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O verdadeiro desafio da China: gerenciar seu declínio

Aqueles que os deuses desejam destruir, eles primeiro promovem como países do futuro

6 dez 2018 - 15h44
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Em 2009, 'The Economist' escreveu sobre um poder global em ascensão: o Brasil. Sua economia, sugeriu a revista, logo ultrapassaria a da França ou do Reino Unido como a quinta maior do mundo. São Paulo seria a quinta cidade mais rica do planeta. Vastas novas reservas de petróleo offshore proporcionariam um impulso adicional, complementado pelo robusto e sofisticado setor industrial do país.

Para ilustrar o assunto, a capa da revista apresentava uma imagem da estátua do Cristo Redentor do Rio de Janeiro decolando do alto de sua montanha como se fosse um foguete.

O foguete nunca entrou em órbita. A economia do Brasil agora tenta com dificuldades sair da pior recessão de sua história. A taxa de homicídios - 175 pessoas por dia em 2017 - está em um nível recorde. Um ex-presidente está preso, outro foi acusado. O novo presidente é um admirador da velha ditadura militar do país, só que ele acha que esta deveria ter matado as pessoas que torturou.

Aqueles que os deuses desejam destruir, eles primeiro promovem como países do futuro.

Pensei na história da The Economist enquanto lia uma série profundamente pesquisada e instigante no The New York Times sobre outro país do futuro: a China. A expressão "ascensão da China" tornou-se tão banal que a tratamos mais como um fato natural do que como uma previsão de um tipo muito familiar - uma que foi feita erroneamente sobre a União Soviética nos anos 1950 e 1960; ou sobre o Japão nos anos 1970 e 1980; e sobre a União Europeia nos anos 1990 e 2000.

Por que os clichês atuais sobre a suposta ascensão da China seriam diferentes?

Uma resposta sugerida pela série do NYT é que Pequim ignorou panaceias econômicas ortodoxas sobre a necessidade de uma liberalização cada vez maior do mercado e menos controle estatal enquanto ainda consegue prosperar. Há algo de importante nisso. A quantidade tem uma qualidade própria, diz o ditado, e Pequim pode fornecer quantidade como nenhum outro país, exceto a Índia.

Também pode fornecer crueldade. A Laogai Research Foundation estima que o número de trabalhadores compulsórios na China esteja na casa dos milhões. Em um soberbo artigo jornalístico no mês passado em Vox, Rossalyn Warren rastreou a desesperada mensagem encontrada em uma bolsa do Walmart, feita na prisão de Yingshan, no sul da China. A nota descreveu dias de trabalho de 14 horas e espancamentos.

Tiranias não funcionam no longo prazo. Mas elas sabem como fazer as pessoas trabalharem no curto prazo.

No entanto, mesmo com as vantagens de escala e força, a China não está funcionando. Em 2014, ano em que Pequim registrou uma taxa de crescimento oficial de 7,3% (contra 2,6% nos EUA), a China perdeu US$ 324 bilhões para a fuga de capitais, segundo estimativa da UBS. Em 2015, o número mais que dobrou, para US$ 676 bilhões, segundo o Instituto de Finanças Internacionais. Em 2016: US$ 725 bilhões.

Sim, parte do dinheiro vai para investimentos produtivos no exterior, não apenas apartamentos em Sydney ou contas bancárias em Liechtenstein.

Mas há o fato de que cerca de 46% dos chineses ricos desejam emigrar, a maioria deles para os Estados Unidos. Se as perspectivas da China são tão brilhantes quanto os defensores da China pensam, por que os filhos e filhas mais afortunados da China enxergam seu futuro em outro lugar?

Talvez seja porque direitos individuais, escolhas democráticas, estado de direito, mercados competitivos, elevados níveis de transparência, baixos níveis de corrupção governamental, fontes de notícias independentes e liberdade de pensamento, consciência e expressão sejam ativos acima do preço - que os ocidentais tendem a valorizar muito ligeiramente, enquanto de forma tola partem do princípio de que os outros também o fazem.

Se você definir poder como o poder de atrair e não simplesmente forçar, então Pequim - com sua visão distópica de vigiar totalmente e avaliar todos os cidadãos até 2020 - não é uma potência em ascensão de forma alguma. É uma em declínio.

Talvez seja também porque a imagem que a China apresenta ao mundo sobre seus pontos fortes econômicos é enganosa. A economia da China deu seus passos em meio a uma pilha de dívidas públicas e privadas de atualmente US$ 34 trilhões de dólares. Pequim reivindicou um crescimento de 6,9% em 2017, mas as estatísticas chinesas são quase inúteis - artefatos de propaganda em vez de produtividade. A ascensão da China também tem sido a ascensão faz de conta chinês.

Tudo isso pode parecer uma abordagem excessivamente sombria. E os arranha-céus de Guangzhou? E quanto às pontuações dos testes de estudantes em Xangai? E quanto às centenas de milhões trazidos para fora de uma vida de subsistência e elevados até ou acima, da classe média?

A ascensão da China não é um tipo de miragem. Mas o que importa é o futuro, não o passado, e se é possível que uma nação construída sobre a restrição das liberdades concedidas a pessoas comuns pode ultrapassar, ser mais esperta e sobreviver a outra nação construída na defesa e ampliação dessas liberdades. Ante as evidências atuais, isso parece totalmente duvidoso.

Os políticos e analistas americanos costumam falar sobre o desafio de administrar a ascensão da China. É melhor começar a pensar em vez disso no desafio de administrar seu declínio, começando na cúpula do G-20 em Buenos Aires. O Japão e a Europa entraram suavemente em eclipse, e a União Soviética se rendeu sem luta (pelo menos até sua atual fase revanchista).

Será que a liderança atual da China aceitará a possibilidade de seu próprio declínio de forma tão filosófica, depois de ter-se convencido de sua rápida ascensão à primazia? Ninguém deveria apostar nisso. Um tigre ferido raramente é plácido. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Estadão
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