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'Petrobrás vai ter de recuperar a credibilidade', diz Paulo Leme

Para o economista, o importante é deixar que o sistema de preços da Petrobrás reflita a realidade do mercado

3 jun 2018 - 05h05
(atualizado às 09h09)
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Para Paulo Leme, ex-presidente do Goldman Sachs no Brasil, a mudança no comando da Petrobrás não pode resultar em uma mudança na política de preço dos combustíveis. "O primeiro passo (para manter a credibilidade da estatal) é resguardar a autonomia decisória da empresa e reconhecer que o preço do petróleo subiu muito em reais nos últimos meses", disse ao Estado. De acordo com o economista, o governo deveria ter pedido "gestos de boa vontade" dos caminhoneiros antes de ceder às demandas dos grevistas. "Isso (ceder sem também fazer exigências) cria um risco de, numa situação que está esgarçada e em que existe uma série de pleitos legítimos de outras áreas do País, você ter uma leva de outros problemas desse tipo (como a greve)." Leme, que já prevê um crescimento do PIB inferior a 2% neste ano, afirma ainda que é "questionável" a decisão do governo de fazer os contribuintes pagarem, através de impostos, parte do diesel que será vendido de forma subsidiada. "Em geral, (quem deve pagar a conta) deve ser o usuário daquele bem cujo preço subiu."

Como a Petrobrás sai desse episódio, após o anúncio de redução do preço do combustível e a saída de Pedro Parente da presidência?

Nada é irreversível, mas o governo terá de investir capital político para que a empresa possa recuperar a credibilidade que conquistou nos últimos dois anos. O primeiro passo é resguardar a autonomia decisória da empresa e reconhecer que o preço do petróleo subiu muito em reais nos últimos meses. Dentro dos extremos (das políticas de preços da Petrobrás), eu prefiro o atual, de uma atualização mais imediata dos preços em linha com os internacionais e com a taxa de câmbio, do que a política antiga, que é um subsídio completo e irreal de um fator escasso, o combustível. A situação atual é melhor do que a que tínhamos. Pode ser melhorada? Pode e deve. Talvez, dada a volatilidade da commodity e da taxa de câmbio, que são dois ativos e, portanto, por natureza, voláteis, fosse melhor algo que suavize, (reajustes) em uma ou duas semanas. Outro problema é o que preocupa o investidor que investe em ações, não só da Petrobrás, mas de outras empresas. Por exemplo, todas as empresas de concessões de estradas que, de repente, veem uma mão estatal intervindo no resultado que pode afetar a distribuição de dividendos e o preço da ação. Isso gera incerteza no mercado de ações.

A Petrobrás tem um papel estratégico para a sociedade e justamente por isso ficou no meio da crise. Em decorrência dessa função, não é preciso trabalhar os preços do combustível de uma forma diferenciada dos demais?

O importante é deixar que o sistema de preços - e isto se aplica a outros preços importante da economia -- sinalize a realidade do mercado. Como o preço internacional do petróleo subiu muito este ano e o real se desvalorizou em relação ao dólar, isso terá de chegar ao usuário final. É importante notar que o agravante é a carga tributária que incide nos preços dos derivados de petróleo e outros preços relativos na economia. Já não há grau de manobra disponível.

Quais os impactos da greve na economia?

Primeiro, a escassez desde produtos energéticos até de alimentos vai ter um impacto transitório na inflação. Um impacto passageiro, que não vai exigir uma atuação do Banco Central em termos de (elevação da) taxa de juros. O segundo vai ser o impacto mais profundo, porém se resolverá ao longo de uns três meses, uma redução da atividade econômica. Toda essa parada (das atividades) vai ter um impacto nas vendas, na produção, na falta de uma série de insumos e nos serviços que deixarão de ser criados. Vai haver uma queda na atividade, além daquela que já vinha se materializando na economia brasileira. Indo para a parte mais incerta, não é claro se (o modo como a greve foi encerrada) não vai abrir novos pleitos, dado que o governo piscou (aos grevistas). Em termos de teoria dos jogos e posicionamento em negociação, ele cedeu antes de pedir gestos de boa vontade do outro lado. Isso cria um risco de você ter, numa situação que está esgarçada e em que existe uma série de pleitos legítimos de outras áreas do País, uma leva de outros problemas desse tipo.

Como fica a situação fiscal do País com o governo abrindo mão do PIS/Cofins e da Cide dos combustíveis?

Já se tem uma situação fiscal delicada. A resolução dessa crise fiscal vai ser um dos grandes temas para 2019. O que é dramático é quem paga por isso (pela redução dos impostos sobre combustíveis). Em geral, deve ser o usuário daquele bem cujo preço subiu. Terminar na mão do contribuinte me parece questionável. Houve um aumento de um preço de um bem no mercado internacional, que é o petróleo. Não foi uma escolha da Petrobrás nem do Brasil. Pelas boas notícias, de que o mundo está crescendo e a produção é limitada, estamos tendo um aumento no preço do combustível lá fora e isso tem de ser repassado para o consumidor aqui. Fica um debate também da incidência do que é justo para pagar esse imposto. Outra lição é que já estamos além do limite sustentável do problema fiscal e, portanto, corrigir com uma medida improvisada começa a ficar muito difícil. O problema estrutural de fundo é um excesso de despesa, ou seja, grupos da sociedade se beneficiam de transferências fiscais, o que vem onerando de uma forma crescente a carga tributária. Essa carga se torna insustentável e ninguém quer pagar por isso. Dentro dos vários elementos que a gente pode concluir dessa crise é que já estamos além do preâmbulo do insustentável e que uma solução mais estrutural de longo prazo precisa entrar. Ou seja, uma vez que o paciente crítico tiver estabilizado, uma cirurgia profunda, fiscal, tem de ser feita no País.

Considerando a greve, o cenário eleitoral e o fator externo, dá para fazer alguma previsão para a economia neste ano?

Dentro da dificuldade que é prever especialmente o resultado eleitoral e tendo esse elemento introduzido pela crise dos caminhoneiros, uma coisa é certa: a taxa de crescimento já sofreu. Vai estar abaixo do que poderia ter sido e abaixo dos 2%. A partir das eleições, se abre um leque muito amplo de possibilidades tanto para crescimento, como câmbio e juros. Vai depender de possíveis candidatos. Podemos ter um cenário muito melhor e um muito pior.

Pressionado pela greve, que tinha também um discurso nacionalista, o governo intervirá na economia, indo em direção contrária aos planos iniciais. Além disso, o PIB ainda sofre para decolar. Diante desse cenário, um discurso e um candidato reformista perdem espaço para 2019?

Quanto mais baixa a taxa de crescimento do PIB e mais alta a de desemprego, mais oportuno será uma plataforma que favoreça o ajuste e as reformas econômicas, e não o contrário. Estamos bem distantes de um bom programa centrado em boas reformas estruturais, viabilidade fiscal e liberdade no plano econômico. Portanto esse discurso ganhou espaço.

Mas a população dará apoio as reformas após Temer ter as defendido e, mesmo assim, a economia continuar patinando?

Esse é o ponto. (O governo) começou bem, mas foi se desviando rapidamente do norte magnético, de um verdadeiro programa de ajustes e reformas capazes de resolver nossos problemas fiscais e de baixo crescimento.

Estadão
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