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Coronavírus

'Pai' da LRF defende atrelar meta para dívida pública do País a teto flexível

Para José Roberto Afonso, agora é a hora de se criar trava para o endividamento, ainda que possa ser suspensa em períodos de crise

3 jun 2020 - 05h11
(atualizado às 10h26)
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BRASÍLIA - O aumento dramático nos gastos públicos para combater efeitos da crise provocada pela pandemia do novo coronavírus acendeu o debate entre economistas sobre como o Brasil vai sinalizar a investidores um compromisso crível com a reorganização das contas públicas. Um dos pais da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o economista José Roberto Afonso defende que o País adote uma meta de dívida pública, associada a um limite mais flexível para as despesas.

O atual teto de gastos, que limita o avanço das despesas à inflação, deve enfrentar uma pressão cada vez maior e pode estourar já no ano que vem sem a aprovação de reformas que ataquem o gasto público.

José Roberto Afonso que meta de dívida pública para o País.
José Roberto Afonso que meta de dívida pública para o País.
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado / Estadão

Enquanto isso, parlamentares do Centrão, bloco que se aliou a Jair Bolsonaro para dar sustentação ao governo, e até integrantes da ala política do governo defendem mais despesas públicas para impulsionar a retomada da economia pós-pandemia. Há também pressão para que o governo crie uma renda básica para a população vulnerável com base no auxílio emergencial de R$ 600 criado temporariamente para o período da crise, política que poderia ter custo bilionário.

A equipe econômica tem defendido fervorosamente a manutenção do limite nos moldes atuais e vê na regra uma "superâncora" para sair da crise com a confiança dos investidores de que o País seguirá fazendo o ajuste fiscal. A avaliação no governo é que qualquer alteração no teto pode se transformar em custo adicional para o País se financiar no mercado, com reversão da trajetória de queda nos juros da dívida.

Endividamento

Essa manutenção é vista como ainda mais crucial agora em que o Brasil precisou elevar brutalmente seu endividamento para reagir à pandemia. A previsão oficial é que a dívida bruta termine o ano em 93,5% do PIB, mas economistas já veem níveis até maiores, próximos de 100% do Produto Interno Bruto (PIB), um patamar considerado elevado para países emergentes como o Brasil.

Afonso, porém, vê na crise uma oportunidade para criar a trava para a dívida, ainda que sua aplicação fique suspensa em períodos de calamidade e recessão. "É importante dar um norte para os investidores que estão correndo para dívida pública na hora da tormenta, mas, quando esta se dissipar, precisam do conforto de que a mesma será paga", afirma o economista, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Regulamentação

A LRF prevê os limites da dívida mobiliária (contraída via emissão de títulos públicos) e da dívida consolidada (que inclui os títulos e outros débitos, como empréstimos contratuais e precatórios judiciais), mas os dispositivos nunca foram regulamentados. Para Afonso, a hora de fazer isso é agora, no meio da crise, com possibilidade de prever uma longa trajetória de ajuste e associar a nova âncora a um "renovado teto", mais flexível que o atual.

A meta de dívida poderia ser trianual, com atualizações periódicas, como já é feito com a meta de resultado primário (obtida pela diferença entre arrecadação e gastos) na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). "A ideia de uma meta rígida de gastos ou de dívida é irreal porque, infelizmente, a economia insiste em se mover em ciclos. Pior: às vezes, como agora, afunda sem parar", Afonso.

No longo prazo, o governo continuaria com o compromisso de adotar medidas que resultem na convergência da dívida para a meta fixada, mas no curto prazo teria maior flexibilidade para agir em momentos de necessidade como o atual.

Benefícios

Para o economista Alexandre Manoel, ex-secretário de Acompanhamento Fiscal e de Avaliação de Política Pública do Ministério da Economia, que apoia a visão de Afonso, estabelecer uma meta de dívida e flexibilizar a regra do teto para acomodar algum aumento real nas despesas traz como benefícios o compromisso com uma meta crível e o alinhamento com a sustentabilidade fiscal. Ele defende que isso seja feito amparado em um plano de privatizações, em que as receitas obtidas ajudariam a reduzir o endividamento.

Segundo Manoel, os ganhos da implementação do teto em 2016, quando os investidores duvidavam da capacidade do governo em fazer o ajuste fiscal, são "incontáveis". Mesmo assim, ele argumenta que é preciso ajustar a regra. "O novo cenário econômico e sanitário impõe uma renovação desse tipo", afirma.

A visão não é unânime. Para o economista Gabriel Leal de Barros, do BTG Pactual, o teto de gastos é essencial para manter a confiança dos investidores no ajuste fiscal brasileiro. "A meta de dívida é uma meta secundária. Se o País não controlar os gastos, vai acumular uma dívida continuamente maior", afirma. Segundo ele, o Brasil ainda tem espaço para cortar gastos e manter o teto sustentável.

No ano passado, o senador José Serra (PSDB-SP) apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) fiscal que propõe retirar as despesas com Previdência do teto de gastos, desde que seja fixado um limite para a dívida pública da União. A PEC foi protocolada dias antes de o ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentar um conjunto de reformas fiscais, cuja tramitação está paralisada no Senado Federal devido à pandemia.

O consultor Leonardo Ribeiro, assessor econômico do senador, cita um estudo produzido por um conselho alemão de especialistas que apontou maior efetividade de regras que limitam a dívida. "O teto no Brasil tem um grande problema, que é a Previdência. Mesmo com reforma, a dinâmica de crescimento dessa despesa é acima da inflação. Isso achata outras despesas", diz.

Segundo ele, o governo poderia criar uma meta de dívida a ser perseguida ao longo de 10 ou 15 anos, com acompanhamento anual sobre as medidas adotadas para atingi-la. No contexto atual, diz o consultor, o País poderia fixar uma meta de dívida próxima do patamar anterior à crise do novo coronavírus, ao redor de 80% do PIB.

A equipe econômica, contrária a mudanças, argumenta que o teto já tem válvulas de escape para episódios de crise, como os créditos extraordinários, que abrem caminho a despesas emergenciais sem necessidade de respeitar o limite de gastos.

Estadão
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