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Petróleo dispara após ofensiva de Trump contra Irã - e isso afeta bolso dos brasileiros

Analistas apontam que decisão de abandonar acordo iraniano pode trazer vantagens para o governo do Brasil, mas afetar negativamente a população.

9 mai 2018 - 15h24
(atualizado às 22h19)
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Menos de 24 horas depois da saída dos Estados Unidos do acordo nuclear com o Irã, anunciada por Donald Trump nesta terça-feira, em Washington, países exportadores de petróleo já comemoram lucros expressivos.

No fim da tarde desta quarta, o barril de petróleo era negociado a US$ 71,32 (aproximadamente R$ 277), valor mais alto desde novembro de 2014.

Com preço do petróleo em ascensão, gasolina deve subir de preço nos postos
Com preço do petróleo em ascensão, gasolina deve subir de preço nos postos
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil / BBC News Brasil

Conforme aumentam a tensão no Oriente Médio e os preços dos barris no mercado internacional, países produtores de petróleo, como o Brasil, arrecadam mais dinheiro com impostos e royalties. Mas a notícia também traz efeitos colaterais para consumidores e empresários, que encontrarão gasolina mais cara nos postos e devem faturar menos com a venda de mercadorias e serviços, graças ao transporte mais caro.

Para o engenheiro David Zylbersztajn, diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a alta traz alívio para municípios e estados que dependem da produção de petróleo - caso do Rio de Janeiro, cuja economia entrou em colapso com a queda na arrecadação de royalties nos últimos anos.

"Governo e estados arrecadam significativamente mais. O problema no Brasil é que se gasta mal na maioria das vezes. Quando cair o preço, os Estados entrarão em crise novamente. Não se criam condições para que a economia se reproduza. É como a mesada da tia: quando ela morre, se você não investiu ou guardou nada, vai ficar sem mesada, sem dinheiro de uma hora para a outra", compara.

"É claro que vai impactar no preço final para os consumidores", continua Zylbersztajn. "Ainda mais porque há dois movimentos: aumento do preço do barril com a saída dos EUA do acordo e o aumento do dólar" - que bateu recordes nas últimas semanas graças a incertezas sobre as eleições brasileiras e à chance de aumento nas taxas de juros dos EUA.

Para o professor da USP Ildo Sauer, ex-diretor da Petrobras durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a classe média é a principal prejudicada.

"O transporte urbano e de cargas é extremamente dependente da gasolina e do diesel. (A alta) Isso vai aumentar os custos da classe média e seu mau humor, às vésperas das eleições", diz Sauer por telefone à BBC Brasil.

'Vazio iraniano'

Na avaliação de Luis Carvalho, analista de petróleo e gás para a América Latina do banco suíço UBS, "a Petrobras deve ser afetada positivamente" com a decisão de Trump, já que a companhia reajusta valores de combustíveis no mercado doméstico a partir da oscilação dos preços internacionais.

"O pré-sal atualmente é viável com o valor do petróleo próximo dos 35 a 40 dólares por barril. Consequentemente, com o barril próximo dos 77 dólares, a margem de lucro dessa produção será muito maior", prevê o economista.

Analistas americanos avaliam que a principal razão da alta recorde desta quarta-feira é a incerteza sobre o futuro das exportações do petróleo iraniano - o país é um dos cinco maiores produtores do mundo e exporta atualmente mais de 2,6 milhões de barris por dia.

Quando as sanções econômicas prometidas por Trump contra o Irã entrarem em vigor, em novembro, estima-se que as exportações iranianas poderão cair entre 500 mil e 1 milhão de barris diários - voltando aos níveis anteriores ao acordo assinado em 2015 com EUA, França, Reino Unido, Alemanha, China e Rússia, quando o país era alvo de sanções americanas e europeias.

Mas quem deve ocupar o "vazio" que aparecerá após as sanções sobre exportações iranianas?

Para Dan Eberhart, especialista no mercado de energia e CEO da empresa americana de serviços petroleiros Canary LLC, o movimento do presidente americano deve estimular a produção de petroleiras dos próprios Estados Unidos.

"A OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) deve continuar com sua capacidade adicional de produção inalterada, já que a Arábia Saudita está focada nos preços das ações de sua empresa estatal de combustível. Então, qualquer oferta adicional deve cair nos ombros dos produtores americanos. Algo que tenho certeza que deve deixá-los bastante felizes", avalia.

No entanto, para Eberhart, a popularidade doméstica de Trump também pode ser abalada com o preço do combustível em alta.

"A decisão será boa para o mercado de petróleo e gás dos EUA. Mas (Trump) não está fazendo isso por essa razão, uma vez que o preço da gasolina na bomba tem uma importância política significativa, especialmente quando entramos na temporada de viagens de verão (no hemisfério norte)."

Europa

A reviravolta na produção mundial do combustível acontece ao mesmo tempo em que a demanda por petróleo em todo o mundo dispara. De acordo com dados divulgados recentemente pelo banco americano Goldman Sachs, a procura mundial pelo recurso cresceu no primeiro trimestre deste ano no ritmo mais acelerado dos últimos oito anos.

Aflutuação nos preços do combustível pode arrefecer se o Irã chegar a um entendimento com os outros signatários do acordo nuclear.

Todos eles - França, Reino Unido, Alemanha, China e Rússia - se opuseram publicamente à decisão unilateral de Trump.

"Os EUA não compram petróleo iraniano, diferentemente de outros signatários do acordo como Rússia, Reino Unido, França e Alemanha, que se opõem ao fim do acordo e devem continuar comprando petróleo iraniano. A Ásia, de longe o principal importador de petróleo do Irã, também deve continuar comprando, como já fez na rodada anterior de sanções", avalia Sukrit Vijayakar, especialista em petróleo da consultoria americana Trifecta.

Na próxima segunda-feira, ministros das Relações Exteriores de França, Alemanha, Reino Unido e Irã devem se reunir para negociar um novo acordo, nos mesmos moldes do anterior, mas sem a participação dos americanos.

Nesta quarta, o chanceler da França, Jean-Yves Le Drian, disse que lamenta profundamente a decisão de Trump e afirmou que o acordo é "essencial para a manutenção da paz no Oriente Médio".

Reações

Imediatamente após o anúncio, o presidente francês, Emmanuel Macron, disse que "o regime internacional contra a proliferação de armas nucleares está em jogo".

Em comunicado conjunto, a primeira-ministra britânica, Theresa May, a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês ressaltaram o "compromisso contínuo" por um acordo com o governo iraniano.

"Encorajamos o Irã a mostrar moderação em sua resposta à decisão dos EUA; o Irã deve continuar a cumprir suas próprias obrigações sob o acordo, cooperando plenamente e de maneira oportuna."

Já o presidente iraniano, Hassan Rouhani, quase simultaneamente, afirmou que o anúncio mostra que "ao contrário do Irã, os Estados Unidos são um país que não cumpre seus compromissos" e afirmou que pode ordenar a retomada do enriquecimento de urânio "em ritmo industrial".

Rouhani, cujo cargo está na berlinda por pressões internas de políticos linha-dura, que sempre se colocaram contra o acordo, disse que o anúncio de Trump é uma "guerra psicológica de Washington". Na manhã desta quarta, parlamentares iranianos queimaram publicamente uma cópia do texto do acordo e gritaram "morte à América", em nítido sinal de elevação da tensão.

China e Rússia, dois dos principais parceiros do governo iraniano, dizem que vão trabalhar para manter o pacto com o país.

Segundo analistas, a Rússia foi uma das principais vencedoras com a decisão de Trump - o país é um gigante produtor e exportador de petróleo (que agora chega a valor recorde) e deve se beneficiar de um aumento da desconfiança internacional sobre os EUA, que podem ser vistos como maus parceiros em tratados internacionais.

Com o crescimento da hostilidade no Oriente Médio e de conflitos com Arábia Saudita e Israel, o Irã deve se aproximar ainda mais dos russos, de quem devem comprar mais armas para fazer oposição a eventuais ataques patrocinados pelo ocidente.

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