressionantes e coincidem com a determinação da Argentina de restaurar sua situação e conseguir que o país volte ao círculo internacional dos países e têm feito isso com sucesso", disse ela, em março ao jornal La Nación.

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